Di Stéfano dizia que «um jogo de futebol sem golos é como um domingo sem sol».

O jogo Vila Flor-Carrazeda de Ansiães, a 28 de outubro, para a Taça AF Bragança, terminou com 0-0 no marcador. Sem o auge da festa em campo. Mas uma expulsão deu origem a uma estrela brilhante na equipa da casa.

Aos dez minutos, o guarda-redes do Vila Flor, Ricardo, foi expulso. O suplente, Eduardo, não fora a jogo. Não havia opções para a baliza. A escolha forçada recaiu no central brasileiro Richard Leonardo. Resultado? Penálti defendido na primeira ação entre os postes. Um par de defesas cruciais. Oitenta minutos sem sofrer golos a manterem o empate para a segunda mão da primeira eliminatória da prova.

«Disponibilizei-me e fui. Não esperava que fosse correr tão bem. Tinha intenção de defender o penálti. Consegui», recorda Richard ao Maisfutebol, dias após uma tarde inesperada.

Richard nunca foi guarda-redes, mas a escolha não foi à toa. «Quando era pequeno, queria ser guarda-redes. Aos dez anos, comecei a mudar de ideias. Mas nunca perdi o gosto. Os meus colegas já brincavam, que eu tinha mais jeito. Foi por causa disso», atira. Aliás, Richard já tinha ido à baliza num treino. «Como um guarda-redes faltou, fui para treinar penáltis e livres», remata.

Entre os postes, nervoso miudinho, mas instinto antecipado. O jogador do Carrazeda rematou rasteiro para a direita de Richard e este foi buscá-la. «Tive quase a certeza que ia bater naquele canto», recorda. Richard tornava-se herói improvável em mais uma tarde de domingo de futebol distrital.

Natural de Curitiba, Brasil, o jogador de 23 anos chegou à Europa pelo sonho de ser futebolista. Ainda tentou Espanha e Bélgica, mas teve dificuldades burocráticas, só ultrapassadas em Portugal e no Vila Flor. «Aqui estou legal, a conseguir jogar e aparecer», garante.

Em solo luso, Richard procura fazer história, como os seus pares. Na formação, entre Atlético Paranaense e Botafogo, cruzou-se, por exemplo, com André Luís, jogador do Desp. Chaves, Nathan (ex-Belenenses) ou Vinícius Tanque, hoje no Mafra. «Já passei por colegas que estão a destacar-se. Sempre sonhei jogar na I Liga. Benfica, FC Porto. Todos sonhamos. Luto para isso», atira.

Entre o trabalho e a universidade

Richard chegou em 2016 a Portugal e o Vila Flor acolhe-o pela terceira época. Mas o futebol, cuja «carreira não é muito certa», deixou-o alerta.

Por isso, divide o dia a dia entre trabalho, estudos e o futebol. Trabalha para uma empresa de telecomunicações e concilia com a Licenciatura em Comunicação e Jornalismo, na Escola Superior de Comunicação, Administração e Turismo, do Instituto Politécnico de Bragança. «Foi o curso com o qual mais me identifiquei. Sempre gostei de televisão, tecnologia». É no polo de Mirandela, cidade onde reside. Ao fim da tarde, vai a Vila Flor treinar.

Richard joga futebol no Vila Flor, trabalha numa empresa de telecomunicações e estuda jornalismo

«Sou trabalhador-estudante. O meu trabalho é flexível. Às vezes trabalho o dia todo, às vezes não. Conforme posso, vou às aulas. Quando há exames, marco de acordo com o meu trabalho. Estou no segundo ano da faculdade», relata.

A milhares de quilómetros de casa e da família, Richard ganhou, recentemente, o apoio e companhia da namorada em Mirandela. Uma ajuda a equilibrar o binómio saudade-objetivo. «A saudade bate, mas estou aqui por um motivo importante: a minha carreira, o meu futuro. Ainda pretendo ficar aqui até alcançar os meus objetivos», conta.

«Se não houver outro guarda-redes, vou eu»

Primeiro, a adaptação a um futebol e a uma vida diferente em Portugal. «No futebol, foi mais complicado. É muito tático, intenso. No Brasil não é tão dinâmico. Mas consegui adaptar-me», descreve.

Agora, após a primeira aventura a sério na baliza, Richard diz-se pronto para outra.

«Quando a equipa precisar, estou disposto a ajudar. Podem pôr-me na baliza que estou preparado. Na Taça, se não houver outro guarda-redes, vou eu», antecipa, convicto.

A 25 de novembro, o Vila Flor vai a Carrazeda jogar a segunda mão da primeira eliminatória da Taça. Ricardo está castigado. E se Eduardo não estiver, quem sabe se Richard não volta a calçar as luvas.

O penálti defendido por Richard [imagens Canal Ntv]: