Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

Esta é a história do amigo de Cristiano Ronaldo que é agora o «galático» do Campeonato de Portugal.

Esta é a história de um jogador que teve o sonho do estrelato ali à porta, mas a quem uma ou outra opção, somando mais uma lesão e até posteriormente a idade, impediu de brilhar na I Liga.

Esta é a história de Hugo Pina, médio de 32 anos, que atualmente representa o Sintrense e que foi um dia uma das maiores promessas da formação do Sporting.

Será que a sua história podia ter sido muito diferente, igual a tantos outros colegas da formação como Ronaldo, Quaresma, Hugo Viana, Beto, José Fonte, Moutinho, entre outros? «Não sabemos, possivelmente sim, possivelmente não», afirma em conversa com o Maisfutebol.

Recuámos então até 1997 quando o Sporting foi resgatar o menino prodígio da formação dos azuis do Restelo por uma quantia recorde.

Era capitão da seleção de Lisboa, internacional jovem português e chegava a Alvalade «cheio de moral», admite. Algo que, à distância de 19 anos, considera ter sido prejudicial.

«Cheguei com muita moral, um ordenado muito bom para quem tinha 15 anos e não tive o cuidado que devia ter, quer a nível de descanso quer de respeito sobre o que é ser jogador de futebol. A isso se deve o não ter chegado lá cima», começa por dizer.

Depois acrescenta: «O facto de ser muito novo, ganhar muito dinheiro, ser internacional, tive muitas facilidades que não me ajudaram a tomar as melhores decisões e a sofrer o que é preciso para ser jogador de futebol.»

E aponta a diferença para os colegas já mencionados: «Eram profissionais, sabiam o que queriam e enquanto não chegaram ao objetivo deles não se desviaram do grande objetivo.»

Apesar disso, Hugo Pina fez a formação restante no Sporting, foi presença assídua na equipa B dos leões em 2003/04 e trabalhou com a equipa principal algumas vezes. «Ao treinar com os melhores estás a um pequeno passo de tornares realidade o sonho de jogares pelo Sporting. Não aconteceu, mas foi uma boa experiência.»

No Sporting B dessa época, ao lado de Moutinho, Djaló, Beto ou Saleiro, jogou muito, mas explica que a realidade dos «bês» nada tem a ver com a de atualmente.

«O Sporting B na altura jogava na II Divisão B e é muito mais difícil para os jogadores darem nas vistas nesses campeonatos com campos pequenos, em que é muito mais na base do grito e da luta do que da qualidade. Hoje em dia, os miúdos do Sporting B, Benfica B, FC Porto B jogam logo numa II Liga e têm campos mais do que suficientes para mostrarem a qualidade que têm e dar nas vistas.»

Para além disso havia outro motivo para os jovens despontarem com menos regularidade: «Há 10, 12 anos havia dinheiro e quando há dinheiro é mais difícil apostar na formação. Hoje em dia há menos dinheiro e, entre aspas, são quase obrigados a apostar na formação.»

Por isso o caminho de Hugo Pina desviou-se de Alvalade e continuou no Olivais e Moscavide.

«O Carlos Manuel conhecia-me do Sporting B, ligou-me a pedir para ir com ele para o Olivais e Moscavide para tentar subir de divisão.»

A equipa lisboeta estava na II Divisão B, só que o talento de Hugo Pina foi o suficiente para captar a atenção de equipas de topo.

«Em janeiro tive logo o V. Guimarães, com o Pimenta Machado, e a União de Leiria, com o João Bartolomeu, em Lisboa em reuniões comigo. Só que no final da época, que me correu muito bem, tive uma proposta muito boa financeiramente, irrecusável, e decidimos ir para o Córdoba.»

O «pai» Soderstrom e a história com Jorge Simão que o quis no P.Ferreira

Assinou pelos espanhóis do Córdoba, clube da II Divisão B (terceiro escalão), em detrimento de subir à I Liga.

«Para além do dinheiro, uma proposta de 9 mil euros mensais numa II divisão B, era um projeto de clube de I Liga, só vivendo aquilo mesmo. Portugal não tem noção do que é o Córdoba, tínhamos jogadores como o Fredrik Soderstrom, que jogou no FC Porto e no V. Guimarães, o Javi Moreno, internacional espanhol, o Pierini que jogou com o Rui Costa na Fiorentina. Tínhamos uma equipa muito boa e um orçamento de clube grande. Juntando isso ao aspeto financeiro, decidimos ir para o Córdoba.»

A questão impõe-se: apesar do muito dinheiro, não terá sido uma opção errada?

«Muitos amigos me perguntam o porquê dessa opção. Possivelmente se fosse para a I Liga, aliás certamente, era mais fácil dar nas vistas, mas assim não foi.»

Estará então arrependido?

«Não me arrependo, tomei-a em consciência com a minha família e empresário. O que é facto é que depois, olhando para a minha carreira passados dez anos vi que podia ser diferente», considera.

Em Espanha encontrou alguém muito especial:

«O Soderstrom foi um pai para mim, até porque falava perfeitamente português. Fui viver para cima dele, ele vivia no 1º andar e eu no 3º, ia com ele para os treinos. Foi como um pai, uma pessoa super hiper profissional, muito amigo do amigo, ajudou-me bastante.»

O sueco, ex-FC Porto e V. Guimarães, quando soube que Hugo Pina tinha rejeitado o Vitória para rumar a Espanha, não acreditou.

«Adorou jogar em Guimarães,  mais que no FC Porto até. Eu até lhe disse que antes de ir para o Córdoba tinha tudo certo com o Vitória e que fui para o Córdoba e ele já me dizia que não devia ter feito isso, não devia rejeitar um clube com o Vitória.»

Um ano e meio depois decidiu regressar porque não estava a ter muitos minutos. Voltou ao Olivais e Moscavide, que já estava na II Liga. O pensamento foi simples: «Achei que o melhor era voltar porque certamente iriam voltar a aparecer os clubes de I Liga, que o meu objetivo era esse. Cheguei ao Olivais e comecei a jogar os jogos todos, apareceu o Estoril e o Estrela da Amadora, só que ao fim de seis meses tive a pior lesão da minha carreira, na cartilagem, e estive oito ou nove meses parado.»

«Depois da lesão aquilo foi por água abaixo», lamentou.

Neste período no clube conviveu com Fábio Paim, uma antítese do amigo Ronaldo (ler mais abaixo a história de amizade entre os dois).

«É o dia e a noite. Um é viciado no trabalho, em melhorar as suas condições, aliado à qualidade que tem e que sempre teve, o outro não, zero futebol, zero perceber o que era ser jogador de futebol», realça.

Antes faz uma ressalva: «Custa-me dizer isso porque é meu amigo pessoal, mas jogava para ele e para as fintas. Ele melhor que ninguém sabe disso.»

Esteve dois anos no Olivais e Moscavide e voltou a Espanha, agora para o Guadalajara.

«Foi uma pessoa de Córdoba que gostou muito de mim e me levou para o Guadalajara. Foi mais difícil, um clube mais pequeno, que tem um diretor ou dois, foi uma experiência diferente. Estava sozinho, tinha acabado de ser pai, tinha um ou dois colegas que tinham estado comigo no Córdoba. Foi diferente.»

Regressou um ano depois para o Ribeirão e seguiram-se Lousada, Oriental, Torreense, Atlético até chegar a Mafra em 2014/15, onde encontrou Jorge Simão e foi campeão do Campeonato de Portugal.

No final dessa época a I Liga esteve mesmo próxima, foi a idade que lhe fechou a porta.

«Quando subi de divisão com o Mafra, o Jorge Simão ligou-me para ir para o Paços de Ferreira, mas o diretor desportivo não deixou, eu já tinha 31 anos. O Simão ligou-me cinco ou seis vezes durante o verão a dizer para não assinar por ninguém que me ia levar para o Paços porque eu tinha qualidade mais do que suficiente para jogar na I Liga. Só que pela idade... O diretor disse que o projeto do clube não era aquele, era ter jogadores jovens e vender. Então não deixou ir.»

No seguimento disso surge a crítica a quem lidera os clubes: «Faz parte do ADN dos diretores em Portugal olhar para os jogadores com mais de 30 anos já como velhice, não sou dessa opinião, mas a prova disso está em Itália, que jogam até aos 40 anos.»

«Sou um galático do Campeonato de Portugal»

Não assinou pelo Paços de Ferreira e assinou pela União de Leiria, recusando clubes de II Liga para jogar novamente no Campeonato de Portugal.

«Encontrei um grande clube. Tivemos o problema no final de época do presidente ter sido preso, mas até à data era um clube super organizado, com todas as condições e mais algumas para os jogadores. Se o Sintrense [que representa agora] é um dos melhores, a União de Leiria é claramente o melhor. Jogar naquele estádio é um sonho, relva boa, que é dificil encontrar nesta divisão. É um clube que tem todas as condições, se se endireitar com a história do presidente, para subir e voltar à I Liga.»

Não conseguiu subir em Leiria, ficou perto de disputar o playoff porque não venceram o Casa Pia nos rounds finais.

Fechou a época e ficou à espera de propostas e eis que surgiu o Sintrense para mais uma temporada a lutar pela subida no Campeonato de Portugal.

«Como digo a brincar com os meus colegas, ‘Sou um galático do Campeonato de Portugal’. Portanto, durante a época é jogo a jogo quando é para arranjar clube é esperar pelo final e fazer a avaliação.»

E continuou a explicação: «Não penso na subida a escalões profissionais até porque subi de divisão com o Mafra, tive proposta para renovar e tive outros clubes de II Liga, mas apareceu a U. Leiria e preferi. Prefiro lutar para subir do que lutar para não descer na II Liga.»

Mas este não é motivo único.

«Para além do desportivo é o financeiro. Neste momento, nos últimos dois anos, até por conversa com colegas meus, o que eu aufiro no Campeonato de Portugal há muitos jogadores que na II Liga não recebem. Juntando a isso o facto de lutar para ganhar em todos os jogos, ir à segunda fase, é muito mais aliciante do que andar a lutar para não descer e para o pontinho.»

Chegou neste defeso ao Sintrense, clube que apontou o objetivo aos dois primeiros lugares da sua série do Campeonato de Portugal para conseguir o acesso ao playoff de subida à II Liga.

Hugo Pina ao serviço do Sintrense

Este domingo sofreu um revés ao perder com o Sacavenense e descer ao terceiro lugar, ficando a dois pontos do adversário que o derrotou e a sete do líder Real.

«Ganhando os quatro jogos que faltam quero acreditar que estaremos na fase de subida», afirmou.

Para o clube que representa pela primeira vez só tem elogios: «É um clube muito estável, que dá todas as condições aos jogadores para se preocuparem apenas com o futebol, neste momento é um clube recomendável e arrisco-me a dizer que é um dos melhores do país a este nível. Treinámos de manhã, o pessoal de Lisboa tem direito a carrinha com gasóleo pago, equipamentos novos, balneários novos, ordenados tudo a dia, nada a apontar.»

Hugo Pina, como já referido, prefere jogar nesta divisão apesar de lamentar os vários campos onde tem de atuar.

«Tirando o estádio do Casa Pia, do Real, o nosso e poucos mais [na série G], o resto é tudo à base de segundas bolas, jogadas divididas. Quando estas equipas [do Campeonato de Portugal] apanham clubes de I Liga na Taça de Portugal e os campos são bons como há qualidade conseguem mostrá-la. Se formos ver um jogo de Campeonato de Portugal o normal é ver pontapé para a frente, bolas paradas, segundas bolas e pouco mais», revelou.

Para quem esteve em Espanha no mesmo escalão não tem dúvidas que são mesmo os estádios a grande diferença:

«É mais profissional, a qualidade é igual. A grande diferença baseia-se nos estádios, nas pessoas que vão ver os jogos. Em Córdoba tínhamos seis ou sete mil pessoas de média a ver os jogos, no jogo de subida estavam 19 mil pessoas. A nível de qualidade de jogadores não vejo muita diferença. Não tenho a menor dúvida, um jogador com um bom campo é diferente.»

As «férias» com Ronaldo na Madeira, pesos nas pernas e siga para a encosta

O estrelato esteve próximo, mas nunca foi realidade. Ao contrário do amigo Cristiano Ronaldo, Hugo Pina não conseguiu chegar ao topo e o próprio reconhece as culpas.

Nem mesmo «a vontade de chegar lá cima» de Ronaldo o fez trabalhar mais. Até o jogador do Real Madrid lamenta isso.

«Ele diz que fui um dos jogadores com mais qualidade com quem esteve na carreira, mas também dos mais brincalhões e que não trabalhava o suficiente para chegar lá cima», conta.

Aliás, isso é até motivo para Ronaldo brincar com Hugo: «Sempre que estamos juntos, ele olha para os meus braços ou para as minhas pernas e diz: ‘Estás magrinho, olha como é que eu estou.’ É isto a vida toda, a brincar com os outros a dizer que temos de trabalhar mais.»

Este «vício pelo trabalho» do Bola de Ouro de 2016 é o mesmo de há 17 anos, quando Ronaldo chegou à equipa de Hugo.

«Ele era mais novo, mas como era muito melhor que os da idade dele passou rapidamente para a formação principal dos juvenis. Chegou ali e parecia o mais velho de nós, a querer marcar as faltas, os penáltis, a refilar com os colegas por não lhe passarem a bola e naquela idade a gente fica: ‘Mas de onde vem este rapaz e o que ele quer?’»

Rapidamente ficaram amigos e as férias de Hugo foram muitas vezes na Madeira. «Férias» é só uma expressão, para Ronaldo é sempre dia de trabalho.

«Passava as férias na Madeira com ele e com a família. Com 30 graus ele metia pesos nos pés e nos tornozelos e lá ia ele encosta acima, a pique para cima e a passo para baixo, a pique para cima a passo para baixo. Aumentava a rapidez, o gémeo e alimentava-se disso. Fazia isto dia após dia, sem descanso praticamente.»

Ronaldo tinha dois ídolos, revela Hugo. Thierry Henry na velocidade e André Cruz na massa muscular. Desde cedo tentou superá-los: «Cresceu a querer melhorar a sua condição física e a sua performance dentro de campo.»

Hoje continuam amigos e ainda há pouco tempo estiveram juntos, numa das pausas internacionais em que Ronaldo veio para a seleção.

Não falam muito, mas a porta do melhor do mundo está sempre aberta.

«Se eu quiser ir a Madrid passar o fim de semana eu ligo-lhe e vou a Madrid.»

Hugo Pina ainda não pensa em pendurar as botas, porque ainda tem vários Campeonatos de Portugal para ganhar, mas já começa a precaver o futuro: vai tirar o primeiro nível de treinador.

Quem sabe o topo seja por esta porta...

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