Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

No campo de futebol cabem todos os sonhos do mundo. Dos mais elaborados aos mais singelos. É dentro desta última categoria que se insere o sonho de Sérgio e Diogo Pedras. O primeiro dispensa apresentações. Tem 38 anos e construiu uma carreira na segunda Liga com a camisola do Leixões. Por sua vez, o sobrinho Diogo, 23 anos, procura seguir as pisadas do tio. Juntos, buscam devolver os dias de glória ao clube da região Norte.

Uma inesperada saída de Pedras do Leixões no início de 2016/17 deixa-o sem clube e as portas do futebol profissional fecham-se quase ao fim de duas décadas. Depois de uma época em bom nível no Maia Lidador– 12 golos em 36 jogos – o jogador coloca nas mãos do sobrinho o final da carreira.

«Falava-se muito que o Diogo podia sair do Leça. Disse-lhe que a minha decisão de continuar a jogar era dele, praticamente deixei tudo nas mãos dele. Se ele saísse, deixava de jogar. O Diogo optou por ficar no Leça e vim para aqui ajudá-lo. Aceitei vir para o Leça para orientá-lo, incutir-lhe comportamentos de jogador profissional – desde o aspeto físico ao descanso – e para o corrigir, sobretudo dentro de campo. Um jogador profissional não pode ser intermitente, tem de ter continuidade e nunca pode baixar o nível. Não pode ter picos. É o que estou a fazer com ele», elucida.

Diogo viu a oportunidade de jogar com o tio, seu ídolo desde os primeiros pontapés na bola. E agarrou-a. Mesmo que a decisão de segurar a possibilidade de jogar com o tio travasse a sua ascensão no futebol sénior. Os dois juntos já anotaram 15 golos, metade dos apontados pela equipa na Divisão de Elite da AF Porto.

«É um sonho realizado jogar com o meu tio. Sempre tive o sonho de jogar com ele. Acompanhei sempre o percurso dele, tanto em casa como nos estádios em Portugal. Sempre que podia ia vê-lo jogar», confessa.

Para Diogo a exigência aumentou, agora que divide o ataque às balizas contrárias: «Ainda este domingo lixou-me a cabeça por ter desperdiçado duas boas oportunidades. Dentro de campo está-me sempre a corrigir. Exige mais de mim por ser meu tio, naturalmente.»

É por essa exigência que o Pedras mais novo se pauta, admitindo que «a transição para sénior foi difícil». Nessa altura, o Leça teve três treinadores. Diogo deixou de jogar com o último. «Fui-me abaixo. A nova época começou com o mesmo treinador, voltei a não ser aposta», conta. Isso mudou com a chegada do então treinador Nuno Costa. Diogo ganhou «confiança» e ficou apesar de «propostas» para sair. «Nunca foram superiores em termos financeiros. Desportivamente não eram apelativas», atira.

No Leça Diogo ficou. Cumpre a sexta época na equipa principal. Nas últimas três, superou a marca dos 15 golos: 16 duas vezes, pelo meio 17. Esta época, já lá moram 12, os dois últimos no domingo, decisivos no triunfo (1-2) na casa da AD Grijó. «Sou um jogador rápido, tecnicamente evoluído e finalizo bem. São essas as minhas qualidades», confessa, assumindo ambição de ser «profissional».

O Leça é terceiro classificado da mais alta divisão distrital da AF Porto. Tem os lugares de acesso à subida perto, mas há cautela entre Pedras. Objetivo? «Sempre foi a manutenção», atira Diogo. Com experiência em cima, Sérgio quer «vencer jogo a jogo» no coletivo. E pessoalmente? «Divertir-me a jogar. Não sou que tenho de brilhar neste momento. Mau é se tem de ser um cota a sobressair». Papel que Sérgio atira para o sobrinho.

«Interessa-me que seja o Diogo a fazer golos. Digo-lhe para caprichar na finalização. Depois no jornal escrevem “Pedras resolve, Pedras resolve outra vez”. Isso é um objetivo», vinca.

Diogo, em primeiro plano, ao lado de Sérgio Pedras, o tio

«Só faltou jogar na primeira Liga»

Leixões e FC Porto na formação. Leixões, Desp. Aves, D. Sandinenses, Marco, Fiães, Vianense, Tirsense e Maia. Até ao Leça, como sénior. Pelo meio, os cipriotas do Olympiakos e do PAEEK. Eis Sérgio Pedras, em mais de duas décadas de carreira, com recordações especiais do Dragão e do Mar.

«O Leixões e o FC Porto trazem-me todas as recordações da minha carreira. Por todos os clubes onde passei, não tenho ninguém que diga que sou mau colega ou mau profissional. Sinto-me orgulhoso», reitera.

Carreira cheia com Europa à mistura. E uma… pedra no caminho. «Tenho subidas de divisão, golos e jogos importantes, final da Taça de Portugal, Supertaça, Taça UEFA, golos na Taça UEFA, … só me faltou jogar na Primeira Liga. Deixa um sabor agridoce. Com idade de júnior podia ter assinado pelo Leça, mas o FC Porto não me deixou sair. Fiz vários jogos amigáveis pela equipa principal do FC Porto, mas nunca joguei na Primeira Liga», constata, antes de recordar Fernando Santos, atual selecionador, então técnico dos dragões.

«Treinei a semana toda com a equipa principal, faltavam o Jardel e o Domingos. O Fehér tinha sido emprestado. O FC Porto foi jogar a Alvalade e ganhou 1-0, com golo do Zahovic. O FC Porto jogou sem avançado. O único disponível era eu. Treinei a semana toda, prepararam-me para ir e não fui. Pensei que seria o primeiro jogo pela equipa principal».

Mas não foi. Nunca seria.

Rumou ao Leixões em 2000. Lá fez quatro épocas. Até 2004. Pelo meio, propostas. Mas o Leixões foi sendo «casa» e, apesar da «vontade de sair», acabou «sempre por ficar». «Surgiu proposta do Sporting de Braga. Estava tudo acertado. O presidente do Leixões não deixou, pediu para renovar contrato e cedi. No ano seguinte, depois da final da Taça de Portugal, nova possibilidade de ir para Braga e o presidente não deixou. Disputámos a Supertaça, o Belenenses e o V. Setúbal interessaram-se por mim e pelo Antchouet. O presidente só deixou sair um. Foi o Antchouet. Não há ninguém que seja culpado por nunca ter saído», garante.

Pelo meio, dose de orgulho. «Não me arrependo. As opções são para quem as toma. O Carvalhal saiu, foi para Setúbal, eu queria ir. Mas também queria ficar. O Leixões era a minha casa», conta.

Da «mágoa» em Matosinhos ao Leça

Pedras voltou ao Leixões em 2012. Fez mais quatro épocas na Segunda Liga, mas o adeus não foi o melhor. «Há mágoa», mas «o Leixões não tem culpa». Tudo após um golo na última jornada da época 2015/16 que ajudou à manutenção. No verão, «estava tudo bem» para renovar. Porém, a extensão de contrato nunca chegou.

«Deviam ter sido mais sérios comigo. Disseram-me que não tinha capacidade física para jogar na II Liga. A questão não era eu jogar noventa minutos. Estava ali para tomar conta do balneário. Todos os anos chega gente nova sem a identidade do Leixões. E quem passa essa identidade? O Bruno China e o Moura. Isso é que me custou. Sinto mágoa como fizeram as coisas».

Ficou «amigo» dos líderes do Leixões, numa altura de mudança de direção em que procuraram Pedras noutras funções. «Ofereceram-me um emprego de scouting. Disse-lhes que trabalhos comunitários não fazia. Tenho uma família para sustentar. Estive lá quinze dias a conversar, a tentar encontrar uma solução, mas não deu.»

Acabava o profissionalismo para Pedras. «Vou-me divertir agora um bocadinho a jogar futebol», disse. Surge o Maia, a quem deu palavra, que vale «mais que os contratos». No amadorismo apontou 12 golos em 36 jogos. Seguiu-se o Leça, muito por culpa do sobrinho.

Até quando?

«Já digo há muito tempo que é a última época. O bichinho mora aqui e está muito vivo. A minha vida sempre foi andar de balneário em balneário. Se os projetos que surgirem forem interessantes, acabo este ano».