«Domingo à Tarde» é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.
«Acredito que, se fossemos mais uma vez campeões, abdicávamos outra vez. É uma realidade completamente diferente, as condições não permitem os sonhos que temos. É complicado, tanto para o clube como para os jogadores. Então, passamos aquele tempinho a fazer o que gostamos, a jogar futebol e a estarmos juntos, a divertirmo-nos. Atingir outros patamares é praticamente impossível. Ficamos frustrados, mas é a nossa realidade.»
Mosteiros.
Freguesia do concelho de Arronches, distrito de Portalegre. Paredes-meias com a fronteira espanhola. Lisboa a 230 quilómetros. O Porto a 320.
Ali mora um clube com 34 anos de história. Sonhos por cumprir, histórias inusitadas e verdadeiros campeões. No Campo de Jogos da Basteira, o Futebol Clube Mosteirense é, por estes dias, dono e senhor do futebol distrital de Portalegre.
Um distrito que já teve Campomaiorense e O Elvas na elite do futebol nacional está hoje adormecido. Pelo interior geográfico de Portugal. Pela falta de força financeira, que a humana tenta compensar.
João Rosinha, 31 anos, é capitão de uma equipa que se sagrou bicampeã distrital da AF Portalegre no início de maio. Segundo título seguido, nova festa, o mesmo castigo. Por falta de meios de ordem vária, o clube não tem condições para subir ao Campeonato de Portugal, cuja participação era sua duas vezes, por mérito. Ao abdicar, também não pode participar na Taça de Portugal.
«Isso é um exemplo. Indo à Taça de Portugal ajuda, para que a próxima época possa ser mais desafogada. Não temos apoios. Só para andarmos no distrital, já é complicado. Quanto mais optar por um nacional. Depois, as distâncias. Se subíssemos, apanhávamos uma série de equipas das ilhas e tornaria tudo mais complicado. As equipas do interior e do distrito de Portalegre estão no esquecimento», atira Rosinha, ao Maisfutebol.
Ele, como quase metade do plantel, faz os cerca de 20 minutos e outros tantos quilómetros que o separam de Campo Maior até Mosteiros, dando mais sentido a uma terra com cerca de 450 habitantes.
«Vivo e trabalho em Campo Maior, na Delta, numa linha de montagem, a produzir a nossa máquina. Ao fim do dia, pelas 18h30, vou a casa, preparo a mala, espero pela carrinha do clube e vamos a Mosteiros para mais um dia de treinos, mais uma diversãozinha (risos)», descreve.
A par de alguns colegas, o capitão cresceu a jogar nas camadas jovens do Campomaiorense e a ver a equipa principal fazer figura na Liga. Mas tudo mudou pouco após a viragem de século.
«Aí sim, vivia-se uma realidade diferente, os bons momentos da primeira divisão. Futebol profissional. A minha formação foi feita atrás dessa realidade. Quando chegou a minha altura, já nada existia, com pena minha e dos meus colegas», lamenta o defesa, descartando o rótulo de capitão, por «uma equipa familiar».
O Nacional como momento alto e a receção no aeroporto
Domingo, 18 de outubro de 2015. Data de um dos pontos altos da história do Mosteirense, a terceira eliminatória da Taça de Portugal, contra o Nacional da Madeira. O Campo da Basteira ainda era pelado – o relvado sintético só foi colocado em 2017 – o que obrigou a passar o jogo para o Municipal de Arronches.
De um lado, Rosinha e companhia. Do outro, por exemplo, Tiquinho Soares, Salvador Agra ou Aly Ghazal, comandados por Manuel Machado. No fim, diferença natural: goleada de 6-0. Mais que a eliminação, uma tarde para recordar.
«Ganhámos a taça da associação e isso dá acesso à Taça de Portugal. Passámos primeira e segunda eliminatória e, na terceira, tivemos o ponto alto de todos nós. Juntou-se algum dinheiro dos prémios que fomos conseguindo e foi uma grande ajuda, não só para aquela época, mas para as seguintes», relata Rosinha.
Antes disso, e para ilustrar os adeptos «que não são muitos, mas são os melhores», Rosinha lembra a festa pela vitória na ronda anterior, nos Açores, ante o Sp. Ideal. «Estavam à nossa espera no aeroporto, veja quão eles gostam de nós», lembra.
Gasolina em Espanha, golos com Espírito Santo
Como em tantos outros pontos fronteiriços, Mosteiros não foge a um hábito português: fazer alguns quilómetros até Espanha e encher o depósito, pelo preço inferior do combustível. Rosinha atesta: no Mosteirense é assim. Afinal, a receita não abunda. «O presidente mete a gasolina nos carros do clube em Espanha (risos), em La Codesera. Já fomos para Badajoz, tentamos também fazer jogos amigáveis, para não ser sempre com equipas do distrito, do nosso campeonato», conta.
E se as máquinas aceleram com combustível do país vizinho, em campo, são precisos golos para alimentar vitórias e títulos. Esta época, Tiago Espírito Santo foi protagonista. O combustível-mor dos triunfos: 23 anos, 25 jogos, 28 golos. «É um miúdo espetacular, com qualidade mas, como já disse, passamos no esquecimento no nosso distrito e é pena», constata Rosinha.
Depois de elogios alheios, o próprio fala, ao Maisfutebol. «Significou bastante este campeonato, dado que foi a primeira vez que fui campeão sénior. Estou muito contente pela época que fiz individualmente. Não tem sido fácil conciliar a vida profissional com o futebol, devido a ter um trabalho bastante duro, que influencia a condição física. Um agradecimento a esta equipa, uma família nos bons e maus momentos», confessa Tiago Espírito Santo.
Na «outra família» além da de sangue, que «é mais que um clube», afinal, o que falta para um emblema como o Mosteirense mostrar Portalegre ao país?
«Penso que mais apoios por parte da Federação, também patrocínios. A mensagem que posso passar é que continuemos iguais. Para a nossa realidade, nada tem faltado. Para quem pode, mas não quer ajudar-nos: não nos deixem cair no esquecimento. Procurem saber mais das equipas do interior», remata Rosinha. A voz de capitão.
A festa do FC Mosteirense pelo bicampeonato distrital:
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(Artigo originalmente publicado às 23:51 de 14-05-2019)