Efeméride é uma rubrica que pretende fazer uma viagem no tempo por episódios marcantes ou curiosos da história do desporto, tenham acontecido há muito ou pouco tempo. Para acompanhar com regularidade, no Maisfutebol.
 
18 de junho de 1939, há 76 anos. No Campo das Amoreiras, em Lisboa, Benfica e FC Porto disputavam a segunda mão da meia final da primeira edição da Taça de Portugal. Contudo, aos 75 minutos, a equipa portista, por ordem do presidente, abandona o campo e protesta o jogo junto da Federação Portuguesa de Futebol.
 
O rastilho
 
As relações entre os dois clubes estavam longe da cordialidade e os ânimos estavam ao rubro desde o final do campeonato. O título foi decidido no último jogo e, para ser campeão, o FC Porto precisava de não perder com o Benfica. O encontro, disputado num cheíssimo Campo da Constituição, no Porto, terminou com um empate que deu a vitória no campeonato à equipa da casa. Só que o árbitro tinha anulado um golo ao Benfica no último minuto do encontro por alegada falta de Brito sobre um adversário.
 
A polémica estalou então entre os adeptos, com a imprensa à mistura. Alguns jornais falavam em «escândalo» da arbitragem, garantiam que não havia falta nenhuma, e um deles mostrava mesmo uma imagem que dizia ser do lance, para mostrar que o golo tinha sido limpo. Mas havia o outro lado. Jornais em que se garantia que a imagem não era daquele lance, e que tinha mesmo havido falta. O presidente do Benfica, Júlio Ribeiro da Costa, cortou então relações com o FC Porto.
 
E, com este ambiente escaldante, chegam então as duas mãos da meia final da Taça de Portugal, competição acabadinha de nascer.
 
A primeira mão
 
O Estádio do Lima foi o palco escolhido para este encontro e não cabia lá nem mais uma pessoa, aliás, foram muitos os que tiveram que ficar no exterior por estar esgotada a lotação. Na bancada apinhada e no lotado peão apareciam, aqui e ali, adeptos do Benfica, mas a grande maioria eram portistas.
 

Equipa do FC Porto

E que presente receberam nesse dia os que conseguiram entrar para ver os dragões. A equipa do FC Porto aplicou uma magistral goleada de 6-1 (golos de Lopes Carneiro, bis de Costuras, Pinga, e bis de Carlos Nunes para o FC Porto, e Brito para o Benfica).

O resultado, além de volumoso, era histórico. O melhor resultado que os dragões tinham conseguido até então frente às águias tinha sido uma  vitória por 2-1, e somavam várias derrotas, quase todas pesadas.
 
Mas ainda faltavam 90 minutos para jogar (pelo menos teoricamente) e as surpresas não faltariam nesse encontro a realizar uma semana depois.
 
A segunda mão
 
Chegámos assim a 18 de junho, o dia da segunda mão. O Campo das Amoreiras, completamente cheio, recebeu o encontro. Se a rivalidade estava acirrada antes, imagine-se depois da goleada do primeiro jogo.
 
Os dragões entraram em campo com uma bandeira do FC Porto, o que não agradou nada ao público benfiquista, que não se fez rogado em assobiar e apupar a formação adversária. Só a entrada em campo da equipa encarnada acalmou os adeptos. Os sons de desagrado foram então substituídos por uma enorme ovação.


Equipa do Benfica
 
Fosse pelo ambiente adverso, pelo excesso de confiança na vantagem por seis golos, ou pelos motivos invocados depois (a que iremos mais à frente), a verdade é que o FC Porto não conseguiu sacudir a pressão encarnada, que se impôs logo nos primeiros instantes.
 
Aos 26 minutos, Espírito Santo abriu o marcador, dando aos encarnados a vantagem que perduraria até à segunda parte. O guarda-redes do FC Porto até defendeu um penálti, mas na recarga Valadas fez o 2-0 aos 55 minutos. Depois, o Benfica teve 16 minutos de extrema eficácia. Barbosa marcou o 3-0 aos 60, o 4-0 surgiu por Espírito Santo aos 65, Rogério marcou o 5-0 aos 68, e o 6-0 foi marcado por Valadas (71).
 
O FC Porto via assim a vantagem de seis golos anulada pelo Benfica. Ao minuto 75, o árbitro António Palhinhas deu ordem de expulsão a Santos e, logo de seguida, a Reboredo. Foi a gota de água para os portistas. Por ordem do presidente Ângelo César, a equipa do FC Porto abandonou o relvado nessa altura e protestou o jogo.


 
Os portistas queixaram-se à FPF da atuação do árbitro. Alegaram que tinha havido jogo violento por parte do Benfica e que os adeptos tinham atirado bombinhas de carnaval para junto da baliza portista. De nada adiantou.
 
Na sequência do abandono do jogo, a Federação decidiu aplicar a perda da percentagem de receitas ao FC Porto, 30 dias de suspensão aos jogadores António Santos e Reboredo. Instaurou, ainda, processo disciplinar por abandono de campo ao clube e ao presidente Ângelo César por causa das declarações aos jornais antes e depois dos jogos do Lima e das Amoreiras. 
 
O Benfica viria a jogar a final, mas a Taça não ficou em Lisboa. A Académica venceu e levou o troféu para Coimbra. «Coimbra é Norte», gritou-se no Porto.