Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.

7 de outubro de 2000. Há 14 anos, a seleção inglesa perdeu 1-0 em Wembley com a Alemanha em jogo de apuramento para o Mundial de 2002, mas o momento mais dramático para os jogadores e para a Federação teve lugar no final do encontro. O selecionador, Kevin Keegan, demitiu-se naquela que foi, até então, a saída mais insólita da história da seleção inglesa.

Um dos melhores jogadores ingleses de sempre, e o primeiro com o estatuto de celebridade, abrindo caminho nos contratos de gestão de imagem de futebolistas, Keegan vestiu durante 10 anos a camisola da seleção inglesa. Foi portanto natural que, com o currículo de uma década como treinador (Newcastle e Fulham), assumisse o lugar de selecionador em fevereiro de 1999, com a saída de Glenn Hoddle.

No primeiro jogo ao comando da seleção inglesa, uma vitória por 3-1 sobre a Polónia, na qualificação para o Euro 2000, parecia ser uma estreia auspiciosa, mas foi pouco duradoura a maré vitoriosa.

Chegada a fase final desse Europeu, jogado na Bélgica e na Holanda, a prestação inglesa mudou. Logo no primeiro encontro, após estar a vencer por 2-0, Keegan viu Portugal fazer a reviravolta e vencer por 3-2. Num grupo com Portugal, Roménia e Alemanha, os ingleses conseguiram apenas uma vitória, frente à Alemanha (que acabou em último no grupo com apenas um ponto), e não passaram da fase de grupos. 

 

Keegan sempre foi um homem de opiniões fortes e sem medo de as expressar. Não se coibiu, por isso, de criticar os jogadores publicamente, nas conferências de imprensa, após cada desaire. Esta postura valeu-lhe algumas críticas dos adeptos em Inglaterra, mas também o apoio dos que criticavam as exibições de estrelas como David Beckham ou Michael Owen em campo.

Com a saída prematura do Europeu, as expectativas focaram-se então no Mundial de 2002. Pela frente, na fase de qualificação, a Alemanha. O palco, o antigo Wembley. Era o último encontro a ser disputado no mítico estádio antes da demolição, para dar lugar ao novo recinto.

Dez dias antes do jogo, o selecionador sofre um forte abalo. A mãe, Doris, de 76 anos, morre no hospital após sofrer um AVC. 

Deprimido e pressionado com a importância do jogo, o ânimo de Kevin Keegan ainda piorou quando, na véspera do jogo, a Sky divulgou que Gareth Southgate iria jogar no lugar do lesionado Steven Gerrard. O selecionador ficou furioso com a fuga de informação que, segundo ele, dava ao adversário uma vantagem, sabendo quem ia jogar. A situação, que estava já um verdadeiro barril de pólvora, piorou com a derrota por 1-0. 


Keegan explodiu ao chegar ao balneário. David Davies, na altura diretor executivo da Federação, contou depois a cena que viu quando chegou.

«Havia vapor por todo o lado. Tony Adams, David Beckham e outros jogadores estavam sentados em volta. “David, diz-lhe para não o fazer”, pediu o Tony, furioso. “Ele ouve-te”, pediu David Beckham em lágrimas».

David Davies soube então que Keegan queria demitir-se, e quis tentar convence-lo a ficar. Não queria falar em frente dos jogadores, nem da imprensa. O único sítio disponível era um cubículo da casa de banho.

Keegan estava irredutível, queria ir direto à imprensa contar, mas Davies pediu-lhe que esperasse, que falasse primeiro com os responsáveis da Federação. Assim, Noel White e Adam Crozier reuniram-se com o selecionador no cubículo da casa de banho. Foi aí que Kevin Keegan apresentou a demissão. «Não consigo motivar mais estes jogadores», disse-lhes.

Falou depois à imprensa, assumindo as culpas da campanha mal sucedida. «Falhei. Ninguém deve ser culpado além de mim. Dei o meu melhor, mas não sou suficientemente bom».