[artigo original: 08-03-2018 10:03]

Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

Um fim triste para um jovem que prometia, e muito. 20 golos marcados no seu primeiro ano de júnior, num ano em que a equipa venceu o campeonato do escalão.

Mesmo no fim dessa temporada, 2012/13, uma lesão gravíssima colocou um inevitável travão numa carreira que aparentava não ter limites. João partiu o perónio e rompeu o ligamento do tornozelo. A recuperação foi lenta, e o ritmo nunca mais foi o mesmo. 

Nos seis anos que passou ao serviço das camadas jovens das águias, João partilhou balneário com algumas das maiores promessas do futebol nacional, como Bernardo Silva, João Cancelo, Bruno Varela, Hélder Costa e Renato Sanches. Sobre o atual médio do Swansea, contou uma história do à vontade que desde cedo mostrava.

«Quando o conheci pela primeira vez foi quando os infantis vieram treinar connosco [João era iniciado]. Cheguei mais tarde, porque não vivia no centro de estágios, viajava todos os dias [natural de Alpiarça, distrito de Santarém]. Já não havia lugares para me equipar porque os infantis estavam lá todos. Todos os miúdos estavam muitos assustados, mas o Renato, que estava no meu sítio levantou-se, estendeu-me a mão e perguntou: «Olha, não havia lugares e equipei-me aí, há problema?». Mostrou logo um grande à vontade», contou ao Maisfutebol, entre risos.

Ainda assim, João Gomes achava «normal» jogar com as maiores promessas do país. «Quando jogamos no Benfica, todos pensamos ser profissionais, mas é difícil prever o futuro. Não sabia que ia haver tantos colegas a jogar ao nível que hoje estão», admite. 

A seriedade chegou com a subida aos juniores. «No primeiro ano não contava jogar tanto. Correu-me muito bem, mas ao mesmo tempo muito mal. Fui sempre titular, fui melhor marcador da equipa e fomos campeões. Jogávamos muito à bola, um futebol bonito, mas no início da fase final tive uma lesão grave. Parti o perónio e tive uma rotura de ligamentos no tornozelo.»

Enquanto a sorte grande surgiu a alguns, o maior azar bateu à porta de João. A lesão marcou o resto da carreira. Um contratempo infeliz num jogador que podia chegar longe. «Demorei muito a regressar. E voltei sem confiança, sem ritmo e já a meio do campeonato. Os jogadores estavam todos em forma e foi difícil ganhar o meu lugar».

Ainda assim, somou 25 partidas nessa temporada, a maioria como substituto utilizado, e fez 7 golos. O Benfica perdeu o campeonato na última jornada frente ao FC Porto, permitindo ao Sp. Braga levantar pela segunda vez na sua história o campeonato do escalão. 

«Não foi tão bom o campeonato porque fomos à final da Youth League. Focamo-nos mais nessa competição, a concentração no campeonato não era a mesma», contou.

João recordou a primeira edição da competição europeia, em 2013/14, onde o Benfica foi finalista vencido, frente a um Barcelona comandado por Munir: «Joguei na final, entrei como substituto. Aliás, joguei a maioria dos jogos. Já íamos a torneios no estrangeiro mas uma competição oficial é sempre diferente. Fomos pensando jogo a jogo, mas quando chegámos à final, queríamos ganhar. Íamos com os seniores no avião, treinávamos no centro de estágios de outras equipas, foi uma experiência diferente. E deu outra visibilidade, o jogo da final deu na SPORT TV, todos quiseram ver».

Depois dos dois últimos anos no futebol de formação, a carreira de João Gomes tomou outro rumo, longe dos holofotes dos grandes clubes nacionais. «Na última época não estive ao nível exigido. Até aí correu bem, ia à seleção e era titular, mas era a época de assinar contrato profissional com o Benfica, e essa renovação não surgiu».

O avançado chegou ainda a jogar com a equipa B em amigáveis, e a treinar com a equipa principal, e recordou a estranheza que é contactar com jogadores como Aimar e Gaitán. «Nem sabemos como tratá-los, porque acabam por ser os nossos ídolos. É estranho virar-me para o Gaitán e dizer «Ó Gaitán, passa a bola».

«Houve uma ocasião que jogamos contra a equipa principal e há um lance que venho cá atrás e cortei a bola ao Aimar. Disse aos meus colegas todos: «o treino podia acabar agora», recordou ao Maisfutebol.

«Noutra situação fui disputar a bola com o Eduardo, que era o guarda-redes substituto do Benfica na altura, e acertei-lhe na cabeça. Queria pedir desculpa e nem sabia como. «Desculpe, senhor Eduardo?». Bati-lhe nas costas e nem disse nada. Ele levantou-se, viu a minha cara e disse: «Só tinha ficado chateado se não tivesses vindo disputar a bola». Deixou-me logo à vontade», recordou com grande saudosismo. 

João Gomes elogiou ainda Jorge Jesus, na altura treinador da equipa principal, hoje técnico dos rivais: «É muito exigente. Os treinos são sempre a mil. Ele podia ter «falinhas» mansas com um miúdo que vai lá treinar pela primeira vez, mas não. Exige logo que demos tudo e pede o mesmo a todos».

A partir de 2014, a carreira do avançado afastou-se dos principais clubes nacionais, e João mergulhou pelo futebol não profissional. Nessa temporada, passou pelo Ribeirão e Quarteirense, ambos da terceira divisão. Em 2015/16 surgiu a última temporada da carreira do ponta-de-lança, ao serviço do Elétrico, igualmente no Campeonato de Portugal.

«A nível coletivo [no Elétrico] correu mal porque descemos de divisão, mas gostei muito. Não tínhamos tantas condições, mas na parte humana nunca encontrei como ali. Éramos uma família, muito humildes», confessou.

Num fim triste, e talvez inesperado para quem viu o jovem goleador de Alpiarça nas camadas jovens, João decidiu pendurar as botas e focar-se noutros horizontes. Foi o ponto final na vida de futebolista e o regresso à vida «normal», apesar de ainda hoje surgirem propostas. Mas agora as prioridades são outras.

«Deixei o futebol. Ainda jogo aos domingos com os amigos. Tive propostas novamente da terceira divisão e distritais, mas não dá para viver daquilo, então preferi dedicar-me aos estudos. Trabalho na Remax enquanto estou a fazer matemática e português à noite, para entrar no ensino superior para o ano.», admitiu.

«Na altura em que deixei de jogar, se tivesse recebido uma proposta da segunda liga ainda ponderava mais um ano, caso fosse profissional, mas não apareceu, por isso desisti», contou ao Maisfutebol.

Mesmo nunca tendo jogado no Estádio da Luz com a camisola principal do Benfica, João admite que, para sua surpresa, ainda hoje o reconhecem:

«Já saí do Benfica há muitos anos e mudei fisicamente. Penso que fora do meio onde vivo ninguém me reconhece, mas ainda há pouco tempo, no ginásio, um senhor virou-se para mim no balneário e perguntou: «Então, em vez de jogares à bola, andas aqui?». Fiquei sem reação e ele disse: «Estou a brincar, gostava muito de ti e de te ver jogar», contou.

Um desfecho prematuro de uma carreira promissora. O comboio do futebol não espera por ninguém, e a lesão fez João ficar-se pela estação da pequena vila de Alpiarça, sem nunca partir na verdadeira aventura do futebol.