Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

«Joguei muitos anos como profissional e tens sempre o bichinho de jogar. E acho que foi também por amizade às pessoas de Alcácer do Sal. Acabei por juntar a amizade ao futebol».

A idade passa. A paixão fica.

Lembra-se de Nandinho, lateral esquerdo do Vitória de Setúbal e um dos obreiros da Taça de Portugal dos sadinos, em 2005, contra o Benfica?

Com 42 anos feitos em outubro, está de volta aos relvados no Alcacerense, nos campeonatos distritais de Setúbal. Oito épocas depois do ponto final na carreira, em 2009, ao serviço dos cipriotas do Alki Larnaca. Problemas familiares precipitariam, então, um adeus precoce face ao desejado.

«Tinha mais um ano de contrato no Chipre, mas depois a minha mãe teve uma doença. Regressei mais cedo a Portugal para estar junto da família, sem saber se ia ou não continuar a minha carreira. Acabei por terminar a nível profissional, ficar por cá [Portugal] e estive um a dois anos a pensar no que fazer».

Nesse intervalo, empregos pontuais, mas o desejo de «arranjar algo ligado ao futebol». Surge, então, oportunidade numa empresa internacional com sede em Portugal, para funções de scouting de jogadores sul-americanos. Entre o trabalho de prospeção do dia a dia, uma nova aventura futebolística.

Em conversa com o Maisfutebol, Nandinho explica os pormenores do regresso.

«Uma vez ou outra, fui fazer treinos com a equipa do Alcacerense e o Paulo Martins, treinador conhecido dos tempos do Vitória e amigo de longa data, fez o convite. Perguntou-me se podia ajudar a equipa. O bichinho foi ficando, fiz a pré-época, acabei por gostar e foi o que ditou a minha inscrição», conta.

A «loucura» em Setúbal e a chamada de Scolari na mira

A carreira de Nandinho confunde-se com Setúbal e o Vitória local. Na margem do Sado, deu os primeiros pontapés na bola - tinha dez anos - e teve os anos de maior glória como profissional, entre 2004 e 2007, com a conquista da Taça de Portugal - a única da carreira e a terceira do clube – como auge.

Os festejos de Nandinho e do V. Setúbal, após a conquista da Taça de Portugal
ao Benfica, em 2005

«O Vitória já não ganhava uma taça há 38 anos. Foi um marco grande. Uma loucura, Setúbal em peso, uma cidade inteira a ir para o Jamor, foi tudo maravilhoso», descreve. Um feito que encadeou, em julho, em Ayamonte, a conquista da quinta e última edição da Taça Ibérica. «Jogámos com o Bétis de Sevilha e ganhámos 2-1, com um golo meu», recorda Nandinho.

Um regresso em grande, apesar de, outrora, terem existido propostas de Espanha e Dinamarca. «Preferi jogar perto da minha família. O meu pai ver-me jogar foi uma das principais razões de ter ido para o Vitória».

Na época seguinte, o clube chegava a nova final da prova rainha, perdida para o FC Porto. Um ano, aliás, em que os setubalenses rasaram a liderança da liga, a dois pontos dos «dragões» e a um do Nacional, à 14.ª jornada. Nandinho não esquece os tempos áureos, a meias com duas participações na Taça UEFA, pesem dificuldades financeiras.

«Tivemos duas finais seguidas, com duas idas à Europa pelo meio. O Vitória de Setúbal projetou-me no estrangeiro. Tivemos situações não muito boas. Acontecia os clubes estarem com salários em atraso. Isto prova o valor que a equipa tinha, a vontade dos jogadores».

Em Setúbal, Nandinho chegou a ser observado pelo então selecionador nacional, Luiz Felipe Scolari, mas nunca seria chamado. «O Scolari esteve a ver jogos no Vitória e aí falou de uma possível chamada para uma posição que a seleção estava a precisar. Acabou por não acontecer. Se acontecesse era ótimo».

Em Vendas Novas pela tropa e o Chipre como ponto de viragem

Nos primeiros tempos como sénior, Nandinho passou pelo Comércio e Indústria e pelo Estrela Vendas Novas. Seguiu-se o Maia, antes do primeiro salto para a liga. Pelo meio, a tropa como ponto de mudança no percurso. «Fui destacado para a tropa para Vendas Novas, acabei por ficar lá a jogar e até dei a subida de divisão».

A Norte, «um período muito bom», vincado pela passagem no emblema do antigo Vidal Pinheiro. «O Salgueiros despertou-me para o futebol profissional, as pessoas eram muito acolhedoras, só não fiquei mais anos porque o clube fechou portas». Daí surgiu o Alverca, pela mão de José Couceiro, técnico que defrontara quando jogou em Paranhos.

Nandinho destacou-se no V. Setúbal, clube da terra, entre 2004 e 2007

Tudo isto antes do regresso ao clube da terra, onde Nandinho esteve três épocas. Tinha contrato com o Vitória de Setúbal até 2008, mas problemas a nível de salários foram «recorrentes». «Já era um dos capitães, falei com as pessoas do clube e prescindi do ano que tinha a mais para uma aventura no estrangeiro».

De Setúbal a Larnaca, quase 3 800 quilómetros em linha reta com… Mário Jardel à mistura. «O Jardel jogava no Anorthosis, tinha ouvido no balneário que estavam a precisar de um lateral-esquerdo e conhecia-me, porque tinha jogado contra ele várias vezes. A pessoa que tratava das coisas do Jardel ligou-me para ir». Tudo acertado, até um volte-face para um destino distinto: até então adjunto do Anorthosis assumiu o comando do Alki Larnaca e levou consigo o jogador português.

Aí, braçadeira de capitão. O inglês a ajudar à comunicação. E vários portugueses no balneário: Chaínho, Mário Carlos, Rui Dolores, Rui Andrade, Edgar, Hugo Machado e Fredy.

«O campeonato ficou mais competitivo com muitos jogadores portugueses. Havia muitos jogadores em final de carreira aqui. Com 30, 31 anos, é a mentalidade de estar a ficar velho. No Chipre, joga-se facílimo. Era um país muito bom. Treinar, era manhã cedo ou ao final do dia. Não se podia treinar com 40 e tal graus. Fomos para a Eslováquia e República Checa fazer pré-épocas porque não podíamos treinar com tanto calor», lembra.

«Há uma série de coisas que um profissional está habituado»

E apesar de não encontrar estas no Alcacerense, elenca mais valores ganhos. «Há outras coisas que tiramos proveito: o que é um balneário, o equipar, as conversas», enumera. Isso, o treinar à noite e um reviver de memórias onde «o principal tem a ver com a amizade e com as pessoas». «Já tive a minha carreira e estou ali porque gosto», diz, consciente.

Nandinho com a camisola do Alcacerense

E o Nandinho, como é visto de fora? «Tem sido positivo, as pessoas já me conhecem: “Olha, o Nandinho está aqui a jogar em Alcácer”. É bastante bom. Ainda jogo, faço jogar, treino bem e não é uma situação de chegar e o Nandinho ter nome», avisa. Até porque tanto «ajuda», como é ajudado.

Em cinco jogos, Nandinho já participou em quatro: o mesmo número de vitórias, a colocar o Alcacerense no segundo lugar da Série B da AF Setúbal. «O objetivo é ficar nos quatro primeiros, dá acesso à subida. É bom para o clube. Alcácer do Sal não é grande, mas as pessoas são boas. O presidente, o João [Ribeiro] é um rapaz novo, com ideias e faz esforços enormes para que o clube continue a competir. O próprio treinador, que é mais novo que eu e o diretor desportivo [Marco Brito]. O Alcácer estava no fundo por outras coisas do futebol, não tinha pessoas e estão a apostar numa realidade diferente», destaca.

Na casa dos 40, Nandinho divide a vida entre a prospeção de jogadores e o futebol distrital. Entre Setúbal e Alcácer do Sal, futebol e jogadores como pontos comuns. «Acabo por estar em contacto com jovens com talento. Às vezes é preciso uma oportunidade. É preciso estar atento e também é esse o trabalho que agora faço no campo».

Entre aptidões idas com a idade, o pé esquerdo e o bichinho da bola como «coisas que ficam para sempre».

*Fotografias cedidas por Nandinho