Maria Manuela Sousa foi ver pela primeira vez um jogo de futebol feminino, na passada sexta-feira. A Seleção Nacional defrontava o Japão, atual campeã mundial, e Maria aproveitou a hora do almoço (o jogo começou às 12h10) para matar a curiosidade.

«Como pouco, vou comer uma maçã enquanto vejo o jogo. Venho pela primeira vez ao futebol. E nem tenho um motivo especial para o fazer, talvez por ser um jogo de Portugal», começou por explicar ao Maisfutebol.

«Devia haver mais jogos de futebol feminino, este desporto ainda está muito dominado pelos homens», disse de seguida, alicerçada pela miscigenação que sempre existiu na sua modalidade, o atletismo. «Fazia maratonas, porque o meu pai corria. Gosto muito de correr», disse.
 

Maria Manuel Sousa viu pela primeira vez um jogo de senhoras
 
Maria Sousa é um exemplo da progressão do futebol feminino na sociedade portuguesa. Já não são só os familiares das atletas que acompanham as equipas e, paulatinamente, nos estádios já se podem ver adeptos, dos dois sexos, que vibram com a modalidade. A paixão das jogadoras pela modalidade também é relevante para que sejam esquecidos deficiências que ainda existem para quem pratica a modalidade no nosso país.

No entanto, e dada a hora do jogo, o Portugal-Japão não foi tão afluente como no encontro que a seleção nacional disputara na quarta-feira contra a França, no Parchal (Lagoa), em jogo da primeira jornada da Algarve Cup, competição que integra nove seleções que vão disputar o Mundial, este ano.

Mudar de cidade em nome do futebol

Os familiares das jogadoras continuam a estar presentes nas bancadas, naturalmente. Beatriz Neto, mãe, e Beatriz Neto, filha, deslocaram-se de Lagos por uma razão especial: ver Cláudia Neto, capitã da seleção nacional. «A minha irmã é a capitã da seleção e estamos aqui, especialmente, para a apoiar», justificou a filha, também ela uma antiga praticante de futebol, versão futsal. «Jogava futsal no União, mas agora estou em stand-by, porque a modalidade já não existe no clube».

O clube em causa é o União Atlético Clube de Lagos e a paixão pelo futebol de Cláudia e Beatriz, motivou que os progenitores tivessem mudado de cidade para poderem proporcionar às filhas esse deleite.

«Morávamos em Portimão e fomos viver de propósito para Lagos, só para elas jogarem futebol. Lá é que havia um clube com futebol feminino e estivemos ligados a ele durante dez anos, eu como diretora (vice-presidente para o futebol feminino) e o meu marido foi tirar o curso para poder ser o treinador. Foi, principalmente, em prol da evolução da Cláudia, que jogava futsal e era sempre chamada à seleção de futebol de onze, desde os 14 anos»
, conta a mãe.
 

Beatriz Neto, mãe de Cláudia, capitã da Seleção Nacional
 
O pai, Hélder Lúcio, foi defesa-central e jogou, entre outros, no Esperança de Lagos, Silves e Alvorense.
A aposta foi ganha e atualmente Cláudia Neto joga na Suécia, num dos mais competitivos campeonatos.

«Era muito complicado jogar em Portugal e por isso ela teve de sair. Já jogou em Espanha (Saragoça e Espanhol) e agora está na Suécia (Linköpings FC)»
, justifica Beatriz Neto, opinião validada pela irmã de Cláudia.

«Eu ser jogadora de futebol em Portugal? Não, não dá. Apesar de agora estarmos muito melhores, optar por uma carreira… só no estrangeiro!»
.

«Depois de seis anos em Espanha fui para a Suécia, porque surgiu a oportunidade de ser profissional. Não podia desperdiçá-la»
, fundamentou Cláudia Neto, capitã da seleção nacional.

Na Suécia, Cláudia Neto vive o futebol de forma profissional. «Faço o normal para uma jogadora com esse estatuto. Tenho treinos bi-diários e descanso muito em casa, entre os treinos»
, disse, satisfeita com a adaptação: «O nosso futebol é mais técnico, lá é mais físico mas estou a adaptar-me bem.»


Carla Couto: «Às vezes nós é que complicamos»


Carla Couto, que pendurou as chuteiras em 2012 e conta com 145 internacionalizações, é a embaixadora das seleções nacionais. Para Carla, não é fácil ser jogadora de futebol em Portugal, mas há uma clara evolução, em comparação com o seu tempo.

«Às vezes nós é que complicamos, mas não é fácil. É complicado ser jogadora de futebol em Portugal, no sentido em que muitas gostariam de ser profissionais e não são. É difícil porque ainda continuamos a trabalhar depois de muita gente treinar, e por causa dos horários tardios do futebol feminino. Mas é um processo que tem vindo a evoluir e que tem sido uma luta constante das jogadoras»
, disse, nada arrependida de o pai a ter obrigado a trocar o andebol - a sua primeira modalidade de eleição - pelo futebol.
 

Carla Couto, embaixadora das seleções nacionais femininas

«Ainda bem que tem evoluído e neste momento há melhores condições, e a vários níveis: infraestruturas, qualidade de técnicos e a própria exigência das jogadoras. Tudo isto tem sido importantíssimo para o desenvolvimento do futebol feminino. Mas tudo o que fazemos ainda não chega, e isso nota-se quando disputamos competições como esta, em que ainda estamos muito distantes dos outros»
.

«Tem de haver um maior compromisso das jogadoras, de cada vez trabalhar mais e melhor, e se os clubes não têm as condições desejáveis, que elas lutem para que isso aconteça, que exijam aos seus clubes e aos seus treinadores um trabalho sério, para que possamos dar uma resposta mais positiva a nível internacional»
.  

Enquanto fora jogadora e agora como observadora da modalidade, Carla Couto não vê nos homens obstáculos à afirmação do futebol feminino, em Portugal. Antes pelo contrário.

«Os homens que me rodeiam sempre me apoiaram. Enquanto fui jogadora nunca tive problemas, sempre gostaram daquilo que fazia. E já vejo muito interesse dos homens no futebol feminino, mesmo os próprios dirigentes, que já olham para a modalidade com outra seriedade e gosto. Isto é um processo que naturalmente vai evoluir e a própria sociedade vai olhar para o futebol feminino com outros olhos»
, acredita.

Ana Borges: «O Mourinho está cheio de trabalho»


Quando começou a dar os primeiros pontapés na bola, Ana Borges, 24 anos, estaria longe de imaginar que um dia iria vestir a camisola do Chelsea, de José Mourinho.

«Ainda não tive a oportunidade de falar com ele, apenas o vi. Os horários não são muito compatíveis e ele está cheio de trabalho. Espero um dia!»
, deseja a internacional lusa, que em 2008 trocou a equipa da Fundação Laura Santos, para jogar no estrangeiro, em Espanha (Saragoça, 2008 a 2012, e Atlético Madrid, 2013/104) e nos Estados Unidos (Santa Clarita Blue Heat), e Chelsea (desde esta época).

«Comecei a jogar por diversão com os meus amigos na rua, até porque não sabia que existia em Gouveia uma equipa de futebol feminino (Fundação Laura Santos). Conheci a Sílvia (Rebelo), que também joga na seleção, que me incentivou a jogar lá. Fui, e desde esse dia nunca mais queria sair de lá!»
, conta como ganhou o vício pela modalidade.

«Se é necessário sair-se de Portugal para se ser profissional? Acho que não. Hoje em dia a atitude da jogadora conta muito, e nesse aspeto, em Portugal são umas verdadeiras profissionais. Temos que lhes tirar o chapéu por serem as jogadoras que são, dado os orçamentos que os clubes têm. E veja-se a forma como representam Portugal, a nível de seleção e de clubes, como o Ouriense que foi longe na Liga dos Campeões»
, constatou, acerca da evolução do futebol feminino no nosso país e da mentalidade das suas jogadoras.

Vanessa Marques: «Comecei a jogar com os rapazes»


À espera de poder seguir as pisadas das companheiras, está Vanessa Marques, titular do meio-campo da seleção nacional, e que joga no Valadares. «É outra realidade e também gostaria de jogar no estrangeiro»
, confessou, influenciada pelo que as colegas com esse estatuto lhe contam.

«Comecei a jogar muito nova, com os rapazes e sem preconceitos, porque era tratada de igual forma. Comecei a jogar na rua e depois fui para uma equipa. Não sei qual foi a verdadeira razão porque escolhi o futebol, talvez porque goste. A modalidade tem evoluído, as pessoas estão cada vez mais interessadas, e reconhecem o nosso trabalho. E isso é muito bom»
, disse, para justificar a escolha.

Para Vanessa, jogar futebol e ser mulher é compatível. «Tudo é possível! Como já disse, as pessoas estão a dar mais valor ao futebol feminino, o que é muito bom para nós»
, evidenciou Vanessa Marques.