Cinco jornalistas, cinco nomes grandes do jornalismo português, contam histórias de quando Maradona se cruzou por com Portugal. São episódios curiosos de uma vida cheia, de um astro que um dia foi jantar a Viseu sozinho e ficou maravilhado com um cabrito português, ele que um dia viu Ivkovic bater-lhe à porta para lhe cobrar cem dólares, com o histórico Ribeiro Cristóvão a ver tudo ali à porta do balneário do Nápoles, enquanto conversava com a mulher de Maradona.

Temos também a história da chegada atribulada ao aeroporto de Lisboa, para jogar com o Sporting, testemunhada por um jovem Paulo Catarro, e temos a despedida numa Bombonera em lágrimas, confirmada por Rogério Azevedo. José Manuel Freitas, por outro lado, não se esquece do dia em que Maradona faltou ao encontro de ambos. Venha daí nesta viagem guiada por cinco nomes grandes da comunicação social, que toda a gente conhece.

«Fui entregar uma bobine ao Maradona e vi Ivkovic a cobrar-lhe cem dólares», por Ribeiro Cristóvão

Estive dois meses no México, no Mundial 86, em reportagem para a Renascença. Nós andávamos mais próximos da seleção portuguesa, mas quando Portugal foi eliminado fomos para a Cidade do México. Apanhei a Alemanha, o Brasil, a Argentina, relatei a final do Mundial, mas o jogo que me marcou foi o Argentina-Inglaterra. Quando foi o primeiro golo com a mão, eu estava com os colegas brasileiros da Rádio Globo e eles gritaram logo que tinha sido mão. Houve uma grande controvérsia na bancada de imprensa, entre brasileiros e argentinos, com os ingleses furiosos. Sinceramente eu não me apercebi que foi com a mão, mas houve outros colegas que notaram. Lembro-me bem dessa confusão, toda a gente muito exaltada. Eu fixei-me mais na jogada de todos os tempos. É pá, foi incrível. Fiquei extasiado. Foi motivo de conversa durante muito tempo, lembro-me de que mais tarde fomos para o hotel, eu e os colegas da Globo, e só conseguíamos falar daquele golo. Três anos depois fui ao jogo da segunda mão da eliminatória com o Sporting, em Nápoles, estive mais perto do Maradona e assisti àquele episódio curioso da aposta do Ivkovic com o Maradona. O jogo foi a penáltis e eles apostaram cem dólares. O Maradona não conseguiu marcar e no fim do jogo o Ivkovic foi ao balneário. No jogo da primeira mão, em Lisboa, o Manolo Belo, da RTP, tinha feito uma entrevista ao Maradona. O Maradona gostou muito e pediu para ficar com essa entrevista. Então o Manolo Belo pediu-me para lha entregar. Levei a bobine para o estádio e no fim do jogo fui para a porta do balneário do Nápoles. Lembro-me que estavam lás as mulheres do Careca, do Alemão, do Maradona, enfim, dos jogadores todos. Fui ter com a mulher do Maradona, disse-lhe o que trazia na mão e enquanto estava ali chegou o Ivkovic. Perguntei-lhe o que estava ali a fazer e ele disse-me que tinha ido cobrar a aposta que tinha feito com o Maradona. E eu perguntei: qual aposta? Ele contou-me que tinha feito uma aposta que defendia o penálti do Maradona e que queria os cem dólares. No fim entrou no balneário e o Maradona deu-lhe os cem dólares. Mais tarde essa história tornou-se conhecida, mas fui eu que dei a notícia primeiro.

«O dia em que levei o Maradona a jantar no centro de Viseu», por Fernando Emílio

Havia na altura os Troféu Gandula, que tinham sido criados pelo grande jornalista Wilson Brasil e que eu ganhei por treze vezes, na qualidade de repórter. O primeiro que ganhei foi em 1982, quando fiz o Mundial de Espanha. O Wilson Brasil, em 1983, atribuiu o prémio de jogador internacional ao Maradona, que eram um miúdo de 23 anos e jogava no Barcelona. Mas ele nunca na vida imaginou que ele vinha a Viseu receber o prémio. A verdade é que antes da gala começar, aparece o Maradona. Veio de avião para Lisboa, alugou um carro e apresentou-se em Viseu. Sozinho, sem mais ninguém. Perguntou como ia para Viseu e apresentou-se lá. Agora imagine os perigos que aquele homem correu, a conduzir sozinho, a fazer a estrada nacional de Coimbra para Viseu. Até veio clandestinamente, porque não teve autorização do Barcelona. No fim da gala regressou a Lisboa, dormiu e no dia a seguir viajou para Barcelona. Inclusivamente ainda tenho a fotografia dele a receber o prémio. Bem, mas ele chega a Viseu e chega cheio de fome, a dizer que precisava de jantar. O Wilson Brasil pediu ao Neves de Sousa para o levar a um restaurante, mas o Neves de Sousa não conduzia e pediu-me a mim para os levar. Fomos os três comer um churrasco de cabrito ao restaurante Casablanca, que ainda hoje existe. Naquela altura eu era um aprendiz de feiticeiro, a grande figura do jornalismo era o Neves de Sousa. E ele é que foi o tempo todo a falar com ele, inclusivamente depois contou a história de como conheceu o Dieguito, no Diário de Lisboa. O Neves de Sousa tinha uma paixão muito grande por futebol e falaram de futebol. O Maradona era um miúdo cheio de vitalidade e foi o tempo todo a falar. Mas ele acima de tudo, ele queria comer qualquer coisa. Fomos àquele restaurante, que fica no centro de Viseu, e o chefe de mesa, que se chamava Octávio, propôs-nos o churrasco de cabrito. Ele adorou. Bebemos um vinho do Dão e ficou maravilhado com aquilo tudo. Adorou o jantar. Passados muitos anos, em 2016, estava eu a fazer a cobertura da Volta ao Dubai, a acompanhar o Tavira, quando vejo entrar na tribuna o Maradona, com uma namorada loira, a fumar um charuto. O Maradona aproxima-se de mim e diz-me: ‘Es portugués? No te recuerdas de mi? Comi um chibito maravilloso en tu terra’. Sinal de que ele gostou mesmo do cabrito, porque não se esqueceu.

«Quando Diego faltou ao nosso encontro», por José Manuel Freitas

«No campeonato do Mundo de 1994, o primeiro Mundial a que eu fui, tive a maior frustração da minha carreira profissional: foi não conseguir falar dois minutos com o Maradona. O Maradona é o meu ídolo e adorava falar com ele. Nesse Mundial, eu tinha liberdade, só tinha de acompanhar a Irlanda, mas de resto fazia um pouco o que queria. Nos quartos de final ia estar em Boston onde a Argentina ia jogar e no meu imaginário pensei que seria possível falar com Maradona. Eu estava em Dallas, para um jogo da Nigéria-Bulgária, antes de viajar para Boston, e estava no centro de imprensa a ver o jogo da Argentina com a Grécia, que a Argentina ganha por 4-0, com o Maradona a jogar imenso. O Maradona marca um golo, corre para a câmara com uma cara de louco e eu grito «Diego, Diego», completamente eufórico. Vieram logo trinta olhares fuzilar-me. Houve jornalistas até a perguntar-me se era jornalista. No fim desse jogo, o Maradona vai ao controlo antidoping, acusa positivo e é expulso do Mundial. Já não foi à cidade onde eu estava. Fiquei louco. Até escrevi um artigo a dizer ‘Diego, não me podias fazer isso’. Tenho a literatura toda de Maradona, tenho camisolas, aliás, está para chegar uma agora dele no Mundial de 86. E quando foi o jogo de despedida do Maradona, na Bombonera, um amigo meu de A Bola foi a esse jogo e trouxe-me uma edição especial do Clarín sobre o Maradona, que guardo religiosamente.»

«O dia em que me senti a lacrimejar na Bombonera com Diego a despedir-se», por Rogério Azevedo

«As únicas vezes em que estive perto de Maradona foi na despedida, na Bombonera, em 2001, e agora no Mundial 2018, quando fui fazer um jogo da Argentina. Neste último foi curioso porque as equipas estavam a aquecer, começou a ouvir-se um burburinho enorme, olhámos para cima e era ele que estava a chegar. As equipas estavam a aquecer e o aquecimento quase parou, para os argentinos lhe fazerem uma vénia. O jogo de despedida dele na Bombonera foi especial. Eu cheguei a Buenos Aires mais cedo, fui ao aeroporto fazer a chegada dele, que vinha de avião não sei de onde, e ele chegou com nutricionista, psicólogo, assessor, advogado, uma comitiva enorme. Vinha com aqueles brincos enormes, óculos alaranjados, um relógio em cada mão... E lembro-me que nas declarações que fez no aeroporto, disse uma frase do género «a história me absolvirá», no sentido de que o mundo esqueceria as drogas e só se lembraria do futebol dele. Na conferência no estádio, depois, não consegui fazer-lhe nenhuma pergunta, porque aquela sala estava a arrebentar pelas costuras de jornalistas, mas alguém o questiona sobre o que sentia por pendurar as botas. E ele respondeu: «Sabes o que é que eu sinto? É a mesma coisa de tu estares a dançar com a tua irmã». Ou seja, estava a dizer que entrar num estádio e não poder jogar não tinha gosto, não tinha sex-appeal. No dia do jogo, que era um amigável, colocaram-me num cantinho atrás da baliza, e fizeram uma daquelas tangas, uma falta dentro da área para ele bater um penálti. Ele estava com a camisola da Argentina, tirou-a e ficou com a camisola do Boca Juniors, que trazia por baixo. Foi a loucura no estádio. O povo aos gritos, a salta, a cantar as músicas de «Maradona, Maradona» e eu senti-me a lacrimejar. Aconteceu perto de mim e senti mesmo que estava a viver um momento histórico. Foi uma emoção enorme. A carreira de um jornalista engrandece-se por se estar nos Mundiais, nos Europeus, nos Jogos Olímpicos, mas o serviço em que senti mais emoção foi aquele. Ainda por cima as coisas que escrevi saíram-me mesmo bem. Foi um trabalho que me marcou.»

«Fui empurrado de um lado, atropelado do outro e acabei cara a cara com Maradona», por Paulo Catarro

«A primeira vez que estive com Maradona foi quando ele veio jogar a Lisboa, contra o Sporting, em 1989. Foi talvez a chegada mais confusa que eu vi no aeroporto de Lisboa, incluindo grandes figuras de Estado que tinham chegado cá. Desde as pessoas da pista até às empregadas de limpeza, toda a gente quis ir ver o Maradona. Tinha começado há dois ou três anos na profissão, fui como repórter da Renascença e a confusão foi total. É indescritível o que se passou ali. No meio daquela confusão, e sem mérito nenhum meu, vi-me em frente ao Maradona, com o gravador na mão. Fui atropelado de um lado, empurrado do outro e de repente estou na cara do homem. Sorte, só sorte. Não fiz nada para isso. Recorri ao meu melhor espanhol e só lhe consegui fazer duas perguntas. Vais jogar? Estou cá para isso. Sentes-te bem? Bem. E foi isso, depois fui empurrado para outro lado. A confusão em torno do Maradona foi tão grande que o Careca, por exemplo, saiu a caminhar sem ninguém à sua volta. Eu vi-o e ainda lhe fiz uma entrevista. O Maradona não estava minimamente assustado. Ele ria-se com aquilo, falava com toda a gente, mandava umas bocas. Não fazia má cara ou mostrava algum enfado. Quem estava ali, percebia que não era só um jogador. Era uma coisa diferente, especial, uma coisa à parte. Lembro-me ainda do Mundial 78, que ele não jogou por ter sido riscado dos convocados à última hora, mas acompanhei a carreira de Maradona sobretudo desde 82 e vi-o aparecer em 86 como salvador da alma argentina. Ele ganhou o Mundial sozinho. A Argentina nesse Mundial tinha um super jogador, que era o Maradona, e tinha dois bons, que eram o Valdano e Burruchaga. O resto eram jogadores banalíssimos. Depois fiz mais alguns jogos dele, sobretudo na Taça UEFA, ainda o vi no Mundial 94. Acabo por reencontrá-lo no Mundial 2010, quando ele é selecionar argentino.  Aí sim, a Argentina tinha um grupo fantástico: Messi, Di Maria, Higuaín, Tevez. Uma das coisas mais espantosas que vi e que diz muito do que é o Maradona aconteceu em Joanesburgo, quando ele fez um treino aberto e estavam, sem exagero, para aí uns 500 jornalistas. O treino acabou com uma peladinha entre os titulares e os suplentes. Ele avisou que havia uma punição para quem perdesse e os habituais titulares perderam. Então o treino acabou com os craques todos, Messi, Di Maria, Mascherano, Tevez, enfim, colocados dentro da baliza, virados de costas, rabinho para o ar, enquanto todos os outros durante dois minutos remataram bolas para lhes acertar. Só o Maradona para meter o Messi de rabo para o ar a ser metralhado com boladas durante dois minutos.