23 de setembro de 2000. O jovem José Mourinho, 37 anos, estreia-se como treinador principal num Boavista-Benfica truculento. Jogo duro, feio, a apelar ao exorcismo de todos os tipos de apatia e falta de sangue. Aos dois minutos, Duda, um brasileiro com passagens discretas por Benfica e FC Porto, marca o único golo do jogo. Mourinho entra a perder e sai chateado.
«Tivemos três dias de trabalho, o que é ridículo. Não deu para nada! A nossa grande pecha foi ao nível do passe, mas já sabia que iria ser assim. As saídas dos laterais também não foram muito perfeitas (…). Não acredito em chicotadas psicológicas, mas em chicotadas metodológicas.»
Eis o primeiro ‘onze’ escolhido por Mourinho enquanto treinador principal: Enke; Dudic, Paulo Madeira, Ronaldo e Rojas; Fernando Meira e Maniche; Carlitos, Poborsky e Sabry; Van Hooijdonk. A primeira substituição foi feita aos 56 minutos: saiu Dudic e entrou Calado.
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3 de dezembro de 2000, menos de três meses depois de chegar à Luz. José Mourinho senta-se pela última vez no banco do Benfica e conduz as águias a uma vitória por 3-0 no dérbi eterno. Pierre van Hooijdonk abre as hostilidades de penálti, João Tomás bisa e é o herói da noite. O conto de fadas virou história de terror alguns dias mais tarde. Mourinho exige que Manuel Vilarinho lhe renove o contrato, o presidente do Benfica recusa e contrata Toni. A 5 de dezembro, Mourinho sai.
«Dissemos à direção do Benfica que só continuaríamos se renovássemos o contrato por mais uma época. Esta forma de pressão não foi aceite por Manuel Vilarinho.A renovação não implicaria nem mais um escudo. A recusa foi uma prova de pouca confiança no nosso trabalho. Assim, fizemos aquilo que já tínhamos pensado há algum tempo: deixar espaço para a direção poder gerir melhor os interesses do Benfica.»
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20 jogos na União de Leiria convencem o FC Porto a contratar José Mourinho. A ideia inicial, revela mais tarde Pinto da Costa, passa por levar o treinador para as Antas no final da temporada 2001/2002. Mas não há tempo para esperar mais. A situação de Octávio Machado degrada-se a cada jogo e uma reunião pouco secreta na Mealhada sela a união. Mourinho assina pelos dragões e prepara-se para conquistar a Europa e o Mundo do futebol. Em Leiria deixa um rasto de sabedoria e extraordinários resultados: 9 vitórias, 7 empates e 4 derrotas, com um saldo de 6 vitórias/2 empates nos últimos 8 jogos. O homem é mesmo especial.
O dia 4 de maio de 2003 entra na história de José Mourinho. O FC Porto goleia o Santa Clara por 5-0 e o treinador é campeão nacional pela primeira vez na, então, curta carreira. Maniche, Derlei a dobrar, Deco e Hélder Postiga fazem os golos da equipa que domina de ponta a ponta o ano desportivo em Portugal. Nas semanas seguintes, Mourinho e o seu FC Porto juntariam ao 19º campeonato azul e branco a Taça de Portugal e a Taça UEFA. José Mourinho passa a ser o 17º treinador português a ganhar o mais importante título nacional e já fala da forma que o tornou famoso.
«Próximo ano? O presidente prometeu-me uma equipa de qualidade para lutar pelo título e pela Liga dos Campeões. Gostava de continuar. Sem brincadeiras, espero ficar. E agora prometo que vamos fazer o jogo das nossas vidas contra o Celtic.» Assim foi.
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21 de maio de 2003, Sevilha a arder com quase 40 graus e uma equipa que sua futebol por todos os poros. José Mourinho e o seu FC Porto recolhem o justo reconhecimento internacional numa final da Taça UEFA inesquecível e só resolvida no prolongamento. O FC Porto começa a ganhar (Derlei), o Celtic responde (Larsson), os dragões voltam para a frente (Alenitchev) e o Celtic empata mais uma vez (Larsson). No prolongamento, é o inesgotável Derlei quem aproveita um ressalto nos corpos de Marco Ferreira e do guarda-redes Rab Douglas e atira para o 3-2 final. José Mourinho ajoelha-se e celebra o primeiro troféu europeu da carreira. A imagem é icónica.
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Mais uma experiência nova: campeão no hotel. É véspera de 25 de abril, o FC Porto está concentrado para jogar no dia a seguir contra o Alverca, mas um golo de Alhandra (União de Leiria) abate as derradeiras e ínfimas esperanças do Sporting em chegar ao título. José Mourinho abre o champanhe, sabendo já que vai disputar, semanas mais tarde, a final da Liga dos Campeões. Já não há volta a dar: os tubarões europeus abrem a boca para agarrar Mourinho e as principais figuras de um enorme FC Porto. «Quem ganha quer ganhar sempre mais. Este é mais um título e ser campeão é fantástico», atirou o sempre ambicioso Mourinho no olho do furacão da festa azul e branca.
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Na Invicta, todos decoram o estranho nome da cidade alemã: Gel-sen-kir-chen. O FC Porto esmaga o Mónaco por 3-0 (Carlos Alberto, Deco e Alenitchev) e José Mourinho toca o céu. O sorriso, porém, já não é o mesmo de Sevilha. O treinador revela uma postura mais contida, sem a euforia do ano anterior, mas há uma boa explicação para a aparente frieza: Mourinho já sabia que a final da Liga dos Campeões seria o último jogo ao serviço do FC Porto, pois os milhões acenados pelo dono do Chelsea eram demasiado apelativos. «Há conversações com o conhecimento do F.C. Porto, com o F.C. Porto. Tudo será resolvido nos próximos dias, vamos ainda falar. Não tenho nada assinado por que ainda tenho contrato com o F.C. Porto. Não confirmo nada, mas há clubes interessados e vontade de sair.» Aí vai ele a caminho de Londres, pronto para ser blue.
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Não era caso para menos. O treinador da moda justificava mundos e fundos em 2004. Campeão da Europa, jovem e bem parecido, carismático. José Mourinho conquistou Roman Abramovich e o magnata russo ligou os motores do seu iate de luxo e rumou ao porto de Leixões. O aparato em Matosinhos foi digno de um filme de James Bond, com pessoas a acotovelarem-se na Rua Heróis de França e na Avenida Eng. Duarte Pacheco, ali mesmo ao lado da foz onde o rio Leça beija o Atlântico. Abramovich e Peter Kenyon, diretor geral do Chelsea à altura dos acontecimentos, selam o negócio e José Mourinho é oficializado nos londrinos a 1 de junho de 2004. No dia a seguir, nasce a era do Special One. «Não sou obsessivo em relação ao futebol. Adoro futebol desde sempre. Entendo a evolução do mesmo. Não acredito em velhos e novos treinadores, mas sim em bons e maus. Não quero ser a imagem dos novos treinadores. Sou campeão europeu. Especial? Sim, por isso penso que sou especial.»
1955-2005. Meio século à espera de um campeonato que só chegou por culpa da competência única de José Mourinho. O português cria a imagem de vencedor imbatível, tudo em que toca torna-se ouro. O primeiro ano em Inglaterra dificilmente podia ser melhor. Em 38 jogos da Premier League, o novo Chelsea só perde um. Paulo Ferreira e Ricardo Carvalho são dois dos dragões que transitam para Stamford Bridge com o treinador. José Mourinho torna-se um mito para os adeptos blues e até ao verão de 2007 é um nome praticamente unânime.
«O Avram Grant vai ser tão bem recebido como a Camilla no memorial da Diana.» A frase ficou famosa no dia em que José Mourinho foi despedido do Chelsea e o clube indicou Avram Grant, o adjunto israelita, para sucessor. Pat Nevin, antigo atleta do clube, foi o autor da tirada. O cenário era inverosímil, difícil de antecipar e aceitar. Depois de três anos em lua-de-mel permanente, o início da quarta temporada foi modesto, muito modesto. Uma derrota contra o Aston Villa e empates sensaborões diante do Blackburn e do Rosenborg apressam o divórcio. «Sinto-me orgulhoso pelo trabalho que fiz no Chelsea e penso que a minha decisão de vir para Inglaterra, em Maio de 2004, foi excelente. Foi um período bonito e rico da minha carreira. Quero agradecer a todos os adeptos do Chelsea por aquilo que acredito ser uma história de amor sem fim.» Mourinho estava certo. A sua história com o clube não morria ali.
3 de junho de 2008, ciclo novo na carreira de José Mourinho. Próxima paragem, Milão. O treinador aceita o desafio (duro) de devolver o Inter às vitórias internacionais – o clube não ganhava a Liga dos Campeões desde 1965 e a Taça UEFA desde 1998 - e manter o domínio em Itália. «Cheguei a um clube especial e num clube assim o treinador é mais um. Acho que sou um grande treinador, mas não quero ser especial», disse o português no dia da apresentação no emblemático San Siro. Num italiano perfeito.
Tinha de ser com José Mourinho. 45 anos depois da anterior vitória na mais importante prova europeia de clubes, o Inter surpreende o Velho Continente e derrota o Bayern Munique a 22 de maio de 2010, no Santiago Bernabéu – aquela que viria a ser a sua próxima casa. As imagens do treinador abraço a Marco Materazzi, já no exterior do estádio, correm mundo e simbolizam o espírito extraordinário daquele Inter construído entre 2008 e 2010. Um Inter que foi capaz de convencer Samuel Eto’o a fazer de lateral direito num famoso jogo contra o Barcelona. José Mourinho tornou-se apenas no terceiro treinador a vencer a Liga dos Campeões por dois clubes diferentes e garantiu o triplete: Champions, campeonato e taça. Um 2010 perfeito.
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Na noite em que ganha a Liga dos Campeões, José Mourinho abre a porta ao Real Madrid e deixa um pedido ao compatriota mais famoso, Cristiano Ronaldo. «Em princípio vou para lá. Apoio do Cristiano? O único apoio que vou querer dele chama-se golo. Muitos golos.» A 31 de maio de 2010, a apresentação em ambiente de apoteose. O maior clube do mundo, afirma o Real, passa a ter o melhor treinador do mundo e o melhor jogador do mundo. Manuel Sanchis, velha glória blanca, avisa que o Real é um «clube complicado», mas o otimismo de Mourinho é inabalável: «Podemos conseguir títulos já na primeira época. Bonito não é estar no Real, mas sim ganhar pelo Real.»
O Real Madrid de José Mourinho jogou 11 vezes contra o Barcelona de Pep Guardiola – para muitos a melhor equipa de sempre – nos três anos do português em Espanha. Mourinho ganhou só duas vezes (uma na final da Taça do Rei e uma no campeonato 2011/12), Pep ganhou cinco e ainda houve quatro empates. Em títulos, Mourinho agarrou um campeonato, uma Taça do Rei e uma Supertaça. Se nos lembrarmos quem estava do outro lado, o registo acaba por não ser mau, apesar de insuficiente para a exigência do gigante de Madrid.
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O único campeonato ganho por José Mourinho em Espanha aconteceu na temporada 2011/2012. 100 pontos para os homens de Mourinho, 91 para o Barcelona de Pep Guardiola, 50 golos de Lionel Messi (!) e 46 de Cristiano Ronaldo. O treinador vence o título no quarto país diferente e imita o registo de outros nomes históricos: Ernst Happel, Tomislav Ivic e Giovanni Trapattoni. «Este título não nos foi oferecido por ninguém. Fizemos muitos pontos e isso é uma loucura. Produzimos futebol de alta qualidade. Agora temos de celebrar. Estes jogadores merecem-no, foi o título mais difícil de ganhar na minha carreira. E já tenho sete.»
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O ar em Madrid torna-se irrespirável, culpa de um balneário contaminado por egos insufláveis e de um Barcelona muito competitivo, e José Mourinho deixa de ter condições emocionais de continuar no clube. A relação acaba no final da terceira das quatro temporadas de contrato, numa altura em que a relação profissional com Iker Casillas e Cristiano Ronaldo, dois dos donos do balneário, já não era boa. José Mourinho precisa de voltar a ser feliz e rejeita o provérbio que nos aconselha a não regressar a esses locais que tão bem nos fizeram. A 3 de junho de 2013, o Chelsea oficializa o treinador português. O bom filho a Stamford Bridge torna.
A segunda passagem pelo Chelsea não é tão profícua como primeira. Ainda assim, José Mourinho conquista a Premier League em 2014/15. É, de resto, o último campeonato ganho pelo português até agora. Pouco a pouco, o entusiasmo dos primeiros tempos esvai-se a meio da temporada 2015/2016, Mourinho é demitido pela segunda vez do emblema londrino. O Chelsea diz em comunicado que o técnico tinha problemas com os atletas. A verdade é que o treinador renovara em agosto de 2015 por quatro temporadas e foi oficialmente despedido a 17 de dezembro. Quatro meses depois.
David Moyes durou uma temporada, Louis van Gaal esteve dois anos e nenhum foi capaz de lidar com o fantasma de Sir Alex Ferguson. A direção do Manchester United acreditou que só um treinador com o peso mediático de José Mourinho seria capaz de ultrapassar, em definitivo, a herança quase envenenada deixada pelo escocês. Nada feito. Apesar de alguns bons momentos – a vitória na Liga Europa, por exemplo -, a relação não dura mais do que dois anos e meio. A 18 de dezembro de 2018, novamente perto do Natal, o treinador sai de Old Trafford. A assombração de Ferguson passou a atormentar Ole Gunnar Solskjaer. Até hoje.
2003, Sevilha – 2017, Estocolmo. 14 anos depois, José Mourinho ganha novamente a segunda prova de clubes mais relevante da UEFA. 2-0 contra o Ajax, golos de Paul Pogba e Mkhitaryan. Para acabar a primeira temporada no Manchester United, José Mourinho não podia pedir muito mais. Os red devils estiveram, porém, sempre muito longe dos rivais da cidade, o City. Em 2017/18, o United até consegue o vice-campeonato, mas acaba a prova a 19 pontos dos homens de Pep Guardiola. Sim, o catalão volta a entrar nesta história.
Esta é uma entrada que ainda se está a escrever. O que será capaz de oferecer José Mourinho ao Tottenham? Pela primeira vez desde a sua chegada ao FC Porto, o treinador está num clube que não, historicamente, candidato assumido ao título nacional. É verdade que os Spurs têm muitos adeptos, um estádio fabuloso, dinheiro para investir, mas está há demasiado tempo sem vencer nada. E nem a presença na final da Liga dos Campeões em 2019 parece ter vindo alterar este estatuto. Os londrinos não ganham o campeonato desde 1961, a FA Cup desde 1991, a Taça da Liga desde 2008 e a Taça UEFA desde 1984. All or Nothing, José.