Por: Daniel Dantas

Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e de futebol.

Representou o Boavista no Campeonato Nacional de Seniores e seguiu com o clube para a Liga. Depois de uma ligação de seis anos com os axadrezados, Carlos Santos regressou a um campeonato que lhe é familiar, após uma transferência falhada para o campeonato cipriota. Em conversa com o Maisfutebol, o defesa revela pormenores de uma aventura pouco duradoura mas marcante… pelos piores motivos. E olha agora para a frente.

Fim da temporada 2016/2017. Fim do vínculo contratual com o Boavista. Aberto o mercado de transferências. Analisadas as questões familiares, o estrangeiro começa a ser equacionado como forte possibilidade para prosseguir a carreira. «Era a minha prioridade. O meu filho tinha um ano, por isso, para ele, a adaptação até seria muito mais fácil. Optamos por esta altura, uma vez que não tem escola, nem infantário. Esperei até à última e recebi uma proposta para o Chipre, mas as coisas não correram como queria», começou por contar.

Chipre: o destino que, inesperadamente, relegou Andorra para segundo plano e reunia todas as condições que Carlos Santos desejava. Aris Limassol era o clube que iria representar na presente época. «Já tinha aceitado uma proposta de outro clube [Lusitanos], para um país diferente [Andorra], e esta última surgiu de um dia para o outro. Disseram que tinha de arrancar no dia a seguir, mas consegui adiar mais um pouco para preparar as coisas. Ainda em Portugal, o empresário mostrou-me um contrato de dois anos. Vi-o e aceitei as condições. Ficou tudo tratado. Depois, lá, assinei, até porque o contrato era o mesmo. Pareceu-me estar mesmo tudo bem.»

Nos primeiros dias, a adaptação ao novo país, ao clima e às pessoas não foi, porém, simples. «Daquilo que vi, deve ser um país incrível para passar férias. À noite estavam 30 graus! Treinávamos às 8h ou às 18h30. Era impensável, por exemplo, treinar às 15h. Cheguei numa quinta-feira e assisti ao jogo do Aris no sábado. Mesmo às 20h, o jogo teve uma intensidade muito baixa e futebol era bastante direto. É muito calor e chega a ser desumano, quase. Não tinha feito pré-época e, por isso, foi complicado. Os jogadores já tinham começado a época e estavam com outro andamento. As próprias pessoas eram muito diferentes dos portugueses, sempre com um olhar desconfiado. Aqui acolhem e lá não querem saber. Gosto de estar num balneário, conviver e estar contente. Ali não era eu. Chegava, sentava-me, ficava calado, treinava, vestia-me e ia embora.»

A comunicação, em contextos adversos, assume uma importância vital e, neste caso, nem a língua o pôde socorrer. «Tive dificuldades com a língua, porque eles falam grego e inglês. Tinha dois brasileiros, que já estavam lá há algum tempo e ajudavam no necessário. Se estivesse há muito tempo lá e chegasse alguém que falasse a minha língua, ajudava-o muito mais do que aquilo que me ajudaram.»

Contudo, a meras 48 horas do encerramento do último mercado de transferências, tudo mudou, também de forma repentina. «Estávamos de folga e chamaram-me. Apareceu um diretor que falava italiano – aí compreendi melhor – que me disse: «O presidente [Kyriacos Hadjikyriacos] avisou que, se quiseres ficar aqui, damos-te x por mês, casa e carro». Casa e carro já estava no contrato, o x é que já não era igual ao y que me tinham oferecido e eu tinha assinado [risos]. E eu respondi: «Mas assinamos um contrato…». «Não, o presidente não assinou», respondeu o treinador de imediato. Quando assinei, pedi uma cópia para dar ao empresário e não ma deram. Disseram que o presidente iria assinar e depois enviavam. Andava sempre a perguntar ao empresário se já tinham mandado. Nunca mandaram nada, mas já não era nada comigo, era com o empresário. Aquilo passou, o presidente nunca chegou a assinar e no dia 29 até disseram para rasgar o contrato».

A intransigência da administração do Aris Limassol perante uma eventual renegociação contratual, diz, sentenciou o fim de uma breve passagem pelo país a leste do Mar Mediterrâneo. «Ou é assim, com estas condições, ou vais embora!». «Então vou-me embora, porque aqui não fico!», respondi. Antes tentei, mesmo assim, chegar a um acordo por um valor razoável. Quando afirmei que vinha embora, apareceu o presidente. Sentou-se ao meu lado e disse que não iria jogar para lado nenhum e que não iria ser profissional, porque já estava a fechar o mercado e, como demorava um dia a chegar a Portugal, não iria encontrar equipa. «Isso agora não importa. Cumprem o contrato ou vou-me embora». Aí ficou doente: «Vai embora, vai embora»».

A viagem de regresso ao Porto foi inclusivamente agendada e custeada pelo próprio atleta: «Estava na secretaria uma mulher preparada para comprar a viagem. No entanto, o empresário disse que não me queriam pagar a viagem e nem a deixaram tratar disso. O diretor disse para ir com ele e foram deixar-me ao aeroporto. Liguei para a minha mulher e ela marcou numa agência. Paguei do meu bolso a viagem para vir embora».

A poucas horas do encerramento do mercado de transferências, Carlos Santos ainda tentou rumar a Andorra, embora sem sucesso. «No dia 30, cheguei ao Porto pelas 8h e arranquei para Andorra às 20h30. Cheguei lá por volta das 4h e às 8h estive a pedir documentos, porque é necessário um monte deles para um jogador ser inscrito lá. Registo civil, criminal, descontos para a Segurança Social, pediam tudo! Tirei tudo, só não levei o carimbo no registo criminal. Em Portugal dizem que não é preciso, mas lá exigem. Por isso, não tinha todos os documentos necessários para ser inscrito. Ilegalmente, nunca se consegue trabalhar. Primeiro, inscrevem-te na imigração e só depois podes ser inscrito na Federação. Aqui passa-se o contrário. O presidente avisou que seria muito difícil, mas os diretores disseram que ia dar. Acabou por não dar. Garantiram que tentaram de todas as maneiras possíveis, mas não deu. Foram sempre corretos comigo, pessoas exemplares e têm uma mentalidade completamente diferente».

Apesar de a proposta em território andorrano não ser tão vantajosa em termos monetários e desportivos, Carlos reconheceu: «Ainda assim, se fores campeão, vais a uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões. O projeto em Andorra era ser campeão. O Lusitanos já não é campeão há algum tempo e quer também ser a primeira equipa do país a tentar passar uma pré-eliminatória da Liga dos Campeões.»

Na impossibilidade de ser inscrito em emblemas profissionais, o antigo capitão do Boavista debruçou-se sobre as propostas de clubes do Campeonato de Portugal que lhe foram chegando, até escolher o Salgueiros, depois de pesar tudo na balança. «Quando souberam daquilo que tinha acontecido, ligaram-me. Contactaram-me mais algumas equipas e fui dizendo para esperarem, porque ainda existiam mercados abertos. Mas também, depois, pensei: «Vou ficar até dezembro sem nada? Quando chegar a dezembro, eles já vão estar com um andamento de meia época. Como será, para mim, o resto da época? Ganhar forma para a próxima?». Não podia ficar parado. O Salgueiros é um clube de perto, apresentaram-me um projeto ambicioso e têm vontade de voltar a ser aquilo que já foram.»

Apesar de ter assinado um contrato válido exclusivamente para a presente temporada, Carlos Santos não descarta a hipótese de tentar uma nova transferência na reabertura do mercado, em janeiro. «Se surgisse alguma coisa profissional, disseram que não me iriam «cortar as pernas» e que compreenderiam. Mas também tenho que analisar a fase da equipa. É óbvio que, se o Salgueiros, imaginemos, estiver em primeiro, vão ter mais dificuldade para me libertarem, porque têm os seus objetivos. Também deixaram isso claro. No entanto, se conseguisse subir com uma equipa do Campeonato de Portugal para a II Liga acabaria por ser bom para mim».

A meta do Salgueiros para a presente temporada passa pela subida de divisão ou, pelo menos, por fixar-se nos lugares cimeiros da tabela. «O próprio treinador do Salgueiros [Alexandre Ribeiro] disse, numa entrevista, que queria subir ou andar nos primeiros lugares da tabela. Os resultados não têm aparecido, mas há muitos jogadores que não fizeram a pré-época. É normal que soframos golos na parte final do jogo, porque o grupo, se calhar, está a ressentir-se daquela força necessária para os últimos minutos. Temos equipa para andar lá em cima e vamos continuar o trabalho que tem vindo a ser feito».