A expectativa cresceu depois de uma qualificação dominante, mas amenizou perante um exigente grupo no sorteio, e os resultados irregulares em particulares. A Arábia Saudita foi a história de sucesso da Ásia na terceira fase de qualificação, liderando um grupo difícil enquanto fazia crescer a nova geração. A realidade veio ao de cima, contudo, após quatro jogos sem vencer frente a adversários do continente americano (derrotas por 1-0 com Colômbia e Venezuela, em junho, e empates sem golos contra Equador e EUA, em setembro).
Apesar destes últimos resultados, e ainda que os falcões verdes estejam no grupo da Argentina de Messi, da Polónia de Lewandowski, e do México, sempre candidato a surpreender, não desmotivam o treinador Hervé Renard. «Ainda que estejamos num grupo difícil, temos de ser ambiciosos», disse à FIFA, antes do seu segundo Mundial, depois de ter comandado Marrocos na Rússia. «Ir para o Mundial sem ambição não faz sentido. Temos de nos superar, acreditar que temos uma oportunidade e esforçar-nos ao limite.»
O afável Renard – que venceu a CAN duas vezes, com Zâmbia e Costa do Marfim, para além de uma estadia incongruente no Cambridge United – alterou ligeiramente a tática para esses particulares, alternando do 4x2x3x1 estabelecido para o 4x3x3.
Se as lesões o permitirem, a energia virá dos excecionais laterais Yasser Alshahrani e Sultan Al Ghanam, o controlo do meio-campo pelo ícone do Al Hilal, Salman Alfaraj, e a inspiração ofensiva do fantástico extremo Salem Aldawsari. O elo imprevisível da equipa é o mágico do Al Nassr, Sami Alnaji.
Há muito talento, assim como crença de que a repetição da prestação até às fases a eliminar do Mundial 1994 seja possível.
Os feitos impressionantes em África fazem dele o escolhido para liderar os sauditas, depois de Juan Antonio Pizzi ter ficado aquém das expectativas no Mundial 2018 e na Taça Asiática no ano seguinte. Um início lento – liderado pelo empate (2-2) frente ao Iémen, na qualificação, em setembro de 2019 – deu lugar à consistência na terceira fase de qualificação. A equipa de Renard venceu o grupo B, batendo o Japão e Austrália, fazendo surgir jovens como Abdulelah Al Amri, Abdulelah Al Malki, Firas Al Buraikan e Al Najei. A presença regular do francês nos jogos da liga saudita e um evidente desenvolvimento em campo mostram que o país está em mãos capazes.
Do “Tornado” espera-se um rasto de devastação no Grupo C, se a recuperação de uma apendicite o permitir. Cimentou o estatuto depois de marcar o golo da vitória frente ao Egito, no Mundial 2018, e tem marcado regularmente pela seleção nos torneios continentais. O jogador de 31 anos inspirou o antigo colega no Al Hilal, Bafetimbi Gomis, a tweetar uma fotografia dos dois, juntos, depois da icónica exibição frente ao Al Nassr, na Liga dos Campeões asiática, com a descrição: «Uma fotografia muito representativa da admiração que tenho por ele. O melhor jogador asiático.»
Muito mudou desde a insatisfatória prestação no Mundial 2018. Tirando o ataque, onde reina ainda a incerteza. Diferentes opiniões fazem pressão por Albrikan, do Al Fateh, e por Saleh Alshehri, do Al Hilal. É o primeiro que é apontado à titularidade frente à Argentina, mas não deve ser subvalorizada a influência do segundo vindo do banco. É um jogador altruísta e um finalizador subvalorizado, cujo estatuto de “eterno suplente” no Al Hilal desvia atenções. Os impressionantes sete golos em 13 jogos, na qualificação, contam a sua própria história, incluindo tentos importantes frente a Omã, Vietname e China.
A Arábia Saudita está agora mais próxima do Qatar, depois da crise GCC (2017-2021), que motivou um corte de relações adotado também por Emirados Árabes Unidos, Bahrain e Egito. No ano passado a declaração Al-Ula trouxe um ponto final a esse capítulo de história regional. O futebol teve um papel simbólico, com a participação da Arábia Saudita na Taça do Golfo Árabe em novembro de 2019, que contribuiu para uma melhoria nas relações. «Hoje temos inacreditáveis, fantásticas relações com o Qatar», disse o príncipe Mohammed bin Salman em março. «O Sheikh Tamim é uma pessoa fantástica, um líder fantástico.»
Quando o mundo pensa na seleção da Arábia Saudita, não pensa no recordista de golos (72), Majed Abdullah, ou no recordista de presenças, o guarda-redes Mohamed Al Deayea (178). A memória vai para um dia de calor de 1994, no RFK Stadium, em Washington, e no momento icónico de Saeed Al Owairan. O avançado furou as linhas belgas para marcar um dos melhores golos individuais da história dos Mundiais. Embora alguns problemas fora dos relvados tenham feito com que só aparecesse esporadicamente no Mundial 1998, o antigo jogador do Al Shabab ganhou um lugar especial na história do futebol saudita. Este afeto duradouro ficou bem patente em agosto, quando se soube que tinha estatuto de “FUT Hero” na edição do FIFA 2023.
Textos de Matt Monaghan, que escreve para o sport360.com