Domingo à tarde é uma nova rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da Liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, histórias de vida e futebol.

«É como um irmão para mim, mas…»

Futebol à parte.

Patrick Costinha já conta os minutos para a noite de hoje. O sorteio dos oitavos de final da Taça de Portugal colocou no caminho do Real Sport Clube mais um clube da Liga, e logo um 'grande'.

A partida com o Benfica é de importância redobrada para o guarda-redes do emblema de Massamá. Em jogo está a continuidade da equipa na prova-rainha, mas também uma certa paz de espírito fora de campo.

O André não pode ficar a rir-se de mim. Ainda por cima ele é um fanático...»

Apesar de não poder defrontar o amigo, Patrick já está consciente de que irá receber uma “dica” de André Horta, caso o Benfica saia vencedor do jogo. É uma espécie de ritual que conservam desde sempre.

A insinuação parece demasiado exagerada, mas o Maisfutebol encontrou em Massamá mais um elemento da família Horta.

Bem, no fundo é mais ou menos isso.

A fraternité que percorreu os Alpes e desaguou no Sado

Patrick é filho de pais portugueses emigrados na Suíça e quando a adolescência bateu à porta foi em busca de um sonho.

Em Zurique, com os Alpes como fundo, tomou o gosto pelas redes no Grasshoppers. Pela mão de Ricardo Sá Pinto tentou depois a sorte no Sporting, mas perante a impossibilidade de jogar com regularidade nos leões, o jovem cruzou o Tejo e mudou-se para Setúbal.

«No Vitória fiquei um ano sem jogar. Por ser menor de idade, a FIFA não deixou que o clube me inscrevesse. Foi difícil para um menino de 17 anos, só poder treinar. No segundo ano, porém, era titular nos juniores e cheguei a ser até o terceiro guarda-redes dos seniores», contou.

Patrick fez parte de uma geração talentosa da formação vitoriana (foto: arquivo pessoal)

Nas margens do Sado ganhou muita coisa: o sotaque típico daquelas zonas, oportunidades e ainda uma fraternité, uma irmandade.

«Já conhecia os Horta fora de campo. Quando fui para Setúbal convivia com eles e com a família quase diariamente. Passava muito tempo na casa deles, eramos putos, jogávamos consola ou futebol na rua», indicou.

Das ruas de Setúbal aos relvados, tudo se conjugou de forma a construir uma relação duradoura.

«No primeiro ano de júnior estava o Ricardo comigo, temos a mesma idade. O André é dois anos mais novo, mas no nosso segundo ano veio treinar connosco, porque já se destacava no escalão dele», referiu.

Apesar de conviver com Ricardo no clube, o caçula André foi sempre aquele que o marcou mais.

São grandes amigos que tenho para o resto da vida, como irmãos, mas a relação com o André sempre foi de muito carinho, talvez porque inconscientemente via nele o meu irmão mais novo que deixei na Suíça. Sempre fomos muito unidos tal como eles»

Com André, Patrick mantém uma «ligação diária», até pela maior proximidade geográfica, ainda que o último mercado tenha aproximado também Ricardo esta época.

«São muito diferentes, o André é bem mais brincalhão e não tem problema em dizer as coisas. Sempre teve mais confiança. Até chegou a levar uns calduços do meu pai (risos), porque era muito brincalhão e mandava piadas», revelou.

A confiança do jovem fora do relvado, explicou Patrick, transpôs-se para dentro dele, o que fez o mais novo dos Horta destacar-se no meio dos mais velhos.

«Foi uma equipa de juniores histórica, com Vezo, Ceitil, o Ricardo. Ele, mesmo sendo o mais novo, já tinha muita qualidade. Não tinha problemas em assumir o jogo, nem se intimidava com os mais velhos. Ele ouvia, mas se fosse preciso mandava uma boca também (risos)», atirou.

Patrick (2º da direita) nos juniores do V. Setúbal com Ricardo Horta (foto: arquivo pessoal)

Ainda que a irmandade tenha sido deslocada pela vida, o guarda-redes, agora com 22 anos, diz-se «orgulhoso» do trajeto dos amigos, em especial de André.

Antes ele ia a muitos jogos do Benfica com o pai, porque tinham lugar cativo. Era quase obrigatório. Não sou benfiquista, mas fui algumas vezes com eles. Num jogo com o Newcastle (2013) o Benfica deu a volta e eles pareciam maluquinhos ao meu lado, a saltar nas cadeiras e a cantar. Sentem mesmo aquilo»

E é esse fanatismo saudável que faz Patrick brincar com a situação, nas vésperas desse embate para a Taça, onde muito provavelmente será ele o titular na baliza do Real.

«Dava-me mais prazer se o André jogasse, mas pronto, paciência. Se ganhar tenho de manter a postura», frisou, por entre risos.

E ele acredita que é possível.

Foi tomba-gigantes em Massamá e quer repetir a dose

O até já aos Horta aconteceu em 2013, quando deixou o Vitória de Setúbal para rumar ao Amarante.

Seguiu-se uma quase experiência no Mafra, gorada apenas pela contratação de um guarda-redes vindo «à borla» do PSG.

Depois abriu-se a porta do Cova de Piedade, pela mão do antigo colega André Ceitil, reencontrando também o treinador Sérgio Boris.

Na margem sul fez parte da equipa que subiu à II Liga, ainda que não tenha efetuado qualquer jogo, visto que saiu a meio da época para o Real, onde permanece até hoje.

Em Massamá encontrou um grupo «unido», à imagem do que «acontecia no antigo clube», e acredita na possibilidade de fazer nova surpresa na Taça de Portugal.

É que ele já foi tomba-gigantes e quer repetir a dose.

Estou com esperança e acredito que isso possa acontecer. Eles não são extraterrestres e nada é impossível, já o demonstrámos frente ao Arouca. Somos muito unidos. O nosso objetivo é subir de divisão, mas na Taça tudo pode acontecer e o grupo tem vindo a corresponder»

No Restelo, casa improvisada, as águias vão defrontar uma equipa com «um misto de juventude e experiência» que já causou estragos a equipas teoricamente mais fortes nesta edição da prova.

Patrick a festejar a passagem do Real frente ao Arouca na Taça (foto: Lusa)

O Real segue isolado na liderança da Série G do Campeonato de Portugal, com uma derrota e outro empate apenas. Na prova-rainha deixou pelo caminho Rabo de Peixe, São Martinho, Arouca e Olhanense, os três últimos com Patrick nas redes.

Na segunda época com a camisola do Real, o jovem guardião encaixou quatro golos em todas as frentes, metade daqueles sofridos pelo ídolo das balizas, ainda que só tenha realizado cinco jogos.

O Casillas é uma referência para mim e adorava tê-lo apanhado pelo FC Porto, mas ele nem deveria ser titular, por isso preferia o Sporting, por causa do Beto. Afinal nem um nem outro (risos)»

Patrick quer então ajudar o clube a prolongar o bom momento e tentar retirar algum proveito disso, juntamente com os colegas.

«Gostava de fazer a minha melhor época aqui e começar por fazer isso frente ao Benfica. Depois gostava de subir de divisão no final da época e cumprir o meu sonho de chegar aos campeonatos profissionais e depois às ligas de topo», sublinhou.

Quanto ao amigo/irmão André, bem, acertam contas depois do apito final.

«Era um sonho, mas não vou lançar foguetes antes da festa. Vou tentar impedir tudo e mais alguma coisa e espero que os homens da frente resolvam. Ele é como um irmão para mim, mas quero vencer...»

E assim, quem sabe, tornar o sonho Real.

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