A degradação do Racing Santander atingiu um nível insuportável. Salários em atraso, promessas falsas, mentiras, condições indignas de sustento num clube profissional. O clímax do problema foi atingido em direto na televisão, num jogo dos quartos-de-final da Taça do Rei.

Do El Sardinero para o mundo, a imagem não nos sai da cabeça: 11 jogadores alinhados na recusa de jogar, levados ao limite pela política de trambique de um Conselho Administração sem rosto e sem maneiras.

Poucos terão levado a sério a ameaça do plantel do Racing. Pois bem, ela foi mesmo em frente: enquanto os jogadores da Real Sociedad trocavam a bola, os de Santander abraçaram-se e esperaram até que o jogo fosse suspenso.



No vórtex de tudo isto, um português. Carlos Fortes, avançado de 19 anos do Racing, e recentemente convocado para a Seleção Nacional de sub20, conta ao Maisfutebol que tudo tinha sido decidido entre os jogadores no ambiente sacro do balneário.

«Não tínhamos qualquer dúvida: isto tinha de ser feito. As pessoas não fazem a mínima do que temos passado por cá. Estamos a falar de um clube enorme, histórico, isto é um escândalo», desabafa Fortes.

Não é caso para menos. O português, tal como os colegas, tem quatro meses de salários em atraso. As prioridades mudaram. O sonho de se impor no Racing e no futebol espanhol mantém-se, mas nada supera a urgência da sobrevivência.

«Vivo num apartamento pago pelo clube e não sei se eles têm cumprido com o senhorio. Ainda não me chatearam, mas ando preocupado. O maior problema é outro», explica Carlos Fortes.

«Estou sem receber há quatro meses e o Racing não me dá alimentação. Tenho de ser eu a virar-me. Não quero incomodar a minha família. Eles sabem que não recebo o salário, enfim, é uma confusão. Só quero ter um prato de comida na mesa».

«Passo os dias em casa, não tenho dinheiro para mais»

O caso de Carlos Fortes é preocupante, mas não o pior. «Tenho um colega meu, o guarda-redes Oumar Diaby [22 anos, do Mali], que nem casa tem. Ele viveu comigo, mudou-se e agora dorme nas instalações do Racing. Não se alimenta em condições e passa frio. É um futebolista profissional».

«O presidente e o conselho de administração têm de se demitir», atira Carlos Fortes. O plantel de futebol tem «o apoio total» dos adeptos e da equipa técnica.

«Ninguém percebe porque razão não pedem a demissão. Afundaram o clube, têm de ir embora. Estão fartos de meter dinheiro nos próprios bolsos e para os funcionários não há nada».



A esperança de Carlos Fortes reside, então, nesta tomada de força. Radical, sim, mas necessária. Imperiosa. «Acreditamos que todo o país está a olhar para nós e vai ajudar o Racing Santander a resistir. Este emblema não pode estar na II Divisão B».

Sem dinheiro e com demasiado tempo livre, Carlos passa os dias em casa. «Não faço mesmo nada, a não ser estar por cá. Não tenho posses para mais, isto tem de mudar», sentencia o jovem português.

«É pena tudo isto que está a envolver o clube. A época estava a ser boa para mim, fui chamado à seleção e tenho feito bons jogos na equipa B».

Carlos Fortes formou-se no Sacavenense, passou pelo Alta de Lisboa e CAC. Mudou-se para a ilha da Madeira em 2012. Depois de uma excelente temporada nos sub19 do Nacional, foi desafiado a envergar a histórica camisola do Racing Santander.

O preço a pagar por este desafio/sonho tem sido pesado de mais. Insustentável.