Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«Nunca pensei que seria uma realidade que fosse passar. Preparei-me para uma carreira nos campeonatos profissionais. Não estava à espera, mas para já é a minha realidade (…)»

Cedo, muito cedo no topo. Da mesma forma, jovem o suficiente para já conhecer experiências bem distintas na carreira. Do título de campeão pelo FC Porto à chegada ao Trofense, distam cinco épocas. Hoje, no Campeonato de Portugal (CPP), Kadú vive uma realidade que «nunca» pensou. Onde (quase) todos lutam por um sonho maior, o guardião angolano fixa metas: o regresso à I Liga é o objetivo. Difícil, vai ser. Impossível, a ver.

Aos 22 anos, da Trofa para o mundo, eis o mais jovem jogador a vestir a camisola do FC Porto em estado puro. Trabalho, ambição e foco. Afinal, para cima é o caminho.

A estreia e o título na equipa principal não deram sequência a uma súbita ascensão na carreira. Uma época nos juniores e duas na equipa B do FC Porto foram o mote para um empréstimo ao Varzim, da II Liga, em 2015/16. Este ano, o Trofense. Uma nova casa. O clube da Série B do CPP adquiriu 30 por cento do passe do guardião – o restante ainda pertence aos dragões. Na lógica do desconhecido, primeiro estranhou. Depois, entranhou.

«Fui acolhido da melhor maneira, tenho colegas que já conhecia: o Ricardo Fernandes, o Hélder Sousa… a integração foi boa», lembra Kadú, que encontrou uma realidade diferente no CPP. Melhor do que a expetativa.

«Quando ouvimos falar, temos uma ideia diferente. Sinceramente, estava à espera de um campeonato mais fraco, mas é equilibrado. Tem jogadores de qualidade e podiam brilhar ao mais alto nível. Os jogos são jogados com qualidade, intensos». Da experiência, fica o aviso. Até para o próprio. «Se não sais preparado do CPP, não sei se estás preparado para algo mais».

É por esse «mais» que Kadú se bate.

Do balneário às bancadas. Do Dragão à Trofa. Realidades opostas, mas igual organização. Palavra de Kadú. «Encontrei uma equipa profissional, tudo organizado. Surpreendeu-me. No FC Porto estava habituado a outra organização e nestes clubes pensamos que não são tão organizados, mas a minha experiência tem sido muito positiva», garante.

Então e diferenças? Poucas, mas existem. «No FC Porto tinha alguém que nos limpasse as botas, no Trofense não temos isso, mas o senhor da lavandaria ajuda», atira.

Kadú na equipa B do FC Porto, época 2013/14:

«Caminho facilitado? Depende do meu trabalho»

Tapado por Murta na primeira metade da época, Kadú conta quatro jogos oficiais. Pouco para quem espera «sempre o melhor». Estreou-se na Trofa contra o Vitória de Setúbal, para a Taça de Portugal. O tomba-gigantes esteve perto, mas «brilhou o Trigueira» nas grandes penalidades. «Estava confiante, tínhamos visto alguns vídeos, mas os jogadores [do Vitória] mudaram de lado», lamenta o jovem angolano.

A lotaria abriu caminho para três jogos no campeonato, é certo. Porém, o azar também bateu à porta: falhou cinco jogos, todos por castigo. Defrontou o Felgueiras, mas foi expulso com o Aliança de Gandra. Cumpriu dois jogos de suspensão e voltou ao banco, onde «aconteceu o que aconteceu em Amarante».

Do banco, Kadú viu o cartão vermelho nos protestos do Trofense nesse jogo. Ficou de fora três partidas.

A 15 de janeiro, tudo se conjugou para o regresso, dois meses depois do último jogo. Castigo cumprido, viu Murta sair para a AD Oliveirense e tornou-se primeira opção na vitória com o São Martinho (3-2). Pode a saída do colega abrir portas para a titularidade? «Não posso dizer que tenho caminho facilitado, depende muito do meu trabalho», vinca Kadú, lembrando o agora único colega de posição, Nuno Silva, um jovem com «muita qualidade».

Parte integrante do investimento do Trofense para a época, «a equipa com melhor futebol» na Série B, como defende Kadú, vê já remotas as hipóteses de acesso à fase de subida. Com uma jornada para o fim da primeira fase, «ainda não atirámos a toalha ao chão», garante. É preciso, contudo, um grande exercício matemático para sonhar com o 2.º lugar da série.

«Se ganhamos com um guarda-redes sem luvas, imagina com luvas»

Kadú insere-se num vasto lote de atletas jovens do Trofense. Reconhece, por isso, a mensagem e os conselhos dos «jogadores mais experimentados» para regressar ao topo, onde não se conseguiu impor. Entre palavras, momentos sérios e de reflexão, também há espaço à brincadeira. Saudável e naturalmente.

Num treino, tinha usado umas luvas pretas e íamos fazer jogos entre equipas para ver quem fazia mais pontos. Estava na equipa do Hélder [Sousa], ele brincou e disse que com um guarda-redes sem luvas íamos perder. Acabámos por ganhar e ele disse: "Se ganhamos com um guarda-redes sem luvas, imagina com luvas (risos)".»

Com ou sem estas, Kadú sabe que precisa de «sorte» para o retorno aos campeonatos profissionais. Isso e empenho. «Tenho de trabalhar muito para chegar e sustentar-me na primeira liga. Logo se vê», reflete.

Entre ambição contida, falar do FC Porto é igual saudade. «O Porto é sempre o Porto, vai sempre ficar marcado. Devo tudo ao Porto», refere. Voltar à casa-mãe? «É complicado, principalmente nas equipas grandes», considera.

Angola no horizonte

Kadú chegou a Portugal há quase uma década. De idade tenra, mas objetivo claro, reconhece que «Portugal está com uma geração muito boa de guarda-redes». Nunca fechou a porta a poder representar a seleção portuguesa nos escalões jovens, embora tenha Angola no pensamento. «Sou angolano e é lógico que gostava de representar Angola».

Enquanto isto, fazer carreira em terras lusas é o caminho. Tudo para voltar a «estar entre os melhores».

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