artigo original: 01-03-2018 09:14

Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

A fita no cabelo loiro, longo, saltava à vista com a estonteante velocidade e o pé direito perigoso pelo corredor direito. Foi assim da I à II Liga, com Espanha pelo meio. Várias épocas.

Hoje, é no Valadares Gaia que Jorge Gonçalves se afirma como um fenómeno que, a olho nu, raras vezes se vê: o extremo trintão. Aos 34 anos, o português natural de Vila Nova de Gaia vive a primeira experiência num campeonato distrital, após ter saído do histórico Salgueiros na última época. Como tudo surgiu? Eis a resposta.

«Não pensava fazer parte de um projeto de campeonatos distritais. Mas, tendo em conta os projetos profissionais que tenho além da prática do futebol, acabou por ser incompatível com a continuidade no Campeonato de Portugal. No caso do Valadares, a ambição de ter um projeto de subida e a proximidade ajudaram. E os treinos às cinco da tarde. Tem sido uma surpresa agradável», começa por dizer.

Nesta conversa, o Maisfutebol foi ao encontro de quem, rodeado do futebol, hoje joga, estuda e dirige uma escola de formação. De quem procura a terceira subida de divisão na carreira. Isto após tê-lo conseguido por Leixões, da II à I Liga. E no Fafe, do Campeonato de Portugal à II Liga. O Valadares é vice-líder na Série 1 da Divisão de Elite da AF Porto e espreita a subida aos nacionais, já tentada há algumas épocas. Tem 44 pontos e está a dois do líder, Boavista B, que não pode subir.

«É um campeonato a um nível mais baixo, mas bastante competitivo. O facto de estarem equipas B, Rio Ave, Boavista, Varzim, acrescenta qualidade. Existem elementos para o êxito acontecer. Acredito que a possibilidade da subida possa acontecer. Temos trabalhado para isso. As equipas B não podem subir. Estarmos em segundo, é como se estivéssemos em primeiro», expõe.

Leixões, V. Guimarães, Olhanense, V. Setúbal, Feirense, Atlético CP e Racing Santander marcaram dez anos de carreira em ligas profissionais, percurso que notabilizou Jorge Gonçalves, além de passagens por Pedras Rubras – onde despontou como sénior por empréstimo do Leixões – e, recentemente, Felgueiras, Fafe e Salgueiros. Hoje, num escalão oposto, que valor acrescentado por dar um jogador que já pisou os principais palcos? Do Bernabéu ao Dragão?

Jorge Gonçalves contra Defour, num FC Porto-V. Setúbal

«Tento passar o que nos traz até ao dia de hoje. Ganhos, perdas. Todo o jogador de futebol melhora com os anos. Óbvio que vai perdendo algumas competências físicas, mas ganha outras que vão compensando. Tento ajudar os meus colegas. Enquanto me sentir uma mais valia, irei continuar a jogar e só assim irei continuar, não sei outra forma. Tento passar alguma experiência, das minhas vivências e qualidade como jogador», atira quem hoje, pelos flancos, colado à baliza contrária, sabe como agir para fintar o menor poder de explosão.

«A nossa leitura de jogo cada vez é melhor. Podemos estar mais lentos em velocidade, mas mais rápidos na execução. Perceber que aquele lance vai acontecer assim», atira.

Por outro lado, o viver de uma realidade outrora quimera. O futebol de topo dá muito, o regional mostra novidades. «Se colocassem um Ronaldo ou um Messi a bater um livre com as bolas que jogamos no distrital, até se adaptar, iam ter dificuldade », compara. Isso e o piso sintético, com o qual Jorge tem, esta época, primeiro «contacto» regular. «Mas isso faz parte», remata.

Ensino e estudo no meio do jogo

Entre o apetite pelo golo e pelo jogo, Jorge acautela o que muitas vezes é uma incógnita profissional ao fim da carreira de futebolista. Por isso, está a terminar a licenciatura em Educação Física e Desporto, no Instituto Piaget.

«Ao longo de uma carreira de jogador, temos de pensar em algo mais. As carreiras são curtas como atletas e sempre procurei algo mais ligado ao futebol. Faltam algumas cadeiras para terminar o curso. Tenho vindo a fazer ao longo dos anos», conta.

Além do estudo, Jorge também ensina. Dirige, desde setembro de 2014, as Escolinhas do Benfica, em Vila Nova de Gaia, projeto de futebol de formação que conta com 170 atletas dos 3 aos 16 anos.

«Procurei algo ligado ao futebol, mas também a boas marcas. Que proporcionasse boa imagem e qualidade desportiva. Também tenho um projeto com um amigo ligado a uma empresa de agenciamento de jogadores, mas aí vou ajudando naquilo que posso. Verdadeiramente, o que vou tendo é o projeto das escolinhas e acabar o curso, para depois dar continuidade ligado ao futebol, à alta competição. Gosto e queria dar continuidade», revela.

Jorge Gonçalves contra Adrien Silva, num Olhanense-Académica

Fim de carreira? «Consoante o que vai aparecendo»

Com mais de 15 anos de futebol sénior, Jorge Gonçalves não põe um travão nem penduro às chuteiras. Quando saiu do Atlético, em 2015, procurou ter um projeto de II Liga mais perto de casa. Isso ou o ponto final. «Acabei por pensar em terminar a carreira», confessa.

Só que acabou convencido pelo Felgueiras para ajudar um treinador e antigo adjunto, Nuno Pinto, com quem se cruzara no Pedras Rubras. Falhou a fase de subida, mas até acabou por subir na mesma época, já no Fafe. Os anos vão passando, a bola rola e é «consoante o que vai aparecendo».

«Neste momento, não consigo dizer se é o último ano. Se é mais um, mais dois. Depende do momento e dos projetos».

Certa é a eternidade da fita a pôr cobro ao loiro cabelo de quem tantos metros galgou e golos marcou em Portugal, de Norte a Sul.