Depois de falhar a qualificação em quatro edições, os 'Leões do Atlas' ganharam alguma consistência, e quatro anos após o Mundial da Rússia estão de volta ao torneio global, pela segunda edição consecutiva. A sua melhor prestação foi em 1986, na qual surpreenderam todos ao superar um grupo difícil, com Inglaterra, Polónia e Portugal.
Apesar de terem perdido quatro ou cinco jogadores que participaram na campanha de 2018, como Mehdi Benatia, Karim El Ahmadi, Mbarek Boussoufa ou Nordin Amrabat, a seleção marroquina conseguiu garantir a presença num novo Mundial, o que não acontecia desde as qualificações em 1994 e 1998.
A lesão de Amine Harit foi um duro golpe, antes do torneio, mas nomes como Romain Saïss, Achraf Hakimi e Yassine Bounou têm a a experiência da Rússia, as lições aprendidas em 2018. «Quando chegas ao Mundial é porque mereceste. Vamos ao Qatar sem pressão. O nosso objetivo é claro: chegar à segunda ronda». Palavras fortes de Saïss, um dos poucos marroquinos a jogar em dois Mundiais consecutivos.
Em 2019, com a partida de Hervé Renard, a equipa começou um longo processo de rejuvenescimento, e a tarefa ficou a cargo de um dos treinadores mais carismáticos, mas mais azarados do mundo: Vahid Halilhodzic. Conseguiu criar um grupo que combina jogadores mais jovens com os nomes mais experientes. Mas o conflito com Hakim Ziyech custou-lhe bastante, aos olhos de alguns adeptos e do presidente da federação. Em agosto de 2022, Vahid foi despedido e Walid Regragui, vencedor da Liga dos Campeões africana com o Wydad AC, substituiu-o com muito pouco tempo de preparação.
Internacional por Marrocos entre 2001 e 2009, Walid Regragui é o primeiro selecionador marroquino desde Badou Ezaki (2014-16). Filho de pais marroquinos mas nascido em Paris, Walid começou a carreira como treinador-adjunto do selecionador Rachid Taoussi, em 2012. Era evidente que precisava de aprender mais sobre o futebol no país, mas conseguiu reconhecimento quando levou o FUS Rabat ao seu primeiro título de campeão, em 2016. Em 2020 juntou-se ao Al-Duhail SC, do Qatar, e venceu o título. Mas a melhor prestação da jovem carreira de Regragui veio em maio de 2022, quando venceu a Liga dos Campeões africana pelo Wydad AC, em Casablanca, frente ao Al Ahly. “«Performance, performance… aí está a vossa performance», gritou o treinador na sala de imprensa, respondendo aos críticos que pensavam que o Wydad jogava um futebol demasiado defensivo.
O menino de ouro de Marrocos é Achraf Hakimi. «É um fenómeno, nunca vi ninguém como ele e tenho quase 70 anos. Está a jogar um excelente futebol e não estou certo de que os seus colegas estejam a jogar o mesmo desporto». São palavras fortes de Vahid Halilhodzic, que geraram controvérsia, mas com o passar do tempo Hakimi tem sido consagrado como um dos poucos marroquinos de classe mundial. Formado em Madrid, Achraf teve sucesso em Espanha, Alemanha e Itália, e agora é um dos principais jogadores do PSG. Mas além das suas exibições pelo clube, Hakimi nunca pensou duas vezes em representar a seleção marroquina. As esperanças sobre no Qatar são muito altas.
Tal como o seu irmão mais velho, Sofyan Amrabat é um touro enraivecido no relvado. Mas ao contrário de Nordin, o antigo médio do Brugge faz menos barulho. «É bom partilhar a aventura na seleção com o meu irmão. Quando jogámos o Mundial 2018 ele disse-me: ‘Vamos enfrentar toda a gente de cabeça erguida’, e desde aí tornou-se no meu lema». Com a missão delicada de um médio defensivo, Sofyan é um dos membros-chave da seleção de Marrocos, mas as pessoas esquecem-se dele quando é altura de escolherem os seus ídolos.
«O Qatar está a reunir condições únicas e sem precedentes, comparando a outros Mundiais. Sem dúvidas o Qatar está a honrar o mundo árabe», disse Fouzi Lekjaâ, presidente da federação marroquina (FRMF). De facto, muitos marroquinos partilham esta opinião, e Qatar e Marrocos são nações amigas. Em 2017, quando muitos países na região do Golfo impuseram um bloqueio no Qatar, Marrocos enviou produtos essenciais. O Qatar é a casa de muitos trabalhadores marroquinos e, tirando o conhecido antigo internacional Abdeslam Ouaddou, que ganhou um caso legal frente a um clube do Qatar, muitas poucas pessoas têm queixas sobre as condições de trabalho no país.
Badou Ezaki foi o capitão dos 'Leões do Atlas' que fizeram história como primeira seleção africana a chegar à segunda fase de um Mundial. Venceu o prémio de jogador africano do ano pouco tempo depois. No México86 teve o papel mais importante, ao travar jogadores como Boniek ou Lineker.
Salaheddine Bassir marcou 2 golos frente à Escócia, durante a fase de grupos de 1998. Mal sabia ele e os colegas que uma vitória por 3-0 não seria suficiente. O Brasil tinha sido derrotado pela Noruega, por 2-1, ao mesmo tempo, destruindo as esperanças de milhões de marroquinos.
Noureddine Naybet (na foto) é considerado por muitos o melhor jogador, em termos de longevidade, de marcar o exemplo, até porque andou no topo do futebol europeu. Tal como Bassir, Naybet foi campeão espanhol pelo Deportivo La Coruña, e jogou regularmente na Liga dos Campeões, marcando o primeiro golo de sempre do clube na competição, apesar de jogar como central. Em Portugal representou o Sporting.
Textos de Mohamed Amine Elamri, que escreve para o Le Matin.