A oficialização do novo acordo para a venda de direitos televisivos na Premier League, no valor global de sete mil milhões de euros por três temporadas, ameaça marcar uma nova era de domínio dos clubes ingleses no panorama internacional. Com a Sky (que comprou os direitos para 126 transmissões diretas por temporada) e a BT Sport (que ganhou 42 transmissões por época) a pagarem mais de 2,3 mil milhões por época, o bolo à disposição dos clubes ingleses de elite aumentou 70 por cento em relação ao triénio anterior, quando a Liga recebeu, das mesmas operadoras, 4 mil milhões pelas épocas 2013/16.

O reforço é difícil de acompanhar em outras paragens: a título de exemplo, uma das Ligas europeias em maior expansão, a Bundesliga, recebe quatro vezes menos, apenas 630 milhões de euros por temporada até 2017, fruto do acordo quadrienal com a Sky e a ARD, no valor global de 2,5 mil milhões de euros.

Num contexto em que a eventual saída de cena dos fundos de investimento no mercado de transferência pode complicar a vida a clubes de Ligas onde essa prática é corrente – casos de Portugal e Espanha, que já avançaram com uma queixa para travar a medida – este reforço, conjugado com a aplicação das normas de fair-play financeiro determinadas pela UEFA, pode inclinar ainda mais a balança a favor dos clubes ingleses, no panorama das competições internacionais.

A isto acresce que as finanças de Real Madrid e Barcelona – os únicos clubes europeus que recebem mais de venda de direitos domésticos de TV do que os de topo na Premier League – têm sido, nos últimos dois anos, alvo de investigações por parte da União Europeia, face à denúncia de sucessivos perdões fiscais, por parte da autoridades espanholas, como uma forma de concorrência desleal.

Com o modelo de repartição de direitos na Liga espanhola – o mais desequilibrado entre as principais Ligas europeias – perto do colapso, é um cenário provável que, nos próximos anos, os dois gigantes tenham de proporcionar aos restantes clubes de La Liga uma fatia maior do bolo. E todos estes fatores, em teoria, poderão contribuir para enfraquecer a sua posição no contexto europeu.

Premier League: valor por época aumentou 50 vezes em 23 anos

Desde a criação da Premier League, em 1992, o valor dos seus direitos televisivos não tem parado de crescer. Começou por valer 52 milhões por temporada, entre 1992 e 1997, e face ao sucesso da competição logo quadruplicou esse valor, entre 1997 e 2001. A partir de 2001 os acordos passaram a ser por três anos, com o valor médio da temporada televisiva a rondar os 500 milhões de euros.

Depois de uma década de relativa estagnação, o grande salto em frente deu-se a partir de 2013, quando a Liga inglesa passou a receber 1,3 mil milhões de euros por temporada, valor que a partir de 2016 estará fixado em 2,3 mil milhões, quase 50 vezes mais do que o inicial.

Uma das receitas para o sucesso da Premier League prende-se com a fórmula de distribuição destes valores, que pode ser consultada em pormenor aqui. Basicamente, metade do bolo é distribuído por igual entre os 20 clubes do campeonato principal. Depois, 25 por cento são distribuídos proporcionalmente, pelos resultados desportivos obtidos: em 2013/14, o último classificado recebeu 1,5 milhão de euros. A partir daí, cada lugar ganho valeu sensivelmente mais 1,5 milhão, até aos 32 milhões ganhos pelo campeão Manchester City. Os últimos 25 por cento variam em função do número de jogos transmitidos – sendo que cada clube tem um mínimo de transmissões asseguradas. A isto acrescem as vendas de direitos para transmissões no estrangeiro, valor que é distribuído por igual entre todos os clubes - e só na época passada rendeu mais 40 milhões a cada um.

O princípio do equilíbrio

Toda esta fórmula, gerida por uma Liga que centraliza a negociação com as operadoras, se destina a garantir que a distribuição é equilibrada e contribui para manter a competitividade entre os 20 clubes. Só assim é possível explicar que o clube que mais recebeu em 2013/14, o Liverpool (130 milhões de euros) tenha uma receita televisiva que é apenas 1,6 vezes maior do que a do último classificado, o despromovido Cardiff City (80 milhões).

A título de comparação com outras Ligas, o valor de receitas televisivas recebido pelo Cardiff é mais alto do que qualquer clube fora da Premier, à exceção de cinco históricos: Real Madrid e Barcelona, que recebem mais de 140 milhões por época, e dos três principais emblemas italianos, Juventus (95 milhões), Milan (80) e Inter (82).

Em Espanha, o campeão em título, o At. Madrid, recebe pouco mais de 43 milhões, quase metade do valor recebido pelo último classificado da Premier League. E as equipas da cauda da tabela, como Elche, ou Rayo Vallecano, recebem menos de 20 milhões por época – o que faz da Liga espanhola a mais desequilibrada entre as grandes da Europa, com Real e Barcelona a receberem até sete vezes mais do que a concorrência mais fraca.

Em Inglaterra, essa relação entre primeiro e último é de apenas 1,6 e na Alemanha, onde a lógica de distribuição equilibrada é também seguida à risca, o Bayern, campeão em título, recebeu em 2013/14 qualquer coisa como 40 milhões de euros, o dobro do despromovido Braunschweig, que ficou com a fatia mais pequena.

Em Itália, a relação é de um para cinco (a Juventus recebeu 95 milhões na última época, contra 19 dos modestos Sassuolo e Livorno) e em França, onde o PSG atingiu os 45 milhões, face aos 13 milhões recebidos pelo Ajaccio, a desproporção é de um para 3,5.

Se transpusermos estes valores para a realidade portuguesa, veremos que FC Porto e Sporting negociaram recentemente os seus direitos até 2017/18, por valores próximos dos 20 milhões por temporada. Já o Benfica, que os explora através de canal próprio, referiu no último relatório e contas da SAD, em novembro, uma receita de 28 milhões , fruto das assinaturas.

A título de comparação, estes valores «made in Portugal» são entre três e quatro vezes inferiores ao que recebem os últimos da Premier League, mas também deixariam os três grandes na segunda metade da tabela de receitas TV em qualquer uma das outras Ligas europeias.