«Em momento algum pensei que não conseguia. Pensei sempre: Vou conseguir, demore o tempo que demorar.»

Demorou dois anos. Emídio Rafael viveu o sonho de chegar ao FC Porto e estar perto da seleção nacional e, depois, um pesadelo interminável. Voltou a jogar em Braga, depois foi para a Grécia e, aos 27 anos, mantém a fé, apesar de a sorte lhe ter virado costas tantas vezes. Ele acredita que pode voltar ao ponto onde estava há três anos.

Já não é a primeira vez que Emídio dá a volta ao azar. É a história dele. Desde júnior, no Sporting, onde chegou miúdo e onde passou pelos vários escalões de formação. Eram tempos felizes para o jovem lateral-esquerdo fã de Roberto Carlos, que até chegou a conhecer o seu ídolo em Alvalade. Em 2004/05 fazia parte da equipa que tinha João Moutinho, Nani, Miguel Veloso e Yannick Djaló, sob o comando de Paulo Bento. Chegou à seleção sub-19 e foi aí que uma rotura de ligamentos cruzados o obrigou à primeira paragem prolongada. Falhou o que restava da campanha dessa equipa de juniores até à conquista do título nacional.

Na época seguinte, ainda a meio de uma longa recuperação, foi emprestado ao Casa Pia, e depois ao Real Massamá. Desvinculou-se do Sporting em 2007/08 e rumou ao Portimonense, onde cumpriu duas temporadas na II Liga. E a seguir chegou à Liga, na Académica.

Já estava em Coimbra quando chegou André Villas-Boas, em outubro de 2009. Com o treinador português, Emídio Rafael cresceu e afirmou-se como uma das revelações do campeonato. Fez 30 jogos nessa temporada e, no verão, Villas-Boas levou-o consigo para o Dragão.

Emídio chegava ao topo. E foi tendo oportunidades na equipa, sobretudo a partir do final de outubro, quando uma lesão de Álvaro Pereira lhe abriu caminho no lado esquerdo da defesa. Até chegar o dia 29 de janeiro de 2011.

Era um Gil Vicente-FC Porto para a Taça da Liga. Emídio saiu do banco ao intervalo, para render Fucile, estava 1-1. Marcou aos nove minutos o 2-1 para o FC Porto. Perto do final, numa bola disputada com Júnio Caiçara, a perna cedeu.



No estádio jogadores e adeptos perceberam de imediato a gravidade da lesão. Na sala de imprensa André Villas-Boas confirmava: «Não deve voltar a jogar esta época. É uma lesão grave num jogador muito querido por nós e num momento brutal para ele. Estava a ganhar confiança, tinha sido pré-convocado para a selecção.»

Diagnóstico: fratura do perónio e rotura do ligamento deltóide da perna esquerda.

Foi operado no dia seguinte. Era só a primeira operação. Nessa altura ninguém imaginava que passariam dois anos até Emídio voltar a jogar.

Fez 11 jogos pelo FC Porto: cinco no campeonato, três na Taça de Portugal e três na Taça da Liga. E marcou dois golos, tudo naqueles primeiros seis meses. Não voltou a jogar com a camisola azul e branca.

Falhou o resto dessa época de 2010/11, quando os dragões ganharam a Liga, a Liga Europa e a Taça de Portugal. Falhou toda a temporada seguinte e só voltou a treinar com a equipa em novembro de 2012.

Fazia a recuperação no Olival, ao lado dos companheiros, mas ao fim de semana não havia futebol para ele. «Tinha chegado a um grande clube, tinha a seleção nacional à porta, tinha ido tudo por água abaixo. Foram tempos de sacrifício. Muita dor, muita ansiedade», revive agora Emídio Rafael, ao Maisfutebol. A recordação, no entanto, é sempre rematada por uma frase de esperança. Como a que está no início do artigo, ou como esta: «Mas também foram tempos de ambição e de esperança.»

Emídio diz que o clube sempre esteve ao seu lado, e os companheiros também: «Tive muito apoio, não só da família, mas também dos responsáveis do clube, dos dirigentes e dos colegas.»

«Havia jogadores que me eram mais próximos. O Lucho, principalmente, foi muito meu amigo. Mas também o Moutinho, o Varela.» Fizeram-no sentir parte do grupo e parte das conquistas: «No Porto funciona assim. Nunca me senti à parte, nos troféus que ganhámos, em tudo.»

No dia em que voltou aos treinos, 21 meses depois da lesão, todo o plantel se juntou para lhe fazer uma saudação especial.

Para Emídio estava perto o fim do calvário. Mas também já não havia futuro para ele no Dragão. Quando o mercado reabriu, em janeiro, deixou o clube e assinou pelo Sp. Braga até final da época.

Não sem alguma mágoa. «É sempre uma decisão difícil de encarar, quando amamos um clube, quando nos damos a 100 por cento e a filosofia vai de encontro à nossa», começa: «Não fiquei chateado, mas senti que podia ter continuado.»

Voltou a jogar praticamente dois anos depois da lesão, a 13 de janeiro de 2013. Foi num jogo do Sp. Braga B, frente ao Benfica.

Em Braga ainda foi protagonista involuntário de um dos casos da época. O único jogo que fez pela equipa principal do Sp. Braga, quando a 20 de janeiro entrou aos 84 minutos para o final da partida da Liga com o V. Setúbal, jogou-se menos de 72 horas antes da partida seguinte em que foi utilizado na equipa B para a II Liga, com o Belenenses. A utilização de Emídio nos dois jogos custou ao Sp. Braga a perda desse jogo e mais dois pontos na II Liga.

Para Emídio, a notícia é que estava a jogar, a cada fim de semana. Ainda que pela equipa B, foi em Braga que voltou ao futebol com regularidade. Fez 18 jogos ao todo. «Ter jogado os jogos todos que joguei em Braga é sinal de regularidade, é sinal de que estou bem.»

Se Emídio garante que não se deixou abalar por dúvidas quanto ao futuro, ele admite que quem via de fora se questionasse se alguma vez voltaria ao nível a que estava antes daquele dia de janeiro de 2011. «A lesão é sempre um ponto de interrogação. Todos os clubes colocam um grande ponto de interrogação, como vai ele estar?»

Depois de Sp. Braga, a opção para Emídio foi continuar a carreira na Grécia. No Platanias, um clube modesto, que está apenas na sua segunda época no escalão principal, continua a sentir-se bem e a jogar, ao lado de dois portugueses na defesa, Vasco Fernandes e Vasco Faísca.

Emídio acredita que pode voltar ao que era, antes de acontecer tudo o que de mau lhe aconteceu. «Sinto-me bem, capaz de fazer o que fazia antes.» E continua a olhar alto: «A ambição é sempre voltar ao nível mais alto. Continua a ser, depois de lá ter estado.»