Domingo à tarde é uma rubrica do Maisfutebol, que olha para o futebol português para lá da liga e das primeiras páginas. Do Campeonato de Portugal aos Distritais, da Taça de Portugal aos campeonatos regionais, história de vida e futebol.

«Temos de começar bem no início, que eu tenho os dados todos na minha cabeça», começou Joeano antes de levar o Maisfutebol numa viagem pela sua bonita carreira.

A viagem do avançado, que aos 38 anos ainda joga em Portugal, no Vigor Mocidade da AF Coimbra, começa na viragem de século, em 1999, no nordeste brasileiro: «Comecei nos juniores do Fortaleza e conheci dois empresários franceses e um brasileiro. Surgiu a oportunidade de representar o Bari, na Itália. Eu fui, fiquei três meses, mas eles não compraram o passe e voltei para o Brasil. Esses empresários acabaram a sociedade e fiquei só com o francês, que disse que havia um clube da primeira liga portuguesa à minha espera», começou por contar.

Iludido pelo sonho português, Joeano atirou-se de cabeça e viajou para Portugal: «Cheguei e não havia nada. Não havia nenhum clube interessado. Não conhecia nada em Portugal, só os grandes. Fui à experiência ao Paços de Ferreira e ao Covilhã mas não fiquei. Depois surgiu a oportunidade na Arrifanense. Na altura o preparador físico era o Vítor Pereira. Eu era muito jovem, 18 anos, não tinha maturidade e não tive grandes oportunidades. O Silva Morais, que depois treinou a Arrifanense quis ajudar-me e falou com o presidente do Esmoriz, e fui para lá. Vim jogar para Portugal para ganhar dinheiro para a minha família e o meu objetivo era esse, e o Silva Morais ajudou-me muito. No meu primeiro ano fiz 7 golos e tive uma lesão grave. No segundo subimos de divisão e fiz 19 golos.»

Joeano conta como conheceu o mais conceituado agente português, que o levou até Espanha: «Fui fazer testes à Sanjoanense e fiquei. Aí levaram-me ao Jorge Mendes e a minha vida mudou. A Académica andava interessada mas o Jorge não quis que eu fosse da Sanjoeanense para a Académica. Fui parar ao Salamanca, mas tinha tudo certo com o Celta de Vigo. Ele pode ouvir esta conversa e confirmar tudo. O Jorge convidou-me para ir ver com ele o FC Porto contra o Celtic na final da Taça UEFA, e num almoço fez-me mudar de ideias e fui jogar para o Salamanca. Não tive sorte. Fui o melhor marcador da pré-epoca e depois lesionei-me com gravidade.»

Depois de várias experiências, algumas bem sucedidas, outras não tanto, Joeano chegou finalmente ao topo do futebol nacional: «O Armando da Gestifute disse-me: «E se eu te arranjar um clube da primeira divisão portuguesa?» Era o meu maior sonho, porque quando se joga nas divisões secundárias só se quer chegar à primeira. Vim para a Académica e fui o melhor marcador da equipa. Foi aqui que a minha vida se transformou a nível desportivo. De um jogador anónimo passei a ser conhecido a nível nacional.»

Citando Zeca Afonso, «Coimbra do Mondego, e dos amores que eu lá tive». Nem Joeano, brasileiro de gema, conseguiu resistir ao encanto da cidade dos estudantes e foi aí que se apaixonou pela atual esposa. Para além dos «amores», em Coimbra fala-se de saudade e é exatamente esse o sentimento que o goleador brasileiro sente ao recordar o período na Académica: «A Mancha Negra é o maior combustível daquele clube, desde a minha geração. Uma vez fizeram um almoço para mim e são adeptos muito fieis. Lembro-me de um jogo com o Marítimo em 2005/06, estávamos a perder 2-0, e se perdêssemos descíamos de divisão. Fiz dois golos e último foi de pénalti aos 80 minutos. O estádio estava cheio, foi a maior lotação de sempre da história do clube. Se falhava o pénalti íamos para a segunda. Foi muito marcante para mim. Lembro tudo com muito carinho e saudade. Conheci a minha esposa aqui em Coimbra, ela é daqui», recordou ao Maisfutebol

O resumo do jogo da manutenção entre a Académica e o Marítimo:

Depois de três anos na Briosa, surgiu uma oportunidade bem distante da Península Ibérica: O Beitar Jerusalem: «Foi espetacular em Israel. Podia ter ido para o Sporting, mas fui para Jerusalém porque me davam outras condições financeiras. Fui treinado pelo Osvaldo Ardiles, que ganhou o Campeonato do Mundo com a Argentina em 1978, capitão do Tottenham. São coisas que me marcam muito. Depois ele foi embora, fizeram-me coisas que não estava de acordo e voltei para a Académica.»

«A voltar, seria sempre a Académica. Acho que quando temos carinho pelos clubes, tentamos fazer ao máximo para que o clube não gaste. No primeiro ano nem pedi salário», adicionou.

Joeano é um homem de grande maturidade, com os pés bem assentes na terra e aconselha os jovens jogadores: «O que eu vejo é que os pais querem todos que os filhos sejam o Cristiano Ronaldo. Tentam algo que dê dinheiro a curto-prazo. Mas o futebol é como um funil: muitos entram, mas poucos caem no buraco. O mais importante numa escola de futebol é formar homens para a sociedade. Se derem jogadores, muito bom, se não derem, temos um grande homem para a sociedade, que é o mais importante.»

O goleador brasileiro voltou a espalhar magia noutro campeonato europeu, no Chipre, onde apontou 44 golos ao longo de duas temporadas, dados que o próprio sabia de cor e salteado. «Foi fabuloso no Chipre, só regressei a Portugal porque o meu filho ia começar a primária.»

Já com 33 anos, Joeano voltou a relançar a carreira a todo o gás no Arouca, onde destaca a ambição do presidente, Carlos Pinho, e do treinador que conseguiu a subida, Vítor Oliveira:  «Quis voltar à Académica, mas eles não quiseram que eu regressasse. Fiquei triste. O presidente do Arouca fez-me uma proposta aliciante, quer financeiramente, como o projeto. Então eu fui. Ele disse: «Nunca subimos mas vamos conseguir». Na primeira época fiz 19 golos. Quem começou a época foi o Henrique Nunes, mas no futebol a corda quebra sempre no treinador. Depois veio o Vítor. Tenho uma admiração muito grande por ele, quer como homem como treinador, mas chocávamos muito, em termos de feitio. Se não fosse aquele líder, com aquele plantel jamais subiríamos de divisão. As pessoas falam porque fiz mais de 40 golos em dois anos, mas se não fosse eu, seria outro. São os dois momentos marcantes da minha carreira: o jogo com o Marítimo com a Académica, e a subida no Arouca.» 

Depois da subida, «as coisas não se encaminharam para ficar no Arouca». Joeano diz que «se fosse destino, tinha ficado». Surgiu o Rio Ave, orientado por Nuno Espírito Santo. Já com 35 anos, o avançado continuava na elite do futebol nacional.

Em 2015/16, o brasileiro mergulhou novamente no futebol não-profissional, e assinou pelo Anadia. «Fui feliz, é um clube simpático e tenho carinho lá por muitas pessoas. Depois fui para o Leiria, a época correu mal porque não subimos. Depois o Pampilhosa. Fiz muitos golos mas descemos de divisão. Foi a mancha na minha carreira. Aí até fiquei dois meses suspenso. O massagista do Nogueirense foi racista comigo. No fim do jogo fui perguntar o porquê daquelas palavras. Joguei tantos anos futebol e ainda tinha de ouvir aquilo? Ele atirou-se para o chão. Até hoje tenho as imagens. Nunca agredi ninguém nem ofendi dentro de campo».

Joeano sabe de cor quantos golos fez ao longo da carreira: «Na minha lista em casa conto 228 golos, mas não ponho os das distritais, porque o nível de exigência não é o mesmo.»

Sobre a razão de continuar a jogar tantos anos, Joeano dá a mais pura e bonita das razões: «É o gosto de jogar, a paixão. Reclamamos muito na vida e não sabemos agradecer. O futebol abriu-me todas as portas.»

Como tudo na vida tem um fim, o avançado adiantou que esta será a sua última temporada: «Quero ajudar o Vigor Mocidade na manutenção. Mas esta é a minha última época. Recebi um convite da terceira divisão espanhola, mas esta é a última. Não me vejo mais a jogar. Vai ser um enorme sofrimento. Mais de 20 anos no balneário todos os domingos. Foi a minha vida.»

O futuro? Treinar. Joeano já tirou o primeiro nível de treinador, e quer continuar a avançar nos estudos para poder ser realizar um novo sonho: «A minha vida é o futebol. Já tirei o primeiro nível de treinador porque quero sempre ficar ligado ao futebol. Se fosse trabalhar para o talho, cortava um dedo. Tenho que estar ligado ao que sei. Não sou um «expert», mas acho que percebo alguma coisa. Há muitos jogadores que acham que percebem de futebol, mas só de jogar, e alguns nem isso.»

Questionado sobre se sonhava, um dia, treinar a Académica ou o Arouca, Joeano respondeu, como sempre, bem disposto e humilde: «Temos tantos sonhos na nossa vida, mas sempre aprendi uma coisa: se sonhar tão baixo, baixa vai ser a recompensa. Mas se sonharmos alto, um dia terei aquilo que sonhei. Não sei o que o dia de amanhã me reserva, mas com a minha dedicação, profissionalismo e empenho, se esses forem ingredientes suficientes para um treinador chegar ao maior patamar, pode ter a certeza que vou chegar.»

Em quase 40 minutos de conversa com o Maisfutebol, muito ainda ficou por contar, mas se calhar ficará para uma próxima oportunidade, quem sabe quando Joeano for treinador.