Vítor Rodrigues organizou um magusto no sábado para comemorar o São Martinho entre portugueses, em Estocolmo. Castanhas, claro, mas cozidas, que na Suécia por esta altura não dá para fazer brasas e assá-las. «Com o frio, o carvão não pega.» Por essa altura Mark de Matos, filho de emigrantes portugueses na Suécia, estava em Lisboa, onde foi ver a primeira mão do play-off para o Mundial. Histórias em português, mas já com raízes bem profundas na Suécia.

Vítor, emigrante com 38 anos de Suécia, já leva muito tempo a adaptar-se às diferenças entre um país e o outro. Não são elas que o impedem de reviver a três mil quilómetros de distância de Lisboa, onde nasceu há 64 anos, os sabores e as datas especiais do país que continua a ser o seu. Fá-lo com a mulher, Lena, na Lusitânia, associação de portugueses de Estocolmo que já foi Futebol Clube Lusitânia, mas deixou cair o futebol.

O tempo não perdoa. «O clube foi fundado em 1972 e nesse tempo jogávamos. Chegámos quase até à III Divisão, tínhamos um bom grupo. Mas já foi chão que deu uvas. A malta começou a ficar velha. Agora jogamos de vez em quando, mas é só a brincar.»

Agora há um clube de futebol português na Suécia, mas é em Gotemburgo, cidade onde está a maioria dos emigrantes portugueses no país. «Aqui é difícil. Em Gotemburgo são pessoas mais jovens. Aqui é só velhotes, e os netos não querem saber de futebol», atira Vítor.

Pode ser que as coisas mudem para o lado do futebol em Estocolmo, quando há cada vez mais portugueses jovens a chegar à Suécia. Nestes tempos de crise também passa por ali o movimento de portugueses a procurar oportunidades fora do país. À associação, conta Vítor, chegam a toda a hora novos contactos, pedidos de informação.

«Há muita gente a chegar. No Facebook pedem-nos ajuda e informações, nós damos algumas dicas, conversamos uns com os outros.» Aos interessados, Vítor diz que «há trabalho na Suécia», mas as portas estão mais abertas para quem fale sueco. «Eles procuram muito quem saiba falar a língua, quando não se sabe é mais difícil. Independentemente de se saber inglês, saber as duas é o ideal.»

Voltando à Lusitânia. Sem futebol, os portugueses juntam-se agora «para jogar às cartas e uma petiscada de vez em quando». Vítor e Lena tratam-lhes do estômago. «Eu faço a comida e a minha mulher faz os doces. Fazemos muita coisa, ela até sabe fazer pastéis de nata.»

A página da associação no Facebook dá vontade de comer e atesta a versatilidade gastronómica de Vítor e Lena. Arroz de grelos malandrinho, bacalhau à Gomes de Sá, os tais pastéis de nata, por aí fora. E bolos, um bolo com decoração de cravos para comemorar o 25 de abril.

Hoje em dia, diz Vítor, arranjam-se bem os ingredientes para fazer comida à portuguesa. Ainda que a globalização tenha coisas estranhas. O bacalhau, conta Vítor, vem da Noruega, mas o que chega a Estocolmo vai com embalagem de um hipermercado português. E, apesar de vir de bem mais perto, chega lá mais caro do que a Portugal.

Voltando ao futebol. Vítor, que trabalha numa das grandes empresas de telecomunicações suecas, diz que as provocações entre adeptos antes dos jogos não fazem parte dos hábitos suecos. «Estão todos caladinhos.»

Mas claro que por estes dias o Portugal-Suécia é um dos temas desportivos fortes no país. Ainda que o futebol esteja longe de ser o desporto número 1 na Suécia, como observa Vítor, sobretudo no inverno.

«O desporto número 1 aqui é o hóquei no gelo. Futebol é mais um desporto de verão», nota. Aliás, o campeonato sueco terminou no início de novembro. «O hóquei é que é a força deles. E o andebol, também. Agora está a crescer o bandy», prossegue. Fala de uma variante do hóquei no gelo, que se joga num relvado do tamanho de um campo de futebol, com 11 jogadores para cada lado. «Na minha empresa os trabalhadores suecos, à hora de almoço, em vez de comerem, vão jogar bandy», conta Vítor.

Mas na terça-feira os suecos vão encher o Friends Arena. E apoiar a sua seleção incondicionalmente, avisa Vítor. Eles são um grande público, lembra: «São muito mais eufóricos com a seleção do que nós.»

Vítor também vai lá estar, mas a torcer por Portugal. Ao todo serão 1500 no estádio, estima a Federação portuguesa. Longe ainda assim dos cinco mil bilhetes que Portugal tinha ao seu dispor. As associações de portugueses na Suécia chegaram a manifestar intenção de comprar os bilhetes coletivamente para os venderem aos portugueses interessados, mas o processo não avançou. Segundo explicou fonte da Federação ao Maisfutebol, foi feito um primeiro pedido de 400 bilhetes, mas não houve resposta às questões colocadas pelo organismo. Vítor comprou bilhetes via internet: «Quatro, que era o máximo permitido».

Mark de Matos não vai. O nome é mesmo assim e sintetiza a identidade de Mark. É filho de emigrantes portugueses, mas já nasceu lá e só tem nacionalidade sueca. Ele e as quatro filhas. Voltou neste domingo para casa, depois de ter ido com amigos de Estocolmo à Luz para ver a primeira mão. «Mais pelo passeio», diz: «Nem sou grande fã de futebol, só me interessa quando joga Portugal, o Brasil ou a Suécia.» Terça-feira nem vai ao estádio, fica em casa a ver pela televisão. Um adepto neutro, tão neutro que, diz com um sorriso, ficará «sempre a ganhar», aconteça o que acontecer na terça-feira entre Portugal e a Suécia. Afinal, ele é um bocadinho português, mas também é sueco.

Mark vai com frequência a Portugal de férias e até já lá passou um outono inteiro com a família. Quanto a Vítor, também já não pretende cortar de vez os laços com o país onde não nasceu, mas onde passou a maior parte da sua vida. Ele já tem o futuro planeado. Quer trabalhar mais três anos, depois reforma-se. E vai viver no melhor de dois mundos. «Quando estiver reformado passo o Inverno na Suécia e o Verão em Portugal. Quatro meses cá e oito lá.»