Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

«Acima de tudo é o prazer de jogar futebol, de treinar, e de ter ainda, com 46 anos, aquele friozinho [na barriga] como se fosse o primeiro jogo.»

Este é o ponto de partida que Arlindo Jesus nos dá para justificar que aos 46 anos (!) ainda ande a partir pedra na Divisão de Honra da Associação de Futebol de Coimbra, com a camisola do Clube Futebol os Marialvas. Quarenta e seis anos – por extenso, para dar mais ênfase – e a caminho dos 47, que serão completados em novembro.

«Às vezes os meus colegas que já jogaram comigo perguntam-me 'mas como é que aturas esta malta?' e eu digo é o contrário: 'eles é que me aturam a mim. (...) Acima de tudo é o grupo, aquela camisola e as gentes de Cantanhede que me tratam, desde o primeiro dia, como se eu fosse um filho da casa», afirma, completando assim o raciocínio do primeiro parágrafo.

Mas afinal, quem é Arlindo? Além dos já referidos 46 anos, conta com uma vasta experiência de futebol amador no distrito de Coimbra. Formou-se na Naval 1.º de Maio, com uma passagem curta pela União de Coimbra [extinto e entretanto refundado com o nome União 1919]. Foi na Naval que iniciou a carreira sénior, mas não por muito tempo. A partir daí andou sempre de clube em clube, até chegar ao Marialvas em 2002. Saiu em 2004 para voltar dois anos depois, até aos dias de hoje.

Uma ligação que já vai na 14.ª época consecutiva e que promete não ficar por aqui, até porque o prazer, mesmo depois de tanto tempo no desporto rei, permanece bem presente: «Continua a ser um prazer, eu costumo dizer que quando os miúdos vão aparecendo ali – eu trato-os por miúdos da mesma maneira que eles me tratam por velhote, é um termo carinhoso – aquilo que eu tenho é uma vontade enorme de treinar, como se fosse o primeiro [treino], e aquilo que eu tento passar é para desfrutarem enquanto podem porque daqui a pouco já têm 30 poucos anos e normalmente a partir dessa idade já somos velhos.»

Um pedido especial do sobrinho de Arlindo

Os cuidados a ter, mesmo a um nível amador

Com 46 anos, o corpo naturalmente que já não responde da mesma maneira que respondia há 20 anos. Apesar de jogar a um nível amador, o médio-centro do emblema de Cantanhede revela que tem alguns cuidados para se manter em forma.

«Apesar de sermos amadores, temos de ter uma atitude profissional. Se calhar na minha carreira toda conto duas ou três vezes em que eu tenha ido sair à noite na véspera de um jogo. (...) O importante é perceber que temos de nos privar de algumas situações para não nos prejudicarmos a nós nem ao grupo. Nunca fumei, bebo moderadamente e treino forte, temos de treinar forte para chegarmos ao domingo e darmos o máximo», conta.

Uma adaptação natural do experiente jogador, que explica ainda as diferenças do futebol que encontrou há 25 anos, quando a viagem começou, para o tempo contemporâneo. Mesmo no futebol distrital, «nota-se muito a diferença, para melhor»; culpa dos pelados «difíceis para jogar» e que hoje já praticamente não existem, mas também na forma de treinar, que hoje em dia vai muito mais «ao detalhe».

«Aos 30 e poucos anos devíamos era estar no início da carreira»

Já com mais de 25 anos de carreira e muitos jogos nas pernas, Arlindo admite que por vezes começa a perder o comboio, mas nem por isso deixa de ser importante na equipa e explica porquê.

«É pena que com o conhecimento que nós atingimos aos 30 e poucos anos tenhamos de estar já no final da carreira, devíamos estar era no começo. [No balneário] a parte que eu tento fazer é perceber que quando não sou opção o meu colega está melhor e analisar e perceber que não é só a jogar que estou a ajudar», diz.

«Há outros aspetos em que posso ajudar: dar motivação aos colegas que são mais novos e não estão a jogar, ajudar o mister em algumas situações, resolver alguns problemas que se passam no balneário e que não precisam de chegar ao treinador... isto é estar no plantel, é sentirmo-nos úteis mesmo quando não jogamos», acrescenta.

Arlindo com os pais

«Mais época menos época vou ter de finalizar»

E data para a retirada dos relvados, há? O médio responde: «Todos os anos quando começa a chegar ali ao mês de abril/maio faço uma análise daquilo que consegui dar dentro do campo e do contributo que dei ao clube. Por incrível que pareça continuo a ter essa vontade», revela, admitindo no entanto que a retirada está para breve: «O fim claramente está próximo, até porque não quero bater nenhum recorde, não ando atrás disso, é só uma necessidade e o orgulho de vestir aquela camisola, mais época menos época vou ter de finalizar.»

Arlindo é mais uma destas histórias de amor ao futebol que nos fazem continuar a gostar do desporto rei. Um jogador que já se confunde com o clube e que aos 46 anos ainda treina três vezes por semana para chegar ao domingo e continuar a batalhar pelo emblema que traz ao peito.

Artigo original: 9/10; 23h50