Ronald Reng, autor de «Robert Enke, uma vida curta demais», esteve em Lisboa a promover a edição portuguesa do seu livro, vencedor em 2011 do prémio William Hill, atribuído em Inglaterra. A entrevista com o Maisfutebol incidiu sobre a etapa portuguesa da carreira do guarda-redes alemão, mas também sobre a outra personagem principal do livro, uma doença chamada depressão.

- O livro deixa a ideia de que Robert e Teresa viveram em Portugal os seus dias mais felizes...

- Sim, e é irónico que Robert, no primeiro dia em Lisboa, decidiu fugir e voltar para a Alemanha. Sentiu-se esmagado por um país estranho, não estava preparado para viver no estrangeiro. Mas já tinha assinado, e teve de ficar. E o que começou por parecer um pesadelo acabou por tornar-se a paixão das vidas de Robert e Teresa. Em Lisboa, encontraram coisas que para vocês são comuns, mas para os alemães não. Andar nas ruas e ser abordado de forma entusiasta pelas pessoas, ir a um restaurante à beira-mar e ter a luz perfeita. Poder passear na praia sempre que havia vontade. Pequenas coisas diárias pelas quais se apaixonaram.

- Atendendo ao que aconteceu depois é inevitável pensar em termos de «e se...». Acredita que se tivesse ficado mais tempo em Portugal Enke teria sido uma pessoa mais feliz?

- Olhando para trás e sabendo o que se seguiu, sim. O próprio Robert, durante a primeira depressão, em Barcelona, escreveu no diário, depois de ver fotografias de jogos no Benfica: «tenho vontade de dar estalos em mim próprio, por que raio fui sair de Lisboa?». Mas, como digo, essa é uma construção que fazemos agora. Porque lembro-me de visitar Robert em Lisboa, em 2001, no seu último ano de Benfica, e encontrá-lo muito infeliz com o clube.

- Estava frustrado?

- Sim, havia um novo treinador de guarda-redes, Samir Shaker que, na opinião de Robert, não sabia nada sobre a posição. Ele sentia que estava a ser treinado para atuar num circo. Além disso tinha o impulso, natural em qualquer desportista, de conseguir algo mais. Achava que já não ia a lado algum com o Benfica, que a gestão era um desastre, apesar da história fantástica. Sentia necessidade de um clube mais ambicioso.

- É nessa altura que surge o convite do F.C. Porto?

- Sim, e também do Barcelona. Teresa queria que ele fosse para o Porto, para ficarem em Portugal. Robert levou a proposta a sério, porque financeiramente era a melhor de todas. Mas achou sempre que como jogador do Benfica não deveria aceitá-la, também por recear problemas com os adeptos. No fundo Robert estava à espera de uma saída, e foi dessa forma que viu a proposta do Barcelona: uma boa razão para dizer não ao F.C. Porto. Ironicamente, José Mourinho, com quem tinha trabalhado no Benfica, queria tê-lo no Porto. Mas também tinha sido adjunto de Van Gaal, que era o treinador do Barcelona. Alguém do Barcelona ligou a Mourinho, pedindo opinião sobre Robert, e ele ficou na estranha situação de querer o jogador no Porto e, por outro lado, dar ao Barcelona um parecer favorável a seu respeito.

- No Benfica, Enke teve uma relação profissional curta mas de grande impacto com José Mourinho...

- Sim, ele nunca mo disse diretamente, mas disse-o ao seu representante, Jorge Neblung: «Mourinho foi o melhor treinador que tive». Nessa altura, no Benfica, não se prestava atenção aos detalhes. Mourinho mudou isso, fazendo coisas que na altura eram muito invulgares. Um treinador a dizer de forma precisa ao seu guarda-redes de que forma deveria iniciar as jogadas da equipa, para que lado meter o passe, como abrir o jogo, era algo pouco visto. E Mourinho era muito exigente nesses aspetos, o que causou uma forte impressão em Robert. Além disso, pelo que Robert contava, a relação de Mourinho com a equipa era muito diferente da atual. Era mais novo, extremamente entusiasta, e com uma posição mais próxima dos jogadores, sem se pôr num patamar superior. Essa atitude foi muito bem aceite.