Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.
 
A 12 de março de 1881 a Escócia venceu a Inglaterra por 6-1, mas a goleada frente à sede do império acabaria por ser o facto menos importante, quando se olha para este jogo 134 anos depois. Este foi o dia em que Andrew Watson se tornou no primeiro jogador negro a representar uma seleção.
 
Watson nasceu na Guiana britânica, num claro exemplo de miscigenação. Filho de Anna Rose, uma ex-escrava da Guiana, e do escocês Peter Miller, próspero barão do açúcar, dono de plantações na Guiana, que recebeu uma fortuna do estado britânico quando libertou os escravos de que era «dono».
 


Ao contrário do que acontecia na maioria destes casos de mistura de raças, Peter Miller assumiu o filho, levou-o para a Grã Bretanha após a morte da mãe, e destinou-lhe mesmo uma vasta herança, era este ainda adolescente. O mais irónico é que a herança era o dinheiro que recebeu da libertação dos escravos, que foi dividida por Andrew e pela irmã Annetta. Ainda que nada lhe faltasse e que a relação de sangue tivesse sido assumida, como filho fora do casamento, o jovem tinha uma relação muito distante com o pai.
 
Andrew estudou no tradicional King’s College de Londres e seguiu para a Universidade de Glasgow, onde estudou filosofia natural, matemática e engenharia. Sempre praticou vários desportos, mas só na faculdade, quando tinha 19 anos, é que começou a ter contacto com o futebol, cujas regras tinham sido estabelecidas apenas em outubro de 1863, poucos anos antes de Andrew Watson começar a praticar.

A jogar na defesa, com mais de 1,80 m e 82 quilos, Watson distinguiu-se pela velocidade, capacidade de corte, e pelos remates poderosos e certeiros. Começou no Maxwell e seguiu depois para o Parkgrove, onde, além de jogador, fez parte da direção do clube, tornando-se assim no primeiro dirigente negro. Em 1880 chegou ao Queen's Park Football Club, na época grande potência do futebol escocês.



Jogar no Queen’s Park não estava ao alcance de todos, e não era apenas uma questão de talento. O clube não só não pagava ordenados, como os jogadores tinham que arcar com todas as despesas. Era um clube para cavalheiros e, mesmo sendo filho ilegítimo, Andrew Watson era um cavalheiro. Aliás, era mesmo visto com estranheza por ser precisamente um homem educado e que se movia na alta sociedade... sendo negro. Mas em vez de afastar os adeptos, parece ter conquistado grande parte dos escoceses que iam ao futebol. E continuava a quebrar as barreiras do preconceito racial.

Watson sagrou-se tricampeão da Taça da Escócia (1880/81/82), tornou-se no primeiro negro a vencer um torneio oficial, convocaram-no para a seleção de Glasgow e foi nessa altura que recebeu a primeira chamada para a seleção escocesa.


 
A estreia aconteceu no dia 12 de março de 1881, num jogo particular, em que os escoceses venceram a Inglaterra por 6-1. E Andrew Watson começou logo como capitão da equipa. Pouco tempo depois fez mais dois jogos: um contra o Pas de Gales e o último novamente contra a Inglaterra, todos com vitória dos escoceses.



Em 1882 Andrew Watson mudou-se para o Swifts Football Club, de Londres, tornando-se então no primeiro jogador negro a jogar na Taça de Inglaterra. A mudança levou a que deixasse de poder representar a seleção escocesa, já que na altura só eram convocados jogadores residentes no país.

Depois do Swifts, Watson tornou-se no primeiro estrangeiro contratado pelos renomados londrinos do Corinthians FC. Depois dessas passagens, voltou ao futebol escocês onde jogou mais dois anos no Queen’s Park e em 1887 resolveu voltar a Inglaterra, onde alinhou pelo último clube da carreira: o Bootle F.C.

Olhando para trás, contou, já no fim da carreira, aos jornais, pormenores da vida desportiva. Não falou em racismo, porque o termo não era utilizado, mas toda a descrição que faz da forma como os adversários o tratavam, indica que foi vítima daquilo a que hoje chamamos racismo.
 
Apesar de pioneiro no mundo do futebol, Andrew Watson foi sempre amador. Só em 1889, com um contrato do Rotherham, surgiu o primeiro jogador negro profissional: Arthur Wharton.