Por: Daniel Dantas

Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e de futebol.

Hugo Monteiro passou por clubes como o Boavista, Paredes, U. Lamas, Gil Vicente, Gondomar, Arouca, Leixões e Anadia. Percorreu os três principais campeonatos nacionais e está, aos 32 anos, entre o desemprego e o fim de carreira. Reencontrou o prazer nos estudos e nas artes marciais, e aguarda pelo momento certo para regressar a um mundo que tão bem conhece. «Quando desapareces, ninguém se lembra de ti.»

No seu bairro, à semelhança de tantas outras crianças, Hugo Monteiro demonstrou prontamente um trato peculiar com a bola. «Desde muito cedo tive jeito e as pessoas da minha zona, onde jogava com os miúdos, diziam o mesmo. Em todo o lado dava para jogar futebol. Metíamos dois paralelos a fazer de baliza, jogávamos na rua e só parávamos quando passavam carros ou pessoas». Outros tempos, garante, ainda que não tão distantes assim. «Atualmente, não vejo os miúdos a jogar à bola. Por onde quer que passes, vês miúdos agarrados a computadores, telemóveis, tablets e… vidas virtuais. Todo o desporto perde com isso. No futebol isso nota-se mais, até porque é um mundo que move mais gente e continua a ser o desporto-rei. Com isso, há menos atletas, menos competitividade e menos qualidade».

O FC Porto e as seleções ao lado de Ronaldo

Ao ingressar nas escolas de formação do FC Porto por intermédio dos pais, a sua primeira experiência nos relvados não foi, porém, a melhor. «Estive lá algum tempo. Sinceramente, não gostei de andar lá. Não gostei muito do ambiente e quis sair». Enfrentando seguidamente problemas físicos que acompanharam o seu crescimento, como a doença de Osgood-Schlatter nos joelhos, Hugo encarreirou na equipa de iniciados do Candal, através de um amigo que atuava na formação gaiense. «Fui fazer um treino e quiseram logo que fizesse parte da equipa. Joguei lá um ano e o Boavista foi-me buscar».

Fixando-se nos iniciados de segundo ano do Boavista, nunca mais de lá saiu até cumprir o objetivo de chegar à equipa principal e tornar-se profissional. «Hoje em dia vê-se miúdos a quererem ser jogadores de futebol por imposição dos pais. E os pais não percebem que só lhes estão a colocar pressão. Na maior parte das vezes, as coisas saem ao contrário. Nunca tive pressão por parte da minha família para ser jogador de futebol. Eu fui jogador de futebol porque quis».

Durante o período em que integrou as camadas jovens dos axadrezados, Hugo Monteiro marcou recorrentemente presença nas convocatórias da Seleção até ao escalão de sub-20, tendo sido companheiro de jogadores como Cristiano Ronaldo, Miguel Veloso, Vieirinha e Silvestre Varela. «O Ronaldo até ficava, na maior parte das vezes, no meu quarto. Na Seleção faziam a divisão por posições: defesas com defesas, médios com médios e avançados com avançados. Como éramos avançados, ficávamos muitas vezes no quarto juntos. Agora já não, mas houve alturas em que via os jogos de Portugal e reparava que tinha jogado com uns 10 ou 11 jogadores da equipa, não só na Seleção, mas também no Boavista».

No segundo ano de júnior treinou quase toda a época com a equipa principal do Boavista e apenas disputava os jogos do seu escalão aos fins de semana. Figurando nas convocatórias dos quatro últimos jogos da temporada 2003/2004, Hugo Monteiro acabou por ser emprestado com o intuito de jogar com maior regularidade. «No plantel principal iria, certamente, ter algumas dificuldades. Não tive problema nenhum. Fui emprestado, estive meio ano no Paredes e não correu muito bem. Fui a segunda metade da época para o União Lamas e correu de forma excelente. Joguei sempre, marquei golos e regressei no ano seguinte».

Saindo do Bessa após uma época de escassa utilização, em 2008/2009, rumou ao Gil Vicente, que disputava o segundo escalão do futebol português. Terminada uma época na qual participou em cerca de duas dezenas de jogos e apontou quatro golos, ficou, inesperadamente, sem clube. «Na altura, novo como era e tendo feito muitos jogos, não estava a perceber muito bem a situação e senti-me frustrado. E só depois, mais tarde, consegues perceber o que se passou ou o que não se passou». Desceu à Segunda B, representando o Gondomar, e, um ano depois, seguiu para o Arouca, na II Liga, onde ficou vinculado desde 2010/2011. Participando na subida do clube ao escalão máximo do futebol nacional, acabou, numa fase posterior, por ser cedido ao Leixões e ao Anadia nos últimos dois anos de contrato.

Não tendo recebido qualquer proposta de renovação, esta é a segunda temporada em que Hugo permanece no desemprego, reconhecendo a precariedade e os salários pouco avultados inerentes à realidade do futebol português. «Surgiram algumas coisas, mas nada profissional. Eu sei que as equipas em Portugal passam dificuldades na Primeira e na Segunda Liga. O futebol, aqui, é uma ilusão. As pessoas acham que todos aqueles que jogam futebol na Primeira e na Segunda Liga ganham muito dinheiro, o que também não é verdade. Há muitas equipas na Segunda Liga, para não dizer todas, com dificuldades. Há pessoas a ganhar pouco e a não receber há alguns meses. Eu vivi isso por dentro. Acabei a minha carreira e ficaram-me a dever dinheiro em quase todas as equipas em que joguei».

«Adorava voltar» ao futebol

Apesar de tudo, na eventualidade de surgir uma proposta para voltar a pisar os relvados nacionais, o seu regresso não seria imediatamente descartado. «Se surgisse algo que considerasse interessante, claro que iria querer. Adorava voltar e sei que teria de fazer um esforço redobrado, porque estive um ano parado, apesar de, mesmo assim, não ter deixado de praticar desporto».

O seu envolvimento com a família do dirigente Carlos Pinho revelou-se uma verdadeira faca de dois gumes, sendo inclusivamente apontado enquanto principal causa para a situação que atravessa nos dias correntes. «Porquê? Porque nos últimos anos joguei no Arouca, durante seis anos, e fiz parte da família do presidente. Tive uma relação com a filha dele, da qual tenho uma filha, e as pessoas ficaram com a imagem de que, simplesmente, não sairia mais de lá. Acho que é a melhor explicação que tenho para ter deixado de jogar futebol.»

Hugo Monteiro, contudo, nunca anunciou o término da sua carreira e não planeia fazê-lo. «Não sinto essa necessidade. Para mim mesmo tenho a noção de que foi, certamente, o fim. Já passou mais de um ano. Passa uma época completa, passa agora o início de uma nova época e daqui a pouco estamos quase a meio desta época. Se não tive contactos, não será agora, seguramente. A minha idade está a andar para a frente, não para trás».

«Também tenho uma vida e as minhas contas para pagar. Tenho que me sustentar e, por isso, tive de colocar o prazer de lado e seguir a minha vida de outra maneira», afirmou.

«Foi uma coisa que simplesmente aconteceu e tive que a viver. É difícil. Senti que acabei o futebol muito cedo, de uma forma muito invulgar. Tive que lutar contra isso e tive que seguir com a minha vida. Não fiz grandes planos e sei que pode acontecer a qualquer um. Amanhã trabalhas, depois ficas desempregado e ninguém da tua área te contacta para voltares a trabalhar. Deixar o futebol foi uma imposição da vida. Não fui eu que assumi que não tinha capacidade ou que já não tinha vontade», conta, a propósito da transição entre o final da carreira e o resto da sua vida: «As pessoas têm que saber que o Hugo existe e quer fazer parte novamente ao mundo do futebol.»

A gestão de empresas e o jiu-jitsu

Em jeito de retrospeção, garante que possui, igualmente, uma quota-parte de culpa naquilo que lhe foi sucedendo na carreira. «Não posso estar a culpar toda a gente e a ficar isento de culpas. Poderia ter tido uma carreira muito, muito, muito melhor, tenho a certeza de que sim. Tenho também a certeza de que tinha qualidade para ter feito coisas muito mais bonitas do que as que eu fiz. Acho que foi uma mistura de fatores».

Acionando uma espécie de plano B, o investimento na formação académica tornou-se uma realidade e promete aguardar pacientemente por uma nova oportunidade para retomar o caminho do futebol. «Segui sempre a minha vida e acabei a minha licenciatura em Gestão de Empresas. Comecei agora o mestrado e tenho o objetivo de voltar, porque tenho quase toda a minha vida ligada ao futebol. Gostava muito que surgisse uma nova oportunidade, não para jogar, mas para integrar uma estrutura ou ser treinador. Quero que o meu futuro passe por aí».

Os estudos foram imprescindíveis, reconhece, e contribuíram decisivamente para a pessoa que é hoje. «O teu cérebro exercita mais e, hoje em dia, consigo ver as coisas de outra perspetiva, bem como falar de outros assuntos que, provavelmente, antes não conseguiria. Quando andas no futebol, só falas de futebol. Sinto-me uma melhor pessoa e com mais maturidade, como é óbvio».

Com um gosto particular por artes marciais, treina jiu-jitsu e realça os benefícios decorrentes da prática da modalidade na vida das pessoas. «Dá para competires, para te defenderes, para manteres a forma física e manteres-te calmo. Também é bom para as pessoas que habitam nas grandes cidades e que vivem situações como o trânsito e o trabalho. Chegas ao fim do dia, libertas a tensão toda e sais muito mais calmo.»

«Quando és profissional de futebol, não podes praticar nenhum outro desporto. Comecei a praticar há três anos, enquanto jogava, com aulas privadas, só eu e um amigo de infância. Quanto mais treinas e aprendes, mais queres fazê-lo. É viciante. Não é como no ginásio em que pensas «Ah, hoje não me apetece muito treinar, vou-me encostar ali um bocadinho». Ali, se te encostares um bocadinho, eles vão dar cabo de ti [risos], ou seja, tens que dar sempre mais de ti», diz, lançando um apelo: «Quem quiser experimentar, pode estar à vontade. É sempre bem recebido!»