João Vilela, 29 anos, e uma carreira marcada por nove temporadas no Gil Vicente, está preparado para dar um novo rumo à sua carreira com a camisola do Belenenses. O Maisfutebol foi ao Estádio do Restelo mostrar a nova casa do médio que foi formado no Benfica e que, pelo caminho, também passou pelas mãos de Rui Vitória no Fátima. Depois do vermelho de Barcelos, Vilela agora só vê azul à frente e não esconde a ansiedade por começar a trabalhar com Ricardo Sá Pinto.

Nasceu em Lisboa, fez toda a formação no Benfica, mas acabou por fazer boa parte da carreira em Barcelos e no Gil Vicente. É bom estar de volta à cidade onde nasceu?
- Sem dúvida, para mim e para a minha família. Tenho aqui uma filha mais velha que já me tinha pedido para vir jogar para Lisboa e até citou o nome do Belenenses entre outros como uma boa possibilidade para mim. Fico feliz por voltar a esta cidade que é linda e poder representar um clube tão grande como o Belenenses deixa-me mais satisfeito ainda.

Foram muitos anos no Gil Vicente, na última época ultrapassou a marca redonda dos 200 jogos (203). É um clube que marca definitivamente a sua carreira?
- Sim, claro, foram nove anos, estou grato por ter passado lá esses anos todos, mas neste momento já só penso no Belenenses e nos passos que vou dar a seguir, mas gosto de frisar que estou grato ao Gil Vicente. Foram muitos anos, com altos e baixos, mas, no cômputo geral, os meus anos lá foram anos de sucesso e representei da melhor maneira o clube.



Nove anos certamente com muitas histórias, com promoções, despromoções e uma final da Taça da Liga. O que lhe marcou mais em Barcelos?
- Foi tudo um pouco. A minha estreia na I liga também foi com a camisola do Gil Vicente, não me vou esquecer disso. Chegar à final da Taça da Liga também foi um dos pontos altos do clube e ficar ligado a essa história também é importante. Também houve uma subida de divisão que foi histórica. Portanto, são marcas que vou levar para sempre deste clube.

Chegou a dizer que se sentia «meio barcelense». É mesmo assim? Ficou-lhe no sangue?
- É verdade, vivi muitos anos lá, principalmente os primeiros anos como adulto, fiz-me lá homem e fiz-me lá jogador também. Foi nesse contexto que disse isso, sempre senti-me bem lá, foi uma cidade que me acolheu bem, as pessoas trataram-me sempre muito bem. Com certeza que voltarei para as visitar, estou muito grato por me trem recebido tão bem.



Curiosamente, o Gil Vicente acaba por descer quando o João Vilela faz uma das melhores temporadas da sua carreira (32 jogos e 7 golos). A mágoa é maior por ter sido assim, por não ter encontrado correspondência do coletivo?
- Tenho mágoa por ter descido de divisão, como é óbvio. Depois existe esse contraste, de ter feito a minha melhor época em termos de números, de golos principalmente, mas as coisas aconteceram como aconteceram, infelizmente para o clube. Mas acredito que a cidade e o clube merecem voltar brevemente à I Liga.

No jogo que ditou a descida do Gil, na penúltima jornada, frente ao Penafiel (1-2), marcou o golo do empate que ainda permitia sonhar. Sente que deu tudo o que tinha em Barcelos até ao último minuto?
- Saio do Gil de consciência tranquila, fiz tudo o que estava ao meu alcance para ajudar o clube nestes anos todos. É com esse pensamento que saio, de ter dado sempre o meu melhor, o meu máximo, e é isso que quero agora também pensar para o Belenenses, quero trazer a minha seriedade, o meu trabalho e dar sempre o máximo.



Depois, na última jornada, defrontou o Belenenses (0-2). Foi um acaso a marcar a passagem de testemunho? Já tinha alguma ideia de que iria vestir aquela camisola azul?

- Não, não fazia ideia nenhuma. Os contatos com o Belenenses foram depois e o acordo foi muito rápido, ficou tudo definido no último fim-de-semana. Foi curioso, engraçado, mas na altura não sabia de nada. Fiquei contente pelos amigos que tinha e que tenho no Belenenses, por terem conseguido o objetivo da Europa, nós infelizmente já não tínhamos objetivos. Estive depois com eles no balneário, mas ainda não sabia de nada. Só depois é que soube do interesse do Belenenses e foi tudo muito rápido até chegar aqui.

O Gil Vicente e o Belenenses tiveram alguns problemas no passado. O mais mediático foi o «caso Mateus» que levou à despromoção administrativa do Gil. Acha que os adeptos ainda se vão lembrar dessas histórias ou já é passado?
- As pessoas em Barcelos naturalmente não esquecem esse caso e eu também me lembro porque vivi o caso por dentro. Nós jogadores, se as pessoas pensarem bem, até fomos dos que mais sofremos com este caso todo. Descemos de divisão, perdemos visibilidade, perdemos contratos, muita coisa. Como é óbvio, os sentimentos das pessoas há uns anos eram diferentes, as coisas agora estão mais calmas, a relação entre os clubes está melhor, portanto, por aí, acho que não vai haver confusão.



Fechando o capítulo de Barcelos, o Gil Vicente desceu, mas o João Vilela continua na I Divisão e com a perspetiva de estrear-se nas competições europeias [o Belenenses vai jogar a 3ª pré-eliminatória da Liga Europa]. Foi um fator determinante na sua opção?
- Foi sem dúvida, claro que a Liga Europa é um atrativo, mas como também já disse, a minha a opção foi pela história deste clube e pelo peso desta camisola. Penso que qualquer jogador gostaria de representar este emblema, mesmo não estando na Liga Europa. Ficar na I Liga era um dos meus objetivos e fiquei feliz por o ter conseguido.

Será sempre uma temporada especial, uma vez que nunca jogou nas competições europeias.
- No Benfica, quando ainda era júnior, cheguei a ser convocado para a Taça UEFA e para a Liga dos Campeões, mas não cheguei a ser utilizado. Agora, se for utilizado, como espero, será mesmo uma estreia.



O Belenenses só confirmou há poucos dias que Ricardo Sá Pinto será o treinador para a próxima época. Já sabia quando assinou? Já falou com o novo treinador?
- Quando assinei já sabia, mas ainda não tive oportunidade de falar com ele. Vamos ter muitas oportunidades para conversar ao longo da época.

Mas já conhece o treinador que  há quatro anos treinou o Sporting. Que imagem é que tem do novo mister?
- Conheço melhor o percurso dele como jogador, não sei se chegámos a defrontar-nos como jogadores, mas já nos cruzámos com ele no banco, tanto no Sporting, como no Leiria, quando foi adjunto do Pedro Caixinha. A ideia que tenho dele é da experiência que tem como jogador. Teve uma carreira notável e acredito que os conhecimentos dele podem ajudar-me a tornar-me num melhor jogador. Estou muito motivado para começar a trabalhar com o mister Sá Pinto.

No Belenenses também vai encontrar alguns jogadores que certamente já conhece. É amigo de infância de Gonçalo Brandão, apesar de nunca terem jogado juntos. Como é que cresceu essa amizade?

- Nos escalões de formação jogámos muitas vezes contra o Belenenses. Depois temos muitos amigos em comum, como o Rúben Amorim, o David Simão, e desde os nove anos que jogamos uns contra os outros. Eu e o Gonçalo chegámos muitas vezes a ir almoçar e a jantar juntos com as nossas famílias. Foi uma amizade que ficou. Depois nas seleções também chegámos a conviver, mas em anos diferentes. Mantivemos sempre contato e uma amizade que foi ficando. Felizmente agora encontro-o aqui.



Já olhou para o plantel? Há mais algum jogador que lhe diga alguma coisa de especial?
- Também já joguei com o Filipe Mendes, o guarda-redes, há muitos anos na formação do Benfica. Também ainda cheguei a cruzar-me com o Tiago Caeiro quando ele ainda era guarda-redes, há essa curiosidade. Temos amigos em comum também. Com o Carlos Martins não sei se cheguei a cruzar-me, mas também o conheço bem. De uma forma ou de outra, acabamos por nos conhecer a todos, mas agora será de uma forma diferente, no mesmo balneário.

Falou no Filipe Mendes que curiosamente na época passada jogou com o número 77, o mesmo número que João Vilela tem utilizado ao longo da carreira. Como é que vai ser?
- Não sei, ainda não falei sobre os números, mas o 77 foi o primeiro número que me deram quando cheguei à equipa B do Benfica. Mantive até hoje, foi um número que foi ficando. Gostava de ficar com o 77, mas isso também não é o mais importante.

O Belenenses já tinha alguns jogadores experientes, como o Carlos Martins e Nélson, e parece que este ano vai reforçar essa tendência, não só com o João Vilela, mas também Tonel. Essa experiência acrescida pode ser determinante ao longo da temporada?
- É essa com certeza a ideia da direção. Nós, os jogadores mais experientes, vamos tentar colaborar com isso e ajudar no melhor que pudermos.



A sua carreira tem algum paralelismo com a de Tuck, antiga referência do Belenenses que também fez boa parte da carreira no Gil Vicente, chegou tarde ao Restelo, mas a tempo de ainda vir a ser uma referência do clube. Acha que também pode vir a conseguir esse estatuto aos 29 anos?
- Claro que gostava. Já me tinha lembrado dessa curiosidade quando apareceu o interesse do Belenenses. Além do Tuck também houve o Wilson, antigo central, que também foi uma referência nos dois clubes. Claro que também gostava de ser uma referência aqui como fui em Barcelos. Era sinal que as coisas tinham corrido bem.

Voltando um pouco atrás. Esteve treze anos no Benfica, nove na formação, mais quatro na equipa B. Na altura era apontado como um dos jogadores mais promissores da sua geração. Lamenta não ter tido mais oportunidades na Luz quando passou a sénior?

- Eram tempos diferentes, mas não muito, porque o Benfica continua a não apostar muito na formação, apesar de agora querer mudar um pouco essa mentalidade. Mas creio que sim, alguns jogadores da formação acabaram por ser desperdiçados em termos de talento. Eu até cheguei a ter algumas oportunidades mas, depois, não sendo uma desculpa, também sofri uma lesão num momento importante em que ia fazer a transição da equipa B para a equipa principal. Estive seis meses parado e, quando voltei, tive a oportunidade de ir jogar para a I Liga no Gil Vicente. O Benfica acabou ceder o meu passe e fui ficando.

Mas chegou a fazer uma pré-época com a equipa principal do Benfica, não foi?
- Até fiz duas, a primeira como o Giovanni Trapattoni, depois com o Ronald Koeman. Essa segunda foi a tal da lesão.

Faz sentido o presidente do Benfica vir agora anunciar que que vai reforçar a aposta na formação?
- Acho que fazia sempre sentido. O Benfica sempre teve muita qualidade na formação e é de estranhar que poucos jogadores apareçam na equipa principal. Acho que esse tem de ser cada vez mais o caminho. Tenho visto alguns jogos das seleções jovens e vejo jogadores com bastante qualidade. Às vezes vai-se buscar jogadores ao estrangeiro que até têm menos qualidade do que os nossos. Portanto, não vejo qual é o problema de se apostar nos nossos jogadores.



No mesmo ano em que passou a sénior, Rui Vitória chega ao Benfica para treinar os juniores. Chegou a cruzar-se com o novo treinador do Benfica no Seixal nessa fase?
- Não, o Rui Vitória só foi meu treinador mais tarde, no Fátima. Nesse período já estava na equipa B e lembro-me que, na altura, falaram-me muito bem dele nos juniores. Perdeu um título nos últimos minutos para o Sporting, mas tinha um grande grupo.

Em 2009/10, na primeira vez que saiu do Gil Vicente, foi para o Fátima onde, além de Rui Vitória, encontrou muitos jogadores do Benfica: Veríssimo, Pedro Correia, André Carvalhas, David Simão, Sami…
- Era uma equipa muito boa que tinha essa particularidade de ter muitos jogadores do Benfica, até os treinadores já tinham passado pelo Benfica. Foi a melhor equipa da história do Fátima até hoje.

O Rui Vitória, ao contrário de Jorge Jesus, parece ser um treinador muito calmo nos jogos. Como é que era nos treinos?
- No banco era sempre calmo, mas o Rui Vitória é um treinador que impõe muito bem as suas ideias e que também é firme. Quando tiver de ser mais agressivo para os jogadores também o é. É um treinador que se apoia facilmente e consegue agarrar o grupo quase sempre. Basta olhar para os resultados, se não tivesse o grupo do lado dele, não conseguia os resultados que tem conseguido nos últimos anos.


Teve algum episódio mais marcante com Rui Vitória? Alguma particularidade no treino? Marcou de alguma forma a sua carreira?
- Tínhamos muitas brincadeiras, era um treinador sempre bem-disposto. Quando era para brincar era para brincar, quando era a sério era a sério. Era, sem dúvida, muito profissional, sabia separar bem as coisas. Por exemplo, íamos numa carrinha todos os dias de Lisboa para Fátima e voltávamos e ele às vezes até ia a conduzir, dava-se muito bem com os jogadores, era quase como um amigo, mas quando era para trabalhar também era sério e muito profissional.

Alguma história particular desses tempos?
- Ele tem um adjunto [Arnaldo Teixeira] que era fantástico, sempre bem-disposto, e, entre os dois, tinham várias brincadeiras para animar o grupo quando era preciso, aquela vitamina para animar os jogadores. Nesse sentido, os dois safam-se muito bem e agarram o grupo. Já passaram alguns anos e não me lembro de pormenores, mas lembro-me que senti sempre uma grande vontade de trabalhar com aquela equipa técnica.

Teve uma única experiência fora do país quando esteve cinco meses no Irão ao serviço do Tractor comandado por Toni. Que recordações guarda dessa passagem por Tabriz?
- Foi uma experiência num país que é um pouco fechado, mas foram cinco meses ricos em vivências. A nível do futebol achei que foi uma experiência fantástica, o ambiente das pessoas à volta dos estádios, o entusiasmo dos adeptos à volta da equipa é comparável ao que vemos aqui na Europa na Turquia. São adeptos completamente fanáticos e loucos que fazem centenas de quilómetros para ir ver a equipa joga. É pena que isso às vezes falte aqui em Portugal, também pela economia e isso tudo, mas acho que foi uma experiência fantástica.



Os jogadores são ídolos para eles e até os treinadores, como é o caso do Toni. A nível pessoal também foi importante por estar a viver sozinho num país diferente, com uma cultura completamente diferente. Felizmente tive a ajuda do Flávio [Paixão] que já estava lá há algum tempo. Encontrei um povo muito acolhedor, só foi pena as pessoas no poder não terem sido corretas como deviam ser, mas isso acontece em todo o lado. De resto só tenho a falar bem das pessoas e do ambiente.



Foram só cinco meses, mas foi com certeza inesquecível. Uma experiência que mete, inclusive, um terramoto. É verdade?

- Foi uma coisa incrível. Estávamos sossegados em casa à espera da hora do treino e de repente começam a estalar as paredes e sentimos o chão a abanar. Ficámos em pânico. Ouvimos gritos da rua e das escadas até que conseguimos sair todos do prédio e ficámos lá fora à espera. Depois houve réplicas e mais réplicas, mas felizmente estamos cá para contar a história, mas foi um bocado assustador.

Foi a sua única experiência no estrangeiro. Gostava de poder voltar a emigrar?
- Não sei, agora só estou com a cabeça no Belenenses.

A fechar, para os adeptos do Belenenses que ainda não o conhecem bem. Quem é João Vilela? O que é que pode trazer ao clube e à equipa?
- Quero ajudar a equipa da melhor maneira possível. Defino-me como um jogador inteligente que vem para ajudar em primeiro lugar a equipa e as ideias do treinador para alcançar o sucesso. Passa muito por aí, mas também gosto de fazer os meus golitos e espero fazê-los também com a camisola do Belenenses.