A solidez defensiva e o contra-ataque são as principais características da seleção Melli há algum tempo, e contribuíram para a inédita popularidade de Carlos Queiroz durante a sua primeira estadia, de 2011 a 2019. Em 2014 e 2018 enfrentaram alguns dos mais poderosos países, e era esperado que fossem goleados, mas perderam apenas por 1-0 frente à Argentina, no Brasil, e caíram com o mesmo resultado frente à Espanha, empatando até contra Portugal, na Rússia. A prestação contra a Argentina de Messi foi tão boa que houve celebrações na rua depois da derrota pela margem mínima.
Contudo, o plano tinha uma grande falha: marcar golos contra equipas designadas como inferiores. Não eram capazes de dominar jogos, e quando tentavam a defesa tornava-se mais vulnerável. Um exemplo é o último jogo de Queiroz, em 2019, na meia-final da Taça Asiática, quando, depois de sofrer um golo atabalhoado do Japão, sofreram mais dois golos quando foram em busca do empate.
Queiroz, claro, não mudou completamente a tática. O foco ainda está na defesa sólida, mas os jogos frente a Uruguai (vitória por 1-0) e Senegal (1-1), em setembro, mostraram que estão a tentar jogar mais desde trás, e a pressionar mais alto.
É provável que o Irão jogue em 4x1x4x1 no Mundial, e a principal questão é quem vai jogar na frente. Sardar Azmoun seria o favorito, mas tem estado lesionado. Se não estiver em condições, é provável que Mehdi Taremi ocupe o lugar, embora também possa jogar a partir da esquerda.
O antigo adjunto de Sir Alex Ferguson é tão popular no Irão que nem houve problema quando substituiu Dragan Skocic, que venceu 15 dos seus 18 jogos na seleção, qualificando o Irão para o Mundial em tempo recorde. Nem as circunstâncias ridículas em que Queiroz voltou, abafaram o clima. É a terceira vez que vai comandar o Irão no Mundial, mas desta vez foi o Irão que o levou lá, e não o contrário, até porque não conseguiu qualificar Colômbia e Egito para o Qatar. Se as coisas correrem bem no Mundial, talvez fique a pensar na Taça Asiática do próximo verão.
«Arrependo-me que este menino não tenha ido para a Europa mais cedo. É tudo culpa minha», lamentou-se o pai de Mehdi Taremi na televisão há uns meses. Os seus pensamentos ecoaram por praticamente toda a gente no Irão. Depois de anos a marcar no Irão e Qatar, mudou-se para Portugal em 2019, primeiro para o Rio Ave e depois para o FC Porto. Lá tem 58 golos em 110 jogos, pela altura em que este texto é escrito, e tem praticamente um golo a cada dois encontros pelo Irão, também. Cresceu muito desde o seu falhanço no último minuto, contra Portugal, no Mundial 2018. Parece cada vez melhor, e encontra conforto na circunstância de que os últimos vencedores da Bola de Ouro tinham mais de 30 anos.
Quando se mudou para o Atlético de Madrid B, em 2014, com 17 anos, todos assumiram que iria ter um futuro brilhante. As coisas não correram como gostaria – está agora no Vejle, da Dinamarca, após um tempo considerável na Rússia –, mas a história é diferente na seleção. Pelo Irão tem sido titular praticamente certo, com o seu índice de trabalho apreciado por todos. A sua ausência foi fortemente sentida no primeiro jogo do Irão no Mundial 2018, e Carlos Queiroz espera não ter as mesmas dores de cabeça desta vez.
4x1x4x1
Alireza Beyranvand; Sadegh Moharrami, Hossein Kanaanizadegan, Shoja Khalilzadeh, Ehsan Hajsafi; Saeed Ezatolahi; Alireza Jahanbakhsh, Ahmad Norollahi, Vahid Amiri, Mehdi Taremi; Sardar Azmoun
O Irão teve relações tensas com vários países árabes nos últimos anos, e o Qatar tem sido um dos poucos aliados, com o impacto que têm alcançado no mundo do futebol a servir de exemplo para os iranianos. Então não há nada que não sejam elogios para o Qatar da parte dos adeptos e figuras do futebol iraniano, sendo que muitos pensam que a situação dos trabalhadores migrantes não é tão má como o Ocidente tem descrito. Os adeptos iranianos podem protestar por algo no Qatar, mas não será sobre os trabalhadores.
O atual hino nacional do Irão é o segundo após a revolução Islâmica de 1979. O primeiro era demasiado longo, pelo que, em 1990, o governo decidiu substituí-lo por um mais curto. O famoso poeta e compositor Saed Bagheri escreveu as letras e Hassan Riahi compôs a música, embora alguns o tivessem acusado de copiar o hino da Coreia do Sul (têm algumas semelhanças). As letras falam da Revolução Islâmica e, no último verso, expressa a vontade de que a República Islâmica do Irão sobreviva para sempre. Isto é algo que pode motivar alguns protestos no Qatar.
Quem mais senão o melhor marcador internacional da história antes de Ronaldo bater os seus 109 golos, no ano passado? Quase duas décadas depois da sua passagem pela seleção Melli, Ali Daei é ainda o exemplo para o futebol no Irão (a sua alcunha “Shahriar” significa “O Rei”, em farsi). Foi uma das oito lendas da FIFA a marcar presença no sorteio do Mundial do Qatar, mas foi banido de treinar por três anos, depois de um incidente com um antigo presidente de um clube. Apoia os recentes protestos no Irão e o seu passaporte foi-lhe retirado por uma semana.
Textos de Behnam Jafarzadeh, editor-chefe do varzesh3.com.