«Cristiano Ronaldo é o melhor futebolista de sempre e o melhor desportista de sempre. É um exemplo dentro e fora do campo. Vai continuar a ser o melhor do Mundo e vai jogar até aos 40 anos pelo menos»
JORGE MENDES, agente e amigo de Cristiano Ronaldo
 
«Outlier»: valor ou pessoa que, numa média, apresenta um grande afastamento em relação aos demais da amostra (tradução da Infopédia)
 

Cristiano Ronaldo chega aos 30 e fica a ideia de que, para o melhor jogador do Mundo, o declínio ainda está bem longe.

Melhor do Mundo FIFA pela terceira vez, há três semanas, CR7 já é trintão mas tem tudo para sonhar com mais Bolas de Ouro. Pode evoluir como jogador, mas continuará especial, desde que não sofra lesões graves.

É essa, pela menos, a convicção dos especialistas que a Maisfutebol Total consultou em diferentes áreas que, hoje em dia, são fundamentais para o futebol de alta competição: a psicologia desportiva (Jorge Silvério); a fisiologia do treino (José Soares); a análise de treino (Luís Diogo); e até a avaliação da envolvente humana, cultural e «pop» que rodeia uma super estrela global como CR7 (Álvaro Costa).
 
Um fora de série, sem ponto de comparação

Cristiano Ronaldo é o que em estatística se chama um «outlier»: um fora de série, alguém que se distingue da amostra, que não é representativo pela melhor das razões. Ninguém é igual.

José Soares, antigo preparador físico da Seleção Nacional, professor catedrático da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, responsável pelo Laboratório de Fisiologia da FADE-UP e docente nos cursos de Pós-Graduação de Medicina Desportiva e de Geriatria da Faculdade de Medicina da UP, comenta à Maisfutebol Total: «Cristiano Ronaldo é um desses casos raros. Um outlier. Uma pessoa fora do comum.»

O fisiologista desenvolve essa ideia de excecionalidade de Cristiano: «A performance dele é muito física. E isso não é normal para quem tem 30 anos. O facto dele ser o melhor aos 30 não é propriamente algo impensável. Mas se fosse com um futebol tipo Messi, mais apoiado, mais técnico, percebia-se melhor. O que é extraordinário nele é que, com 30, continua a ter performances físicas notáveis: na explosão, na potência do remate, na velocidade».

Força física aliada a força mental? José Soares concorda: «Ronaldo é fortíssimo psicologicamente. Quer sempre ser o melhor. Trabalha para isso. Tem desenvolvido esse aspeto ao longo dos anos. Por isso, até admito que ele depois dos 30 seja ainda melhor. Como digo, não sabemos, porque ele é um outlier. Não tem comparação, não dá para olhar para outros casos e fazer a média».

A biologia, claro

Ronaldo em grande depois dos 30, ok. Mas... quantos anos mais? «Não dá mesmo para antecipar, mas desde que ele não tenha lesões graves, acredito que por mais alguns anos, sim. Acredita-se que seja também por fatores biológicos o risco de lesões, e vemos que Cristiano quase não tem tido lesões ao longo da carreira. Se não surgir nenhuma lesão grave, é possível que ele se mantenha num plano muito elevado».

José Soares destaca o comportamento de Cristiano extra jogo e extra treino para explicar parte do segredo da sua longevidade em plano tão elevado: «Ele cuida-se e isso tem que ser cada vez mais assim, com a idade. E acredito que, ao fazer 30, já esteja também a olhar mais para aspetos como a recuperação, o descanso... Cristiano pode continuar a ser o jogador que é, mas isso depois dos 30 só será possível com descanso e repouso».

A fórmula Cristiano: genética, trabalho, talento e vontade

O caldo de qualidades que deu a Cristiano já três Bolas de Ouro para melhor jogador do Mundo baseia-se, acredita José Soares, em «genética, trabalho, talento e vontade».

«Em algumas modalidades, passar dos 30 não é significativo. No futebol, depois dos 27, 28, 29 diria que aspetos como a explosão, a força, a potência do remate baixam significativamente. Mas, como disse, em Cristiano isso ainda não se verifica com 30 anos», aponta o conceituado fisiologista.
 
30 anos: e agora?
 
O que significará para um profissional de futebol fazer 30 anos?
 
Jorge Silvério, doutorado em Psicologia Desportiva, comenta, em declarações à Maisfutebol Total: «Os 30 anos são um marco. É certo que isso tem vindo a evoluir, também do ponto de vista psicológico. No caso de Cristiano, noto uma evolução no fatores mentais há algum tempo, na forma como conduz a sua carreira e toma decisões importantes.»
 
Em que aspetos? «Três ou quatro sinais importantes», especifica este professor universitário, que nos últimos anos já trabalhou com atletas de várias modalidades: «A forma como recebeu esta Bola de Ouro 2014; a cena de revelar ao Messi que o filho é grande fã dele mostrou uma segurança, uma auto-confiança que possivelmente há uns anos, quando ele tinha 25 ou 26, ainda não teria. Depois também naquela entrevista com Marcelo Rebelo de Sousa, para o Football Talks, o Ronaldo mostrou uma sensibilidade para temas que revelam maior maturidade. Sobre assuntos que não têm a ver com futebol. São sinais que mostram consistência, uma tendência».
 
Para Jorge Silvério, «é muito difícil sentenciar se a chegada aos 30 tem mais vantagens ou desvantagens para Ronaldo. É óbvio que com o tempo as faculdades vão diminuindo. Mas também é verdade que Ronaldo tem na sua força mental boa parte dos seus trunfos e isso ele tem tido cada vez mais com o passar dos anos».
 
A idade, essa contradição

Será a idade o maior inimigo dos jogadores que passam a barreira dos 30?
 
Silvério contextualiza: «Sim, os futebolistas temem o passar dos anos, isso é indiscutível. Mas, curiosamente, mais pelos outros, não tanto por eles. Pelo que os outros vão comentar, pelo que os outros achem sobre «estarem velhos», já não serem «os jogadores que eram»… Mas se houver um conjunto de cuidados, a nível profissional e pessoal, esse final de carreira pode ser adiado para bastante tarde». 

Atleta biónico, quase cyborg
 
Álvaro Costa, apresentador de rádio e amante do futebol há várias décadas, ainda hoje se impressiona quando vê Ronaldo jogar: «Olho para o artista, e é assim que o defino, como um atleta biónico, quase cyborg».

E será que CR7 ainda chega à quarta ou mesmo a cinco Bolas de Ouro, assim já trintão? «Tudo vai depender de fatores incontroláveis, como lesões. Mas se depender totalmente dele, não duvido que o consiga…»

A memória futebolística de Álvaro Costa faz-lhe apontar outros exemplos de jogadores que se mantiveram no topo mundial depois dos 30.

«Poderia colocar Zidane, Henry, Beckenbauer... até Pelé em alguns momentos , mas não gosto de comparar contextos diferentes! CR7 é um atleta da era digital. Fala-se de máquinas hiperbáricas, coisas que se falavam no tempo de Michael Jackson, que à sua maneira também era um atleta dos palcos... Fala-se de dietas científicas, de planos de treino científico. Enfim… uma dimensão «tecnopop», que faz parte da nossa era».
 
Craques do Manchester a protegerem o «menino-prodígio»
 
E como explicar que Cristiano esteja no auge agora pelos 30 e não quando tinha 24 ou 25 anos?

«Creio que os anos de Manchester o explicam. Se essa época fosse feita noutro universo, sem a "bolha" proporcionada por essa «universidade", mesmo a vontade férrea e a mega disciplina não teriam sido suficientes. Em 2004 estava em Miami a ver o Portugal-Espanha e ao lado estavam Rio Ferdinand e Wes Brown. A forma como ambos «protegiam» o menino-prodigio e até se riam de algumas das poses e movimentos do artista, convenceu-me imediatamente que ele estava em boas mãos».
 
Espírito competitivo e paixão no limite
 
Luís Diogo, antigo técnico do Trofense, treinador que passou por mercados como Arábia Saudita e China, explica, em declarações à Maisfutebol Total: «Um dos princípios adjacentes a um jogador de futebol de elite é compreender que a sua evolução, nas diferentes dimensões que compõem o seu rendimento, ocorre ao longo de toda a sua carreira, sem exceção».

«Não obstante o período de formação do jogador se revelar fundamental para que este incorpore um conhecimento processual e declarativo indutor de competências diversas ao longo da sua carreira (marcadores somáticos) que, independentemente do clube, conceção de jogo, treinador, entre outras variáveis, permitem que o jogador evidencie e desenvolva o seu talento, o caminho que percorre enquanto profissional demonstra igualmente enormes alterações na forma como o jogador se desenvolve e se (re)atualiza em distintos contextos. Ora, o que refiro é perfeitamente ilustrado no Cristiano Ronaldo: porque é extraordinariamente competitivo, apaixonado pelas tarefas, encontra-se colocado num contexto de elite e com desafios muito exigentes, evidencia grande motivação intrínseca, que o leva a deter elevada capacidade para formular e recriar objetivos de competição em série. Se olharmos, em concreto, ao Ronaldo do Sporting, do Manchester United e do Real Madrid, facilmente observamos alterações nas suas dimensões física, técnica, decisional e tático-estratégica, que derivam tanto da sua capacidade para em contextos distintos desenvolver soluções que lhe permitem desenvolver o talento, por outro surgem pela coabitação com treinadores e jogadores de excelência, que trespassam expertise e o ajudam a evidenciar a sua.»
 
Luís Diogo vai mais longe no detalhe da evolução de CR7 e aponta: «Se compararmos o Cristiano Ronaldo de 2009/10 no Real Madrid com o atual (2014/15), vislumbramos sobretudo nuances táticas que o transformaram num jogador diferente ao longo do tempo. Este, mesmo alterando os seus hábitos quanto às respetivas zonas de atuação, à intervenção direta nos distintos momentos do jogo, à(s) velocidade(s) com que “mete o pé” no jogo, às vezes e à eficácia com que intervém, continuou a ganhar prémios individuais e coletivos de grande impacto mundial.»
 
A experiência pode ganhar à idade
 
E será mesmo possível que CR7 atinja os 40 anos a jogar em plano top, quem sabe até no Real Madrid, como augura o seu agente e amigo Jorge Mendes? Luís Diogo não coloca esse cenário de parte: «À semelhança de Pirlo ou Maldini, este último respondendo que conseguia jogar aos 40 anos porque conhecia os “atalhos do jogo”, todos sem exceção, para responderem à natural evolução da idade e tudo o que isso acarreta na perspetiva física e fisiológica, empregaram a experiência, e o consequente conhecimento, que foram adquirindo, para agilizar as potencialidades e contornar as dificuldades que aparecem, jogando com a memória como que personificassem a equipa, centralizando-a neles. O Ronaldo passou, nestes últimos anos, de jogador de corredor lateral para o central, de menos para mais coletivo, de menos para mais interventivo no jogo, guardando-se para momentos em que se revela mais eficaz.»
 
Venham, então, daí mais Bolas de Ouro e outros prémios internacionais para o capitão da nossa Seleção… «Na minha opinião, o Cristiano Ronaldo terá condições para ganhar mais prémios individuais, pois é assim que consegue respirar, jogando futebol», antecipa Luís Diogo. «Parece-me que é inteligente, competitivo, motivado o suficiente para se manter no top por bastantes anos, podendo inclusive continuar a adquirir ferramentas que o tornem ainda melhor jogador. Quando vemos Ronaldo, não conseguimos ver limites, que continuarão a ocorrer para que se possa adaptar à evolução natural da sua idade.»
 
Até aos 40?

Cristiano Ronaldo: já trintão, mas claramente o melhor do Mundo. Um exemplo, um «case study» para a medicina desportiva, para a análise do treino, até para quem estuda e trabalha os aspetos mentais e psicológicos, na sua ligação com o desporto de alta competição. E um fenómeno global, estrela «pop».
 
CR7: «one of a kind», único entre os seus pares.

Até quando?


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