Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.
 

Há um Baiano a brilhar na ‘Veneza portuguesa’.

No distrito de Aveiro o destaque dos últimos dias vai para a equipa do Gafanha que conseguiu o apuramento para a fase de subida do Campeonato de Portugal a duas jornadas do fim e que sonha em subir à II Liga, algo que seria histórico para o emblema de Ílhavo.

Para este percurso espetacular até ao momento, 10 vitórias, quatro empates e duas derrotas, muito contribuiu Nádson, o melhor marcador da equipa.

Este baiano até nem começou a época, chegou apenas em Setembro, mas desde que lhe apresentaram o projeto não duvidou que a subida seria possível.

«Comecei mais tarde porque estive a negociar com clubes da II Liga e não consegui fechar a tempo. Fiquei sem clube e foi quando um diretor do Gafanha me ligou e eu aceitei. Quando ainda estava em casa ainda falaram-me da ambição do clube, do presidente, da equipa técnica, dos diretores, e eu vim com esse pensamento de ir à fase de subida e alcançar uma II Liga porque nada é impossível.  Desde que haja trabalho, a tendência é as coisas darem certo», explicou.

Depois de passagens em Portugal pelo Beira-Mar e pelo Atlético, ambas no segundo escalão, o brasileiro de 24 anos decidiu descer de nível e enfrentar outro desafio:

«Na vida temos que abdicar de muitas coisas, poderia não ter vindo para o Gafanha, como tinha estado na II Liga. Podia dizer: ‘Não vou porque é Campeonato de Portugal’. Não fiz isso, deixei o orgulho de lado e graças a Deus com a confiança do presidente, da equipa técnica e com todo o meu potencial, que eu acredito que tenho, e com todo o grupo está a dar certo.»

No terceiro ano em Portugal, Nádson valoriza o terceiro escalão do futebol português e sente que este pode ser o trampolim para outros voos: «Com este percurso, a equipa técnica, os jogadores, fica todo o mundo bem visto e agora é continuar. Tenho essa ambição de jogar num clube de II Liga e de I Liga. Trabalho para isso, mas tudo acontece no momento certo. Estou a fazer um bom trabalho, estou a ajudar o Gafanha, o Gafanha também me está a ajudar, porque isto é uma troca. De momento estou aqui na Gafanha, estou só a pensar aqui, se surgir outra coisa melhor, por que não?»

«Pelo menos um jogador do Campeonato de Portugal saiu para o Marítimo já, a nossa divisão está a ser bem vista», salientou.

Em 19 jogos do Gafanha esta época alinhou em 11, porque começou a jogar apenas em setembro e porque está lesionado desde o meio de dezembro. Fez seis golos no total, meta que diz ser boa.

«Era o registo que esperava, sou avançado e vivo de golos. Nesta fase queria fazer uma boa quantidade de golos e para já está bom, mas podia ser melhor», referiu o brasileiro, que faz dupla de ataque com o Pirata, avançado que é cego do olho direito.

Para quem não conhece Nadson, o brasileiro apresenta-se: «Sou avançado, sou um brigador, faço golos, sou rápido, tenho velocidade e independentemente de marcar golos dou tudo dentro de campo, dou a vida pelo grupo, o golo é consequência do trabalho. Eu primeiro entro para dar tudo pela equipa do início ao fim, depois o golo pode surgir para complementar o trabalho.»

Nádson está a agora muito perto da recuperação total e a preparar-se para entrar na fase de subida da melhor forma, apesar de ainda faltarem duas jornadas para o fim desta primeira fase.

«Na próxima fase queremos fazer melhor ainda, a fase que vem tem mais jogos difíceis, equipas mais complicadas. Temos que nos preparar ainda mais, ter todo o cuidado e continuar com a mesma ambição, porque eu acredito muito na equipa, na equipa técnica e na direção que está a fazer o esforço para que cheguemos à II Liga e eu acredito que vamos lá chegar.»

Nádson no treino do Gafanha em semana de receção ao FC Porto

Pelo meio desta caminhada, quase imaculada, o Gafanha teve uma «prenda»: enfrentar o FC Porto na Taça de Portugal.

O resultado não foi favorável, 0-3 a favor dos dragões num jogo realizado no Municipal de Aveiro. «Ficámos felizes, muita gente extra-campo não esperava. Cá todos nós acreditámos, passámos duas eliminatórias e saiu logo o FC Porto, o que deixou toda gente feliz por feito aquele jogo. Foi uma prenda, não ganhámos mas ficámos para a história.»

Os salários em atraso no Beira-Mar e Atlético e os sonhos partilhados com Talisca

Como já referido, está na terceira época em Portugal e esta é a primeira em que tem estabilidade.

Chegou para o Beira-Mar, na última temporada do clube aveirense como profissional:

«No Beira-Mar houve vários problemas, mas não vale a pena estar a voltar a falar muito, porque tudo é conhecido e não vale a pena colocar nomes. Houve vários problemas, entre eles os ordenados, acho que estivemos quase seis meses sem receber e mesmo assim fomos para todos os jogos determinados. Os jogadores não abandonaram aquilo e deixámos o clube no 10º lugar, o que não é fácil nas condições em que estávamos. Por algum motivo que a direção depois não cumpriu o clube acabou por descer. Da parte dos jogadores saiu tudo com a cabeça erguida, honrámos a camisola até final.»

Porta fechada em Aveiro e surge uma abertura no Atlético Clube de Portugal, mas mais problemas.

«No Atlético foi outro ano que não correu bem, houve salários em atraso, que depois foi pago. Mas tinha outros fatores que não ajudaram a cumprir o nosso objetivo e também não adianta estar aqui a culpar A, B ou C. Toda a gente errou, cada um na sua parte. Todos os dias aprendemos como são as coisas no mundo do futebol, temos que melhorar e amadurecer a cada dia que passa e fazer escolhas certas.»

Foi então que surgiu o Gafanha para relançar a carreira de Nádson, que no currículo trouxe do Brasil um título baiano, ao serviço do Esporte Clube da Bahia, ao lado de Talisca (Besiktas), Bruno Paulista (Sporting) e Rafael Miranda (V. Guimarães).

Do jogador do Sporting não é muito próximo, mas com Talisca são várias as histórias. Ao Maisfutebol recordou o estágio em que ficaram no mesmo quarto e partilharam sonhos.

«Uma vez fomos para a Taça de Belo-Horizonte, ficámos no mesmo quarto e ele falou-me dos seus sonhos e disse: ‘Um dia ainda vou jogar num grande clube, vou ser muito rico e vou ganhar tudo.’. Rimo-nos e continuámos a conversar, nós não sabíamos o nosso futuro e eu disse-lhe que ia chegar lá também, que não podia ser só ele (risos). Quando definimos alguma coisa, essa coisa pode-se realizar, se houver trabalho e dedicação. Ele falou que ia chegar e chegou.»

E o Nádson vai lá chegar?

«Todos os dias trabalho com esse pensamento, de chegar num clube de ‘ponta’, de I Liga. Não é só chegar, é chegar e estabelecer-me. Quero afirmar-me e fazer a minha história e vou chegar lá. Gostava de jogar a Premier League, a Liga dos Campeões, jogar os campeonatos que os jogadores de ‘ponta’ jogam, fazer golos importantes.»

Do amigo Talisca só tem coisas boas a dizer e deixa um elogio especial: «A batida dele é diferenciada, a facilidade com que ele bate na bola... É um cara excepcional.»

De Rafael Miranda, uma espécie de amigo mais velho, recorda os conselhos: «Ui o Rafael... Que saudade! Jogou comigo também, é gente boa, deu-me muitos conselhos. Fiquei surpreendido quando ele voltou para o Vitória de Guimarães, era muito meu amigo lá. Conversava muito com a gente mais nova.»

Nádson em ação no Gafanha

«Eu e o Neymar éramos muito amigos»

Nádson começou a carreira no Vitória [da Bahia] e rumou muito novo, aos 18 anos, para o Santos, onde esteve na segunda equipa e treinou com a principal.

Lá partilhou balneário com Neymar, de quem era muito amigo: «É um brincalhão, um moleque, uma criança. ‘Humilde para caramba’, a gente falava muito, éramos muito amigos naquela altura e tínhamos muitas brincadeiras. Hoje não tenho contacto, mas na época era bem próximo.»

Agora acompanha a carreira dele pela televisão e diz estar orgulhoso do amigo, que já na época era uma estrela.

«Já na altura era diferenciado de todos os jogadores da nossa idade, tinha já projetos em cima e muita cobrança em cima dele. Hoje está a brilhar no Barcelona, com aquele futebol alegre dele, e eu estou muito orgulhoso.»

Depois dessa passagem pelo Santos, Nádson regressou para o Vitória e surgiu uma experiência no Lille, em França, mas não correu bem. Passados três meses voltou ao Brasil para representar agora o Bahia, onde foi campeão baiano. Dali o saltinho para Portugal.

O baiano que vai brilhando na ‘Veneza portuguesa’ quer regressar rapidamente a escalões superiores e realizar o sonho que partilhou com Talisca naquele quarto do estágio.

Quanto tempo demorará? Nádson não define timings, mas desligou a chamada dizendo:

«Vamos falar mais ainda, quando eu chegar ao topo!»

Assim será, Nádson.

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