Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.
«Se vou treinar triste porque é uma competição não profissional… Tenho 35 anos e vou com ambição de pôr este clube na II Liga. Faço o que gosto»
Faro é, por estes dias, ponto de chegada de uma viagem que conta quase 18 anos de carreira. Entre primeira e segunda liga, Benfica, Santa Clara, Gil Vicente, Varzim, Desportivo das Aves, Boavista, Vitória de Guimarães e Atlético marcam o percurso de um jogador que já conheceu, da Rússia à Espanha, relvados além-fronteiras.
No meio de tudo, Jogos Olímpicos de Atenas e Europeu2008. Internacionalizações dos sub-15 à equipa principal das quinas. Mais de 400 jogos como sénior. E um pé esquerdo reconhecido pela potente meia distância, hoje mais calibrado que nunca em solo algarvio.
Jorge Ribeiro chegou ao Farense no início da época para a primeira aventura num campeonato não-profissional. O «projeto aliciante» levou-o, de novo, a fazer as malas para longe de Lisboa. Da família. E da «força» dos dois filhos, que visita quando pode. A sul, com dez golos em 23 jogos, vive a época mais concretizadora da carreira.
É ali, no Estádio São Luís, «jogo a jogo», que Jorge Ribeiro faz o que gosta. Num clube «histórico». No qual «todos querem subir» à II Liga.
O ponto de chegada presente encontra, a 12 de janeiro de 2000, partida para a jornada de uma vida. Com a bola ao pé, ora pois. Nesse dia, o Benfica goleou o Amora por 7-0 para a Taça de Portugal. O treinador encarnado, Jupp Heynckes, lançou Jorge Ribeiro no onze. Fez cumprir um duplo sonho: estreia como sénior e jogar ao lado do irmão, Maniche, a quem deu a marcar o primeiro golo do jogo.
Entre equipa principal e os bês, rodou no Santa Clara, onde conquistou uma segunda liga. Depois o Varzim, em 2002/03. Época e meia na Póvoa e mais meia no Gil Vicente foram a rampa de lançamento para a primeira aventura fora do país. De Barcelos para Moscovo.
«Quando surgiu a Rússia, pensei em guerra e frio»
Jorge Ribeiro ruma ao Dínamo de Moscovo em janeiro de 2005, numa mudança que chegou a criar alguma polémica do lado gilista http://www.maisfutebol.iol.pt/jorge-ribeiro-voltou-a-jogar-pelo-dinamo-moscovo. Uma viagem tão súbita quanto sofrida, como recorda, em conversa telefónica com o MaisFutebol. «Estava em Braga em casa de um casal amigo e toca o telefone. Tinha de estar às 7h30 em Lisboa [do dia seguinte] para ir para a Turquia [onde o Dínamo estava em estágio]. Fiz a viagem [para Lisboa] a pensar na família e comecei a chorar. Não sabia para o que ia. No aeroporto, vi o Cícero e o Frechaut. Fiquei contente, tinha com quem falar», recorda o lateral-esquerdo.
Do vínculo de quatro anos com os russos, Jorge cumpriu apenas um. A mudança de investidores ditou um empréstimo ao Málaga, onde pouco jogou. Da rescisão definitiva com os russos à primeira experiência no Desp. Aves, alegria renovada e a reafirmação na I Liga. O regresso ao Benfica, perto, foi adiado com um ano positivo no Boavista, emblema pelo qual chegou a marcar na Luz… até à chamada ao Euro2008.
«Era para ir em dezembro [de 2007] com o Camacho, mas optei por ficar no Boavista. Correu bem, fui chamado ao Europeu, que toda a gente sonha».
Chamada ao Europeu e Luz ao fundo do túnel
No europeu da Áustria e Suíça, o sonho de Jorge Ribeiro cumpriu-se contra os helvéticos. Jogou cerca de meia parte na fase de grupos. Nas pausas e brincadeiras com o grupo, do bilhar ao ténis de mesa, Petit e Cristiano Ronaldo como dois dos maiores colegas de seleção. «O Ronaldo não gosta de perder nem a feijões. Ficava com mau perder (risos). Eu metia-me com ele e ele queria a desforra», recorda Jorge, internacional por nove ocasiões.
De volta a Portugal, o reencontro com a Luz. Seis anos após sair da casa-mãe. À 3.ª jornada do campeonato, pegou de estaca, em Paços de Ferreira. Um jogo épico (3-4), com igual golo. O primeiro pelas águias como sénior. «Tinha um concorrente forte, o Leo. Não sabia que ia jogar. Era a estreia, fiz um golo e fiquei feliz. Passei pelas camadas jovens e já sabia da mística», lembra, em alusão a um festejo emotivo junto à bandeirola de canto.
O golo de Jorge Ribeiro na Mata Real:
De uma época «super positiva» com Quique Flores, um ano sem jogar com Jorge Jesus, treinador que não contava com o defesa, num ano em que o Benfica se sagraria campeão nacional. «Nunca se chegou a acordo para sair. Entretanto os jogadores excedentários eram eu e o Balboa. Começámos a treinar com o plantel», explica. Um ano «difícil» sem jogar no clube de formação, apesar da participação na Liga Intercalar e em jogos particulares, com vários golos à mistura.
«Manuel Machado contactou-me mas não me deixaram sair»
Nova passagem por Espanha foi, literalmente, uma Granada súbita nas aspirações de Jorge Ribeiro. Mas não percamos o fio à meada. Em 2010, saíra do Benfica para o Vitória de Guimarães, clube pelo qual chegou à final da Taça de Portugal, perdida para o FC Porto de Villas-Boas (2-6). Manuel Machado, então técnico dos minhotos, lançou-o para «uma experiência positiva», num clube com «uma massa associativa incrível». Ora, o mesmo treinador, que o viu sem jogar no Granada, tentou levá-lo para a Grécia, em janeiro de 2012. Sem sucesso. «Fiz um jogo e pedi para sair em janeiro. O Manuel Machado foi para o Aris Salónica, contactou-me para ir, mas não me deixaram sair. Depois nunca mais joguei», conta.
Jorge Ribeiro reviu-se na experiência do Benfica de Jesus e esteve mais um ano sem jogar. Ao fim desse período, a sul, um piscar de Olhão – esteve um mês à experiência no Algarve - mas seria o regresso à Vila das Aves, na II Liga, a cimentar nova regularidade.
«Houve dois ou três clubes, mas quando recebo a chamada do diretor-desportivo, Marco Abreu, disse logo que sim. Podiam haver mais clubes, mas quis o Aves». Jorge Ribeiro confirmou o regresso ao clube pelo qual mais jogos fez na carreira – um total de 100. Na época de retorno, em Tondela, na penúltima jornada, decidiu um jogo dramático que permitiu ao clube seguir para o play-off de subida à I Liga, no qual só esbarrou com o Paços de Ferreira.
«Começámos muito mal e com a força do plantel conseguimos o play-off. É dos momentos mais marcantes fazer aquele golo ao minuto 95. Recordo-me que o guarda-redes [do Tondela] estava a perder tempo, deu sete minutos e ao quinto, o Vasco Matos cruza e eu, de cabeça, que é raro, fiz o golo», descreve.
A cabeçada certeira no Tondela-Desp. Aves, época 2013/14:
Ao fim de dois anos a norte, deu prioridade a voltar à capital, para perto da família. Surge o Atlético, mais de 40 jogos, mas um final infeliz com a descida na II Liga.
Em Faro, no tal ponto de chegada, há também um trilho renovado para Jorge Ribeiro, num clube que disputa a zona sul de subida do CPP. Dos pés à cabeça. De casa aos relvados.
«Os meus filhos dão-me força para trabalhar para eles. Propus-me a dar o meu melhor. O Farense tem adeptos fantásticos e fui bem recebido. Estamos num bom caminho, sabendo que outras equipas vão dar luta», realça.
Da Luz à Rússia. Do Minho ao Algarve, uma carreira que já atingiu a maioridade. E que é para continuar, enquanto houver baterias. «Quando achar que não consigo, sou o primeiro a dizer chega».
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