O Maisfutebol desafiou os treinadores portugueses que trabalham no estrangeiro, em vários pontos do planeta, a relatar as suas experiências para os nossos leitores. São as crónicas Made in Portugal:

Leia a apresentação de Diogo Nobre

«Cheguei a Finlândia dia 31 de Março de 2012 com um contrato de três meses. Deparei-me com um país muito organizado e disciplinado em tudo¿ menos no futebol, onde a anarquia e desorganização reinam.

Na verdade não existe absolutamente nenhuma cultura futebolística e chega a ser irritante o facto de ninguém levar o futebol mesmo a sério, sendo preterido por exemplo pelo Hóquei no Gelo, o verdadeiro desporto rei na Finlândia.

Na verdade os jogadores nem sabem como celebrar os golos! E para demonstrar o que realmente se sente ali, deixo-vos a frase dum senhor amigo meu quando eu tava zangado por no princípio ser igual para os rapazes perder ou ganhar:

«Diogo, não te zangues com isto. Infelizmente aqui, quando um rapaz falha uma nota num recital de piano, toda a família fica desapontada e cai em cima dele, mas quando falha um golo ou perde um jogo dizem: deixa lá, é apenas futebol!».



Começaram cedo as dificuldades de quem queria ser campeão, num clube onde há todos os tipos de materiais do bom e do melhor, bolas de 50 euros cada uma e equipamentos completos de uma das marcas lideres mundiais. Só faltava uma coisa: jogadores!!

Treinar não era no início uma coisa que eles valorizassem muito, aliás todas as desculpas são pertinentes para faltar a um treino de futebol na Finlândia, como por exemplo ter de ir às compras com a mãe, ou ir a aulas de condução. Tivemos imediatamente de estabelecer algumas regras quanto a isso.

No 1º treino apercebi-me também que nenhum jogador liga nada ao que o treinador diz, porque em grande maioria dos casos, são apenas pais que levam as bolas para o campo e distribuem os coletes e mandam bitaites nos jogos sem terem qualquer tipo de formação ou até experiência como futebolista.

Resolvemos logo isso. Ou seja, começou a terapia de choque para um plantel nascido em 94/95. Havia um GR nascido em 96 (não me enganei na idade) que queria ser campeão no campeonato sénior, saltando de juvenis para este escalão e sem ter ganho nada oficial nunca!

Missão impossível? Talvez, mas adoro desafios, e aceitei sem saber ainda o que me esperava...

Os problemas internos começaram logo com os GR. O teoricamente titular era um miúdo que eu aprecio muito, mas tinha no início do campeonato 15 anos! O suplente tinha 17 mas eu duvidei sempre do seu empenho e espírito de equipa (e não estava errado). O terceiro GR não tinha uma perna, jogava com uma prótese!

Ele tinha muitas dificuldades nas bolas altas embora fosse muito esforçado, aliás era um exemplo de vida! Um rapaz que foi atropelado por um camião enquanto pequeno e perdeu um membro, mas tentou sempre continuar a praticar desporto e conseguiu! Neste momento já não está connosco, mas continuo a ser bom amigo dele.

Não demorou muito até estalar a primeira confusão. Mesmo com todos os problemas e choque metodológico, entrámos no campeonato com 3 jogos e 3 vitórias em Maio, a jogar com o menino na baliza, até ele ter uma ideia absurda de querer ir jogar com os juvenis do outro clube da terra (que eram colegas dele na escola) a avançado!

Não me perguntem como é possível, mas foi, e ao invés de me perguntar a mim, perguntou ao presidente, que o autorizou sem me perguntar nada. Depois teve de me ouvir e o azar fez com que ele partisse o pé. Fui obrigado a jogar com o suplente nos jogos seguintes.

O futebol na Finlândia é isto. Há muito a mudar e a contar a vocês, leitores.

Um forte abraço,

Diogo Nobre»