«Com o meu passe de qualidade para Maradona, difícil era o Maradona não marcar o golo (do Século)!»

Hector Enrique, el Negro, fora o último argentino a tocar na bola antes da obra de arte maradoniana. Para trás, ficara a Mão de Deus. Ultraje duplo, ingleses em estado de revolta, momentos épicos nos quartos-de-final do Mundial de 1986.

Naqueles segundos, uma escassez de tempo que perdura há um quarto de século, Diego Armando Maradona não foi Deus. Tinha o Diabo no corpo. Recebeu um passe curto de Enrique, este que brinca com a relevância do movimento simples, ainda no seu meio-campo.

O melhor Maradona de sempre foi para cima deles, encarando meia Inglaterra. Driblou Beardsley, Reid, Butcher, Fenwick, Butcher de novo, até tombar Peter Shilton. Pouco mais que parados, os argentinos sorriam, incrédulos.

Shilton falaria por dinheiro

Os ingleses, envergonhados, lançavam suspeitas quanto à humanidade do gesto. Não, ninguém podia fazer aquilo. Maradona podia. Nem Beardsley, nem Reid, nem Butcher, nem Fenwick, muito menos Shilton. Ninguém quer recordar aquela história. O guarda-redes, explicaram ao Maisfutebol, só o faria por dinheiro. Nem pensar.

Enrique, el Negro, nem hesita. Atende o telemóvel e ri-se, desfaz-se em gargalhadas. O seu passe curto, simples como a vida, viu nascer a obra. Para ele, uma inevitabilidade. «Continuo a dizer que, depois do meu passe, o mais difícil era Maradona falhar aquele golo», repete, hoje como ontem.

«Por acaso, nos treinos da selecção, repetimos a jogada e o Maradona não conseguiu fazer o mesmo. Ou seja, o meu passe foi mesmo importante. Foi um orgulho ter entrado na história desse Deus do futebol», diz Enrique ao Maisfutebol, depois de ter sido adjunto de Maradona no Mundial de 2010.

Uma mão sem desculpa

Para trás, ficara a mão de Deus, a maldade celebrizada como obra divina, o momento em que Maradona, 166 centímetros de gente, fez-se mais alto que Peter Shilton, confortável no seu metro e oitenta e seis. Nem um pedido de desculpa, para encerrar a questão.

A Argentina, cada vez mais a Argentina de Diego, derrubava a Inglaterra. 115 mil almas, espalhadas pelo Estádio Azteca (México), rendiam-se a D10S. Gary Lineker, melhor marcador do Mundial, atenuou o golpe, antes da despedida inglória (2-1).

Diego Armando Maradona, melhor jogador do torneio, comandou a «celeste» até à final. Bélgica e Alemanha Ocidental a seus pés. Argentina no topo do Mundo. No dia em que Maradona morreu, é impossível não recordar o melhor golo da história do futebol.

Um amor de adolescência

«Amei o Diego como jogador de futebol. É fantástico ter estado como ele, deram-me essa alegria na vida, de perceber a sua humildade, apesar do sucesso. É muito querido para os verdadeiros amigos. Há jogadores que marcam um golo e com o ego, já nem passam numa porta. Diego foi o maior e nunca se deixou afectar», garante Hector Enrique.

De 1986 para 2010, dos relvados para o banco, el Negro passou de colega a adjunto. Com uma certeza inabalável: «Estivemos juntos no Mundial e disse-lhe: Diego, cada vez mais tenho a certeza que ninguém chega nem perto do teu nível. Messi talvez seja o mais próximo do que o Diego foi, com as devidas diferenças.»

«Lembro-me que tinha 14 anos e estava como adepto no estádio do Lanus. Ele tinha 16 e já jogava na primeira. O Argentinos Juniors empatou 1-1, com um golo dele, e fiquei encantado, desde esse dia. Queria ser como ele, fazer um pouco do que ele fazia», remata. Jogou ao lado dele, pelo menos.

Mão de Deus e Golo do Século: