Aos 25 anos, Rui Silva afirmou-se no Granada e está a realizar a melhor temporada da carreira. Depois de duas épocas à sombra de Ochoa e Javi Varas, o internacional sub-21 é figura de proa no conjunto do Granada e é o guarda-redes menos batido da segunda divisão espanhola. Em janeiro foi distinguido como o melhor guarda-redes da primeira volta.

Antes de se afirmar como uns dos bons guarda-redes portugueses, Rui Silva começou por jogar futsal e foi como que empurrado para a baliza. Manteve a posição aquando da mudança para o futebol, contudo, isso não o impediu de marcar alguns golos.

O guarda-redes recordou os quatro anos e meio cheios de altos e baixos no Nacional - em que morou por baixo da bancada -, abordou a relação com Manuel Machado e dos dois anos difíceis na Andaluzia, especialmente a descida de divisão. É um menino com objetivos ambiciosos, sem medo das palavras e que já foi observado por responsáveis da seleção nacional. Fique connosco, caro leitor.


Percurso de Rui Silva:

Restauradores (Futsal): 2003 a 2006
FC Maia: 2006 a 2012
Nacional: 2013 a janeiro de 2016
Granada: janeiro de 2016 - 


MF: Trabalhou com o Prof. Manuel Machado durante a maioria do tempo que esteve no Nacional. Foi o treinador que mais o marcou?
RS: O mister Manuel Machado entrou à 7.ª jornada para o lugar do mister Caixinha. Posso dizer que foi o treinador que mais me marcou, foi com quem partilhei mais anos na minha curta carreira. Em quatro anos e meio, estive quatro com ele.

MF: O Prof. Manuel Machado tem uma forma peculiar de se expressar. É difícil entendê-lo?
RS: (risos) O grupo entendia-o perfeitamente. Quando falava com os jogadores não usava o mesmo vocabulário que utilizava com a comunicação social. Às vezes uma palavra ou outra, mas nada de especial. O mister Manuel Machado é muito boa gente.

MF: Nas duas primeiras épocas, o Rui jogou apenas 13 jogos. A que razões se deveu isso?
RS: Posso dizer que o meu primeiro ano de sénior foi muito complicado. Raramente fui convocado. Estreei-me contra o Leixões, no Estádio do Mar, e penso que estive bem. Senti que a partir daí começaram a olhar para mim como uma opção válida. Imediatamente a seguir, lesionei-me no menisco. Tentei recuperar para chegar a Toulon e o mister Manuel Machado acabou por me dar a oportunidade de fazer a estreia na Liga contra o Gil Vicente, em Barcelos. No ano seguinte [ndr: 2014/15] passei a ser o segundo guarda-redes. O Gottardi lesionou-se e o mister colocou-me a jogar à 3.ª jornada. No encontro seguinte, voltei a ser suplente e perdemos. Na semana que antecedeu o jogo com o Sp. Braga, 5.ª jornada, o mister disse-me ‘prepara-te que sábado vais jogar’. Fiz seis jogos seguidos, inclusive um no Dragão e contra o Benfica, em casa. No último jogo desta série, fiz um jogo menos conseguido. Estava com muita pressão naquela fase e a partir daí o mister Manuel Machado excluiu-me. Estive vários meses sem jogar. No final da época o Gottardi lesionou-se e acabei a época a jogar. 

 

Rui Silva em destaque no jogo contra o FC Porto, no Dragão.



MF: A posição de guarda-redes é a mais ingrata no futebol.
RS: É muito complicado. Fui uma das figuras contra o FC Porto e, na semana seguinte, cometi dois erros e sai da equipa. Não piorei de uma semana para a outra. São momentos do jogo. Tanto podes estar muito bem num jogo e no outro já és o vilão.

MF: Como é que aos 20 anos lida com isso?
RS: É muito complicado. Ainda por cima, a seguir ao jogo do Benfica, fui para a seleção de Sub-21. Estive sem trabalhar com a equipa durante uma semana e quando cheguei faltavam dois ou três dias para uma partida da Taça. O mister Manuel Machado perguntou-me como estava e eu disse-lhe que estava bem. Falou-me dos erros no jogo com o Benfica e disse-me para continuar a trabalhar. Fiquei na dúvida, mas a partir daí sai da equipa. Foi complicado pois tudo mudou de um momento para outro. Contudo, foi uma fase que me fez crescer.

MF: Depois ganha o lugar e em ano e meio faz 44 jogos. Sentiu que evoluiu para um patamar superior?
RS: Posso dizer-te que também tive muita sorte. O Gottardi era um excelente guarda-redes, mas por outro lado tinha muitas lesões. Acabei por beneficiar dos problemas físicos que ele tinha. No ano seguinte, o Gottardi voltou a começar a época como titular jogar, mas sofreu uma lesão no joelho. Entrei ao intervalo contra a Académica e acabámos por ganhar. Joguei o jogo seguinte em Alvalade e penso que me exibi a bom nível. Agarrei o lugar. Fazer cinco jogos não é o mesmo que fazer vinte. Fiz uma época regular. O Gottardi não renovou no ano seguinte e agarrei o lugar.

MF: Porquê o Granada? Sobretudo quando era titular absoluto do Nacional.
RS: Costumo dizer que as oportunidades são para serem aproveitadas. Estava contente no Nacional, jogava sempre, mas queria outro patamar. Surgiu a hipótese de jogar na Liga espanhola, embora o clube estivesse em zona de descida. Entusiasmou-me e felizmente a transferência concretizou-se e assinei por quatro anos e meio.

MF: Como foi a adaptação a Espanha?
RS: Joguei em Chaves a uma segunda-feira e no sábado já estava sentado no banco para o jogo com o Villarreal. Comecei a pensar “ainda a semana passada estava a jogar contra o Desp. Chaves e agora estou aqui na primeira Liga espanhola”. Não há palavras.Vivi duas semanas num hotel, mas desde que arranjei casa tudo ficou mais simples. Tive pequenos problemas para resolver, questões burocráticas relacionadas com bancos, telecomunicações, etc. 

MF: Quais são as principais diferenças do futebol português para o espanhol?
RS: Acima de tudo, a qualidade dos jogadores e a intensidade. Não quero dizer que em Portugal não há intensidade, mas em Espanha… é um nível superior.

MF: Tem alguma história engraçada fora do relvado que possa partilhar?
RS: Tenho uma história, sim. Normalmente quando jantamos ou almoçamos fora em Portugal, pedimos fatura com contribuinte. A primeira vez que fui a um restaurante pedi como fazia aqui. O funcionário ficou a olhar para mim, inicialmente sem perceber. Mas lá acabou por fazer o que pedi, dizendo-me que a fatura iria seguir por e-mail (risos). Duas semanas depois recebi a fatura.

MF: Sofreu algum tipo de praxe?
RS:
Não, por acaso não. Limitei-me a pagar um almoço de equipa, juntamente com três colegas.

MF: Vai para o Granada e acaba por não jogar nenhum jogo.
RS: Tinha uma excelente relação com Ochoa, é um excelente guarda-redes que trabalha sempre nos limites. Acho que o clube me devia ter dado a oportunidade de me estrear na Liga, sobretudo quando já tínhamos descido de divisão. Faltavam quatro jogos para o fim do campeonato e ainda tinha esperança de ser convocado para o Euro sub-21, tinha estado no estágio antes da competição. Não se proporcionou e fiquei triste por isso, embora a situação da equipa não fosse a melhor.

MF: Em meia época o Granada desce de divisão. Deve ser dos piores sentimentos que existe no futebol…
RS: Nesse ano «desci» duas equipas, o Nacional também foi despromovido. Soubemos que íamos para a segunda divisão espanhola depois de um jogo em casa da Real Sociedad. O ambiente foi muito complicado. Ver adeptos, direção e colegas cabisbaixos... É uma sensação horrível.

MF: Acaba por não ir ao Euro sub-21 em 2017.
RS: Estava entre três ou quatro escolhas. Tocou-me a mim ficar de fora. O Bruno Varela, Miguel Silva e Joel Pereira foram chamados.

 

Jogo entre Nacional e Benfica que custou a titularidade a Rui Silva



Rui Silva: «O Tiquinho Soares é uma comédia»

MF: No primeiro ano na Segunda Divisão espanhola, o Rui joga apenas cinco jogos.
RS:
No final da época o clube chamou-me e disse-me que o clube ia apostar num guarda-redes mais experiente. Mudámos de treinador, fizemos um grupo totalmente novo. Quando estava de férias, fiquei a saber da contratação do Javi Varas. Tive de esperar mais um vez, fui muito difícil.

MF: O clube desce, o Rui não joga. O que lhe passou pela cabeça na altura?
RS: Tive muitos dias a refletir e, nessa altura, duvidei da minha escolha. Comecei a pensar “chego a Espanha, não jogo, ninguém me conhece”. O apoio familiar foi muito importante, embora não possa dizer o mesmo em relação ao resto.

MF: Este ano leva 27 jogos, foi eleito o melhor guarda-redes da primeira volta pela Marca e é o menos batido do campeonato. Está a ser a sua melhor época?
RS: Tenho feito exibições regulares. Sinto-me bem, estou a crescer. A equipa é bastante sólida e isso é meio caminho andado. Na pré-época vi que as coisas não estavam muito bem para o Javi Varas, nem sequer era convocado para os jogos amigáveis. Pensei que podia ter chegado a minha hora.E chegou.  Está a ser a minha melhor época, estou orgulhoso. Lembro-me do que passei para chegar aqui e agora estou a desfrutar. Tenho de continuar a ser regular.

MF: Qual é o objetivo do Granada? Estão no 2.º lugar.
RS: O objetivo é a manutenção. Para isso são precisos 50 pontos, o que não é nada fácil. Vamos pensar jogo a jogo. Estamos numa fase em que podemos lutar por algo bonito, mas até há bem pouco tempo não pensávamos em subir. A liga é muito longa e as equipas estão muito próximas nos primeiros lugares. Os jogos são bastantes competitivos, intensos e, por vezes, basta um erro para perder.

MF: Um membro da equipa técnica do Fernando Santos já esteve a observá-lo. Teve conhecimento disso?
RS: Sim, o clube informou-me. Sei que observaram o jogo contra o Deportivo, mas não me senti mais pressionado por isso. Se algum dia conseguir chegar à seleção, ficarei muito feliz. É um sonho de criança e vou trabalhar para o realizar.

MF: Acha que terá de sair do Granada para jogar na I Divisão espanhola?
RS:
Ainda tenho mais dois anos de contrato. Claro que quero jogar na primeira liga espanhola, de preferência ao serviço do Granada.

MF: Está nos seus planos regressar a Portugal a curto/médio prazo?
RS: Para já quero voltar à liga espanhola, a melhor liga do mundo. Mas não descarto regressar.

MF: Quem são os seus grandes amigos no futebol?
RS: Rui Correia, Sequeira e Licá.

MF: Há dois jogadores com quem partilhou o balneário que têm estado em destaque em Portugal: O Tiquinho Soares e o Sergio Peña.
RS: O Soares é uma comédia. Sempre foi o mais brincalhão do balneário do Nacional, estava sempre bem-disposto. É uma pessoa dez estrelas e um grande profissional. O Peña esteve comigo no Granada no ano passado, é um jogador com muito talento. Pode chegar a um nível muito superior, mas só se quiser. Tem qualidades de sobra para isso. No entanto, penso que deve trabalhar mais e melhor nos treinos para melhor os índices físicos e a intensidade.