«Domingo à Tarde» é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«Tinha o sonho de um dia voltar e acabar no clube que me lançou para o futebol nacional, se calhar isso aconteceu mais cedo do que as pessoas estavam à espera.»

Artur, 34 anos. 280 jogos divididos entre a primeira e a segunda divisão do futebol português. Há cerca de ano e meio, e contra todas as probabilidades, decidiu descer ao mundo (des)encantado do distrital e regressar à casa que o viu nascer para o desporto rei. Deixou o Arouca – que nesse ano tinha disputado a Liga Europa e depois acabou por cair, de forma surpreendente, para a II Liga – em 2017 e ingressou no histórico aveirense, ainda ligado às máquinas devido aos problemas financeiros.

Clube histórico do futebol português, o emblema de Aveiro pisou as terras ardentes do inferno em 2015, quando desceu diretamente da II Liga para a segunda divisão distrital da Associação de Futebol de Aveiro. A formação auri-negra deu o primeiro passo da longa recuperação logo na temporada seguinte, quando subiu à Divisão de Elite, mas é lá que se mantém desde então. Entretanto veio à tona a lealdade do experiente avançado, que regressou a casa para dar a mão à equipa do seu coração e tentar puxá-la de novo para a ribalta do futebol nacional.

Agora, o Beira-Mar ocupa a primeira posição do campeonato e é um dos maiores candidatos à subida ao Campeonato de Portugal na próxima época. Artur, esse, tem sido um dos destaques deste percurso, com cinco golos em 12 jogos – um deles um verdadeiro golaço –, e o Maisfutebol foi tentar perceber como é que o «Rei Artur», como é conhecido pelos adeptos do clube, se está a dar neste regresso a casa.

Artur leva cinco golos marcados esta temporada (foto: facebook Beira-Mar)

Em conversa com o nosso jornal, o avançado explica as razões que o levaram a virar costas ao futebol profissional, depois da já referida surpreendente descida de divisão do Arouca à II Liga, para ajudar o Beira-Mar a tentar voltar aos maiores palcos de futebol do país.

«Sempre tomei as decisões pela minha cabeça, não vou pela cabeça dos outros»

«Decidi regressar ao Beira-Mar porque os projetos que me tinham sido apresentados a nível nacional não eram aliciantes para aquilo que pretendia, então decidi dar mais estabilidade à minha família. Juntei o útil ao agradável: estabilizar a minha família e ajudar o Beira-Mar», começa por justificar.

«Tinha projetos para o estrangeiro, financeiramente eram melhores, mas o meu filho também ia entrar para a escola e eu optei por ficar aqui e ao mesmo tempo começar a preparar o futuro devagarinho», acrescenta.

O jogador de 34 anos não esconde que «tinha o sonho de um dia voltar e acabar a carreira» no clube que o lançou para o futebol nacional, mas que «se calhar isso aconteceu mais cedo do que as pessoas estavam à espera». «Sempre tomei as decisões pela minha cabeça, não vou pela cabeça dos outros, e estou satisfeito com o meu regresso ao Beira-Mar», garante.

Com uma vasta experiência no futebol profissional em Portugal, Artur assume que os próprios colegas estranharam a presença dele no balneário quando regressou ao conjunto aveirense: «Notei ao início que me olhavam de maneira diferente, os colegas estavam sempre um bocado reticentes na abordagem, mas rapidamente isso passou porque eles viram que estavam à vontade e que eu estava ali para ajudar e não para complicar.»

Artur ao serviço do Arouca

E os adversários? «Ao nível dos adversários, noto algum respeito na abordagem aos lances, sou uma pessoa conhecida e é normal que haja esse tipo de abordagem», confessa.

O regresso do Beira-Mar aos campeonatos profissionais e o futuro a ser preparado

Em primeiro na Divisão de Elite da AF Aveiro, o Beira-Mar está lançado para o regresso aos campeonatos nacionais. Artur assume-o, mas para já não quer dar um passo maior que a perna.

«O objetivo agora passa por subir de divisão. Pela história e pela dimensão do clube certamente as pessoas quererão subir etapas o mais rápido possível, querem regressar ao lugar que o clube merece e estamos a trabalhar nesse sentido, este ano está a correr bem», diz.

«Vai demorar um bocadinho de tempo até ao Beira-Mar regressar aos campeonatos profissionais (Liga e II Liga). Claro que as pessoas querem subir todos os anos até chegar lá acima, mas isso é um objetivo muito difícil. Acho que as pessoas do clube estão a trabalhar nesse sentido e estão a dar passos seguros para que isso aconteça, se calhar não com a rapidez que as pessoas desejam, mas o mais importante é que os passos estão a ser dados de forma segura.»

Os verdes anos já lá vão e Artur já prepara o dossier do futuro, quando chegar a hora de pendurar as chuteiras. O futebol, esse, é para continuar no vocabulário do dia-a-dia do avançado, ainda que não tão perto das balizas adversárias.

«Quero continuar ligado ao futebol, tenho essa ideia, não quer dizer que vá acontecer ou não, o futuro o dirá. Estou a preparar-me para isso, já tirei o curso de primeiro nível de treinador. Imagino-me a ser treinador, mas não sei se vai acontecer», reitera.

E o fim do ciclo como jogador, é para quando? «Agora estou aqui inserido num projeto que passa por regressar rapidamente aos campeonatos nacionais, depois disso vou analisando como é que me vou sentindo com o passar dos anos e se as pessoas o desejarem continuarei, mas não faço planos a longo prazo.»

«Estou no meu lugar de sonho»

Antecipando-se ao final da carreira, e já longe dos holofotes do futebol português, Artur diz-se satisfeito pelo percurso que trilhou até ao momento e assume que está no «lugar de sonho».

«Quando tu te entregas de corpo e alma enquanto andas nos campeonatos profissionais, só tens de sentir satisfação por aquilo que fizeste e não ficar com mágoa de nada. Orgulho-me da carreira que tive», revela.

«O Beira-Mar é o meu clube, foi o clube que me lançou no futebol, estou na minha cidade, sinto-me bem no clube, sou acarinhado pelas pessoas, é óbvio que pode dizer-se que estou no meu lugar sonho. Apesar do clube estar a viver esta realidade, tenho o enorme prazer de estar a ajudar aquilo que é o renascer do Beira-Mar e sinto-me realmente muito feliz por estar aqui», conclui.

Depois de descer ao inferno, o histórico aveirense tenta agora renascer das cinzas e voltar a ocupar um lugar entre os grandes do nosso futebol. O passado recente não foi fácil, mas o futuro pode muito bem ser prometedor.

Beira-Mar, sorri: o «Rei Artur» está de volta a casa.

[artigo originalmente publicado às 23h50, 4-12-2018]