*Com Nuno Madureira

Para a história será sempre o play-off de Cristiano Ronaldo. Nada a opor. Afinal, ele marcou os quatro golos de Portugal à Suécia e descobriu o caminho para o Brasil. Mas o Maisfutebol tentou perceber o imenso resto, tudo aquilo que permitiu à seleção nacional controlar o adversário em quase todos os momentos dos dois jogos e tentar desequilibrá-lo. O trabalho de muita gente, em muitos momentos, sem o qual não seria possível estar no sorteio do Mundial 2014, esta sexta-feira, na Bahia.

O dia do sorteio

No minuto a seguir ao fim do sorteio, a 21 de outubro, começou o trabalho da equipa técnica e de observação da seleção nacional. Havia cerca de três semanas pela frente. Na comitiva da seleção costuma viajar Sérgio Costa, identificado pela Federação como «observador», mas há mais duas pessoas que contribuem para a análise.

Os vídeos, bem como todo o trabalho de documentação sobre os adversários da fase de grupos, eram passado. Assim que piscou o nome «Suécia» era preciso andar depressa e, em pouco tempo, juntar o material indispensável à análise do adversário nórdico. A Suécia era uma folha em branco que necessitava de ser preenchida.

Por se tratar de um play-off não existia qualquer possibilidade de ver a Suécia ao vivo. Restavam os vídeos. A equipa da Federação rapidamente juntou vários jogos dos suecos na fase de grupos. Olhou para todos eles e procurou padrões.

Como sempre neste tipo de trabalho, identifica-se a forma organizada de defender, de atacar e as reações à recuperação e perda de bola. Além das bolas paradas. Os seis momentos do jogo: organização defensiva, organização ofensiva, transição defensiva, transição ofensiva, mais as bolas paradas defensivas e ofensivas.

As observações a equipas adversárias dão sempre origem a relatórios detalhados, com várias páginas. Além dos aspetos coletivos, haverá também notas individuais. Como espécie de conclusão, a parte final do documento deixa as primeiras pistas sobre o que fazer para contrariar os pontos fortes do adversário. E aproveitar as suas debilidades. A sintonia de pontos de análise entre observadores e técnicos de campo tem de ser absoluta. Na seleção, é sobre estes relatórios que começa o trabalho da equipa chefiada por Paulo Bento e composta por Leonel Pontes, João Aroso e Ricardo Peres.

A fase seguinte é estabelecer um plano estratégico e traduzir o que se pretende em exercícios de treino. Nos clubes existe todo o tempo do mundo. Nas seleções as oportunidades de trabalhar com todo o grupo são escassas. Ter tudo preparado ao detalhe é fundamental. E preparado já de acordo com aquilo que se pretende conseguir no jogo. Com a Suécia não foi diferente.

Em todas as equipas, as informações para o grupo são passadas no campo, durante os treinos, e em palestras. O que há de mais importante é coletivo. Mas em muitas ocasiões a observação dá também origem a pequenos vídeos sobre jogadores adversários. Em jogos desta relevância, com clubes ou seleções, esse hábito é respeitado. Os jogadores recebem pequenos excertos vídeos de um determinado adversário, com quem provavelmente vão cruzar-se com mais frequência, documentando as suas ações específicas mais relevantes. De resto, na entrevista ao «Record», Paulo Bento foi claro: «A preparação tinha muito a ver com a forma como nos preparávamos para todos os outros jogos».

Como jogava a Suécia

A observação de vários jogos dos suecos permitiu definir padrões. Foi um trabalho que o jornalista do Maisfutebol, Nuno Travassos, também fez. Por vezes, o talento individual dos jogadores adversários aumenta o grau de imprevisibilidade do seu jogo. No caso da Suécia a variedade de soluções não era grande. Pelo contrário, um dos pontos fortes parecia ser a coerência do jogo da equipa de Erik Hamrén.

A equipa estruturava-se em 4-4-2, por vezes com o segundo ponta-de-lança recuado em relação à estrela da equipa, Ibrahimovic. Era assim sobretudo a defender. A Suécia, em função de futebol direto, não precisava de ganhar a linha de fundo. Os extremos não eram de ir à linha, procuravam mais o jogo por dentro e os cruzamentos «rápidos», sem grande trabalho para conquistar espaço. Muitas vezes a partir da entrada da grande área, às vezes até mais atrás. Futebol direto? Sim, em parte.

Na análise foi também detetado que os defesas centrais suecos sentiam alguma dificuldade quando tinham de jogar um pouco mais subidos e raramente dobravam nas laterais. Esse trabalho ficava para os alas ou para os médios-centro. Eram fortes nas bolas paradas defensivas e ofensivas. Os laterais não subiam muito no terreno e, com os alas metidos para dentro, poderia haver espaço para João Pereira e Fábio Coentrão. Como se confirmou no primeiro jogo.

O tempo limitado de trabalho

O trabalho de análise do adversário termina. Segue-se o trabalho de campo. Os jogadores começam a chegar e os primeiros dias são de recuperação do esforço do fim-de-semana e de avaliação da situação clínica/física de cada um. Foi isso que foi visto pelos jornalistas que acompanharam a seleção em Óbidos. Depois de um fim-de-semana nos clubes, chegam em diferentes estados. Uns jogaram, outros nem por isso. É necessária uma atenção particular a cada um dos 24 convocados.

O facto de o grupo de convocados da seleção manter um núcleo duro permite aumentar a estabilidade. As rotinas são um bem. Todos os selecionadores tendem a ser um pouco conservadores, porque além dos aspetos de confiança individual isso lhes permite ganhar tempo de trabalho. Por isso, normalmente dois dias é o tempo utilizado a trabalhar em campo as questões táticas, com os jogadores. Neste caso, quarta e quinta-feira. Duas sessões.

No planto tático, com Ibrahimovic do outro lado, uma das prioridades seria desligar o eixo direto para o avançado do PSG. Um papel que ficou entregue a Miguel Veloso, em articulação com os defesas centrais, Pepe e Bruno Alves. Logo nos primeiros dias o tema foi abordado pelos futebolistas portugueses. Eles sempre disseram que fundamental para conseguir parar Ibrahimovic era não permitir que a bola lá chegasse. E de facto ele só pareceu em duas bolas paradas. Em 180 minutos, nada mau.

Logo no dia do sorteio, Paulo Bento chamou a atenção para um aspeto: o facto de jogar a segunda partida fora significaria um treino «a menos» antes do jogo decisivo. Na prática, isto obrigava a trabalhar em Óbidos as possíveis soluções alternativas a utilizar na Suécia. Quando se joga fora, nunca existe a certeza de quem está a ver o treino, no estádio. Por isso nada de relevante, do ponto de vista tático, é trabalhado.

A altura dos jogadores da seleção sueca foi tema diário. E era uma realidade, que levantava obstáculos quando era preciso atacar e gerava ameaças nas bolas paradas defensivas. Uma das soluções em função da altura dos suecos podia ser o canto curto, para criar instabilidade. Quando esta opção é utilizada, o objetivo é criar instabilidade na forma de defender, retirar um pouco os homens grandes da frente da baliza. Nem toda a estratégia está destinada a resultar: na prática, os suecos não foram na conversa. Sentiam-se bem à frente do guarda-redes, foi ali que esperaram pela bola. Ficou a ideia.