Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.
 
27 de Abril de 1960, há 55 anos. Portugal defrontou a Alemanha Ocidental, num jogo particular, disputado em Ludwigshafen. O 2-1 final do marcador, acaba por não ficar para a história, mas o jogo tornou-se memorável por um motivo: Em campo, ao lado de jogadores como Mário Coluna, Matateu, José Augusto, José Águas e Fernando Mendes, estiveram David Júlio e Lúcio Soares, os primeiros naturalizados a vestirem a camisola das Quinas.
 
Os casos de David Júlio e Lúcio Soares são diferentes dos de jogadores nascidos nas então colónias portuguesas como Angola e Moçambique, já que esses tinham nacionalidade portuguesa. Estes são os dois primeiros atletas que, não tendo nascido em solo português (quer na Metrópole, quer no Ultramar) vestiram a camisola das Quinas. Um pelo chamamento da pátria dos pais, o outro pelo sonho de igualdade racial.
 


Sem futuro no país do Apartheid
 
Nascido a 8 de Janeiro de 1932, na África do Sul, David Abraam Julius, ou David Abraão Júlio no aportuguesamento, foi um dos dois primeiros sul-africanos a jogar futebol fora do continente africano.
 
Na altura, por causa do Apartheid, o futebol no país estava divido entre associações brancas, mestiças, negras, e indianas, impedidas de jogarem entre si. Com o rótulo de «jogador de cor», as hipóteses de crescer na carreira eram quase nulas. Mas durante uma longa digressão dos leões pela África do Sul, em 1954, cresceu em David Júlio uma esperança e a vontade de vir para Portugal representar o Sporting.
 
Primeiro, foi para Moçambique, colónia portuguesa na altura, jogar para o Sporting de Lourenço Marques, satélite dos leões. Depois, rumou à Metrópole e ao clube que sonhava representar.
 
Chegou ao Sporting em 1957 já com 25 anos de idade, e tornou-se imediatamente titular indiscutível de uma equipa que ganhou o Campeonato da época de 1957/58. Primeiro ocupou o lugar de médio direito, depois, com a ascensão de Fernando Mendes, começou a jogar pela esquerda.
 
Participou na campanha que levou o Sporting à conquista da Taça dos Vencedores das Taças de 1964, fez mesmo os três primeiros jogos frente à Atalanta.

Naturalizou-se português, mudou de nome e, em 1960, foi convocado por José Maria Antunes para o Alemanha-Portugal. A estreia foi então há 55, nesse Alemanha Ocidental-Portugal, e logo como titular, mas foi internacional por mais três vezes.


 
Português de sangue
 
Tal como David Júlio, também Lúcio Soares foi convocado para esse encontro.
 
Nascido em Minas Gerais a 31 de Maio de 1934, filho de mãe e pai portugueses. Lúcio chegou ao Sporting em 1959. Durante cinco temporadas, o defesa representou o clube leonino quase sempre como titular, e com uma particularidade: fugia-lhe o pé para o golo, sobretudo de livre e com bombas na conversão de grande penalidade. Nos 111 jogos oficiais disputados ao serviço da equipa principal dos Leões, Lúcio marcou 35 golos.

Quando foi chamado pela primeira vez à seleção portuguesa, a alegria era notória. «Lá longe, numa casinha em Niterói onde deixei parte do meu coração, um homem e uma mulher devem ter chorado de alegria e de orgulho quando souberam que o filho tinha sido chamado para defender as cores de Portugal. Nasci no Brasil, sim, mas sou português de direito e de sangue. Sabe, é que eu não sou estrangeiro, não», garantiu.
 
Estreou-se também nesse encontro na Alemanha, e no onze titular. Com as Quinas do país dos pais, que reclamou também como seu, somou cinco internacionalizações. Despediu-se da seleção dois anos depois, frente à seleção do Brasil, país que o viu nascer.