Duas vitórias nos últimos sete jogos, segundo empate consecutivo no Dragão, exibições irregulares, debilidade defensiva. Lenços brancos e assobiadela monumental.

Nunca, jamais, o FC Porto passara pela Liga dos Campeões sem vencer um único jogo em casa na fase de grupos; no campeonato, a vantagem de cinco pontos sobre Benfica e Sporting minguou até à diferença mínima.

Fonseca reconhece a insatisfação, fala em intranquilidade e desperdício. Poupemos as palavras e os eufemismos: há crise, e grande, no tricampeão nacional.

V. Fernandez: «FC Porto não pode falhar em casa, por isso saí»

Brilhante em Paços de Ferreira, Paulo Fonseca chegou em estado de graça no mês de junho. O bicampeão Vítor Pereira abria o coração em entrevista ao Maisfutebol, a primeira após a saída, e rumava ao Médio Oriente. Os adeptos, pelo menos a maioria, rejubilavam.

Estavam libertos, pensavam, do futebol pausado e previsível, das conferências de imprensa aborrecidas, vulgares e monocórdicas. O que dariam, por estes dias, para ter o treinador bicampeão de volta?

Fomos atrás de respostas e de explicações para esta fase negra dos dragões.


Sem ser possível falar com alguém da estrutura atual, ouvimos dois ex-treinadores, Victor Fernandez (2004/2005) e Carlos Azenha (2006-2008, adjunto de Jesualdo), a falar sobre o FC Porto e a forma como o clube vive e reage em tempos de dificuldade.

«A bitola está sempre elevada no FC Porto. Felizmente, no meu tempo, nunca houve contestação. É verdade, porém, que perder um jogo ou empatar cria sempre uma atmosfera difícil. E isso pode ser bom e mau, ao mesmo tempo», defende Carlos Azenha.

«É bom porque obriga o grupo a reagir e a ganhar, mas mau porque em tudo é preciso equilíbrio. E no FC Porto nem sempre isso sucede na hora da derrota».

Victor Fernandez, o homem responsável pela conquista da segunda Taça Intercontinental do clube, foi uma vítima dos maus resultados em casa.

«No FC Porto não pode ser, não é aceitável perder pontos em casa. Esse foi, aliás, o principal motivo do meu despedimento. O presidente veio ter comigo e explicou-me: 'Victor, não jogamos bem em casa, temos de mudar'. Ele precipitou-se, como já me disse algumas vezes, mas tive mesmo de sair».

E com Paulo Fonseca, a margem de manobra vai ser maior? «Sim, o presidente é um homem inteligente. Desejo a maior sorte ao FC Porto e sei que o clube já ultrapassou coisas piores», considera Victor Fernandez.

OS DEZ PECADOS DO FC PORTO 2013/14

1. Desconcentrações/erros no setor defensivo
O lapso de Danilo, frente ao Áustria, é o último exemplar de uma galeria de horrores. Helton (Atlético Madrid), Alex Sandro (Zenit), Mangala (Belenenses) e Otamendi (Nacional) ilustram um distinto rol de disparates e absurdos. «O grande problema não é o modelo de jogo, mas sim os erros objetivos no processo defensivo», advoga Carlos Azenha. «E o pior é que os jogadores são os mesmos. Nenhuma equipa resiste a erros básicos que originam golos».

2. Incapacidade de segurar vantagens
Este ponto surge decorrente do anterior. O FC Porto já perdeu por cinco vezes esta época a vantagem no marcador e foi incapaz de ganhar: Estoril, Atlético Madrid, Belenenses, Zenit (fora) e Nacional. A equipa é incapaz de controlar o jogo, matá-lo, como tão bem fazia sob a orientação de Vítor Pereira. «Creio que só agora se fala mais nisso porque o Benfica começou mal», defende Carlos Azenha. Victor Fernandez dá uma opinião mais institucional. «A genética do FC Porto é ganhadora. Se a equipa não segura vitórias, então algo se passa. Pela minha experiência, no entanto, acrescento isto: o clube sabe superar-se e tem uma força única para dar a volta a contextos negativos».

3. Pobreza nas alas do ataque
Cenário na pré-época: Varela, Ricardo, Iturbe, Kelvin, Izmaylov e Licá. Seis extremos, entusiasmo pelas aparições de Iturbe e Kelvin, principalmente estes. O argentino rumou ao Verona, o brasileiro herói do minuto 90+2 é peça de museu e nem inscrito na Champions está. Izmaylov desapareceu há mais de dois meses, devido a problemas pessoais. «Não sei por que não joga o Kelvin, deve haver alguma razão. O que sei é que tem um potencial soberbo, como tinha o Atsu», considera Carlos Azenha. «É fortíssimo no drible, no um para um. Quem é que o FC Porto tem assim? O Licá? Não. O Varela? É forte, possante, mas não é imprevisível. Foi pena ter falhado o negócio Bernard».

4. 4x2x3x1: Lucho sem influência na posse de bola
O FC Porto estava formatado há vários anos para jogar no 4x3x3, com um trinco e dois médios à frente. João Moutinho saiu e Fonseca mudou o posicionamento e as dinâmicas: Lucho é o vértice ofensivo do triângulo e joga nas imediações de Jackson, quase sempre sem bola. «O Lucho surge demasiado à frente. Para mim, é perfeitamente possível jogar com Fernando atrás, Lucho e Quintero à frente dele, um pouco como no tempo de Costinha, Maniche e Deco. O Quintero é o único capaz de desequilibrar».

5. Laterais esgotados e sem alternativas
Fucile saiu do plantel, Danilo e Alex Sandro jogam sempre e não têm concorrente direto. Ainda por cima, no esquema de Paulo Fonseca a exigência física colocada aos laterais é enorme. São eles que transportam a bola e cruzam (quase sempre demasiado atrás). «O Maicon e o Mangala podem jogar nesses lugares, mas o que se exige é que os laterais comecem por defender bem e só depois ataquem», considera Azenha. Sobre o erro de Danilo, na terça-feira, o técnico é claro: «não se pode bater uma bola daquela forma para a zona central».

6. Insistência no duplo pivô do meio-campo
Às vezes Defour, às vezes Herrera, outras vezes Josué, sempre Fernando. Paulo Fonseca não abdica dos dois homens, quase lado a lado, no meio-campo. «Em ataque continuado, o meio de comunicação do FC Porto é o passe curto e isto é comum às grandes equipas. O problema é que nenhuma equipa grande do futebol europeu joga em duplo pivô», lembra Carlos Azenha. O espaço entre estes dois homens e Lucho, muito adiantado, é uma terra de ninguém. «O Fernando é um seis que joga muita vezes de forma lateral e sente-se bem sozinho nessa zona».

7. Fernando e Jackson sem renovação
O contrato do Polvo expira em junho de 2014. O de Jackson vai até 2016 mas, face ao continuado assédio de outros clubes, a melhoria e ampliação do acordo têm estado a ser discutidas. Para já, sem sucesso. Azenha aborda a situação do médio brasileiro. «O Fernando chegou na altura em que eu e o Jesualdo estávamos no FC Porto. Vimos nele um enorme potencial», sublinha. «O Paulo Assunção era o titular e ainda testámos o Fernando a lateral. Era importante que jogasse e por isso foi para o Estrela», continua. «Falta-lhe o passe longo para ser um dos melhores do mundo. Contrato? Não é comum um caso desses no Porto. Ou há um acordo de cavalheiros já estabelecido para a renovação, ou então há compreensão do clube para ele sair no final da época».

8. Fucile e Izmaylov, casos por explicar
Dois maus exemplos do FC Porto de Fonseca, aqui sem responsabilidade aparente do técnico. O uruguaio foi colocado a treinar à parte depois de um problema disciplinar, Izmaylov está devidamente autorizado pelo clube a solucionar uma crise pessoal. Há mais de dois meses.

9. Época de Mundial: consequências?
Nico Otamendi voltou à seleção da Argentina, dois anos depois, mas cedeu o lugar a Maicon no último jogo. E agora? Clube e treinador mostram sensibilidade sobre o tema e valorizam o atleta ou pensam, antes de mais, em colocar os melhores, mesmo que não tenham hipóteses de ir ao Mundial? Como é o caso de Maicon, aliás. «Creio que isso só afeta negativamente os jogadores inativos. O Quaresma, por exemplo. No plantel do FC Porto, apenas na fase final da época, mais próximo do Mundial, os jogadores poderão ficar inibidos, com medo de uma lesão. Nesta altura querem é jogar sempre e ganhar um lugar na equipa e na seleção», refere Carlos Azenha.

10. Fonseca desconfortável na sala de imprensa
«A pressão sobre um treinador, no FC Porto ou noutro clube, é sempre sufocante. É ele que tem de tomar decisões e é sempre ele o culpado». A ideia é de Carlos Azenha e ajuda a perceber melhor a postura desconfortável e seráfica de Paulo Fonseca no contato com os jornalistas. Nada, mesmo nada, a ver com a abertura e alegria demonstradas numa entrevista ao Maisfutebol em janeiro de 2013, ainda no Paços.