Chegando à praça Ferenc Deák vemo-lo ao fundo a comentar para uma TV um jogo de futebol numa «fanzone» montada no centro de Budapeste.

Akós Buszáky. Lembra-se dele?

Pois bem, foi o último húngaro a sagrar-se campeão português, além de ter participado caminhada para a conquista da Taça UEFA, também em 2002/03, com José Mourinho.

Afável, sorridente e num português perfeitamente percetível, antigo médio, agora com 39 anos, recorda essa sua passagem pelo FC Porto, onde se vestia para ir treinar como se fosse ao teatro, numa equipa onde tinha ao seu lado o ídolo Deco. «Não concorri muito com ele», confessa.

Depois de uma passagem pela Académica, rumou ao futebol inglês onde foi companheiro de meio-campo do benfiquista Taarabt, que «é como o Bruno Fernandes, mas sem tanta cabeça».

Akós deixou de jogar em 2014, muito por culpa das lesões, tem agora uma escola de futebol, mas continua a cumprir pontualmente a função de comentador televisivo. E é também por aí que começa a conversa, com uma análise ao Hungria-Portugal, as duas seleções pelas quais está a torcer neste Euro 2020.

Carreira: MTK Budapeste (1999–2002), FC Porto (2002/03), Académica (2003/04), FC Porto B (2004/05), Plymouth (2005-2008), Queens Park Rangers (2008–2012), Portsmouth (2012/13), Barnsley (2012/13) e Ferencváros (2013/14).

Começando pela estreia no Euro, achou justa a vitória de Portugal sobre a Hungria por 3-0?

Portugal tem mais qualidade do que a Hungria, tem uma equipa mais forte e melhores jogadores. A Hungria procurou sobretudo defender. Sempre que recuperávamos a bola os nossos jogadores estavam mais preocupados no que poderia acontecer se a perdessem e ficasse espaço nas costas. Fiquei um pouco desapontado. Podíamos ter perdido, mas mostrado outra imagem. Portugal foi paciente e destroçou-nos nos últimos cinco minutos, mas a diferença de três golos é exagerada.

E houve Ronaldo já perto do fim.

Ronaldo, claro, mas não só. No último golo fazem mais de 30 passes. Os jogadores húngaros quebraram fisicamente, estavam tão cansados que já não conseguiam fechar os espaços. Não é possível defender durante 90 minutos.

Não foi pelo ambiente no estádio que a Hungria perdeu.

No estádio era inacreditável… Nunca vi nada assim. Imagina se nós tivéssemos uma seleção como Portugal! Fazemos o possível com o que temos, mas há que ser realista. Acho que o jogo com a França, no próximo sábado, vai ser ainda mais difícil.

Já há ambiente de festa no Euro?

Quando eu jogava na Académica, estava em Portugal e vivi de perto o Euro 2004. Havia pessoas de França, Inglaterra, Suíça… Tudo no mesmo país. Neste Euro, um jogo é num país, outro é noutro… Aqui em Budapeste há quatro jogos, mas o melhor do Euro é juntar toda a gente. Podes beber uma cerveja com um italiano e a seguir com um sueco e falar sobre os jogos. Contudo, percebo que com esta situação da Covid isso não seja fácil. Há três meses era impossível viajar para outro país. Estou feliz por termos chegado a este ponto. Agora, o verdadeiro o Euro sente-se verdadeiramente é na Aréna Puskás.

Portugal é um dos candidatos à vitória no Europeu?

Acho que sim. Portugal tem melhor equipa do que a maioria das seleções que já vi jogar.

Considera esta seleção portuguesa mais forte do que a de 2016?

No último Euro dependia mais do Cristiano Ronaldo. Se ele marcasse e jogasse bem, Portugal ganhava. Se não, era muito mais difícil. Agora, tem jovens jogadores com um talento incrível. Esta Seleção portuguesa não é só um craque. Tem jogadores em destaque na Premier League e noutros campeonatos importantes. Acho que tem melhores jogadores, não sei se será a melhor como equipa. Vamos ver. Tirando o jogo com a Hungria, estou a torcer por Portugal.

Tem algum jogador preferido na seleção portuguesa?

Muitos. Gosto do Diogo Jota… E ainda o Pepe! Muitos não gostam do estilo dele, mas é como uma muralha. No o Euro ganho por Portugal a defesa foi fundamental. Agora, para além de uma defesa muito forte, têm jogadores incríveis na frente.

O Akós foi 20 vezes internacional pela Hungria e defrontou Portugal. Lembra-se desses jogos?

Sim, dois jogos. Em Budapeste, quando ganharam 1-0 com um cabeceamanto do Pepe, e outro na Luz, que perdemos 3-0. Não gostei muito desses jogos… [risos]

Na sua carreira conquistou um campeonato português e uma Taça UEFA, em 2002/03, com José Mourinho. Participou num dos jogos dessa conquista europeia [90 minutos contra o Denizlispor, 2-2]. Que memórias guarda dessa época?

Aquele plantel do FC Porto era incrível. Jorge Costa, Deco, Maniche, Costinha, Vítor Baía… Para mim, treinar com eles era uma honra. Tinha 21 anos, saí da Hungria e fui para o FC Porto, um clube histórico, com um treinador jovem, mas que toda a gente já via que ele tinha um grande futuro, grandes jogadores. Foi perfeito começar por ali a minha carreira profissional.

Não era fácil concorrer com o Deco no meio-campo?

Não concorri muito… [risos] O Deco era o meu ídolo. Joguei com jogadores bons tecnicamente, mas o Deco era de outro nível.

Foi o melhor jogador com quem jogou?

Acho que sim.

Quem eram os patrões do balneário nesse FC Porto?

Jorge Costa. E também Paulinho Santos, Vítor Baía… Para mim, treinar no FC Porto era uma festa. Todos os treinos eu ia vestido de fato, camisa, como se fosse ao teatro. E eles gozavam com o meu estilo húngaro.

E Mourinho, marcou-o como treinador?

Ele conversava com os jogadores de uma forma que nenhum outro treinador o fazia. Falava a língua dos jogadores. E tinha uma equipa técnica muito boa. Por isso, o sucesso dele não foi apenas no FC Porto. Aconteceu também no Chelsea, no Inter de Milão…

O que lhe correu mal nos últimos tempos?

Em Inglaterra, os jogadores têm uma personalidade muito forte. E isso torna-se difícil para um treinador. Se os resultados aparecerem, tudo bem. Mas quando as coisas correm mal o treinador tem uma pressão enorme por parte dos adeptos. Nos últimos anos não sei o que se passou. Se calhar ele precisa de um novo desafio.

Onde viu aquela final da Taça UEFA, em Sevilha, contra o Celtic?

Na bancada, com o resto dos jogadores não convocados. Entrei no campo depois do jogo e tirámos fotografias. Tenho uma camisola emoldurada com a assinatura dos meus colegas de equipa. Depois da camisola da Hungria, é aquela de que mais gosto.

Tem boas recordações do Porto?

Morei perto das Antas. Depois perto da Ponte Arrábida. Gostava muito de ir para a praia, o centro da cidade também não ficava longe… Gostava de lá viver. Vou a Portugal a cada dois anos, tenho lá bons amigos. Tenho uma escola de futebol na Hungria e mantenho contacto com vários clubes. Por causa disso, ainda tenho de falar português. Se não voltasse para a Hungria, depois de acabar de jogar, teria ficado em Portugal.

Passou a maior parte da sua carreira em Inglaterra. No Queens Park Rangers foi companheiro de meio-campo do Taarabt, que está no Benfica. Como era a vossa relação?

O Taarabt? É um rapaz maluco. [risos] Depois do Deco, Taarabt foi dos melhores com quem joguei. Um contra um ninguém lhe tira a bola. De cabeça é que é pior… Mas tem criatividade, é forte no um para um, sabe marcar golos e fazer assistências. É como o Bruno Fernandes, mas sem tanta cabeça.

Fora de campo ele era um problema?

Quando ganhámos o Championship [2010/11] ele jogou sábado, foi embora e voltou na quinta-feira. Fez um treino, voltou a jogar no sábado, marcou o golo com que ganhámos o jogo e foi embora outra vez… Ao mais alto nível é preciso ter mais foco e profissionalismo. Falta-lhe aquela ambição de ser sempre o melhor. Para jogar no Benfica, com jogadores de topo, é preciso isso.

Mas não considera que ele evoluiu no Benfica?

Quantos anos ele tem agora? 32?

Acha que ele ganhou essa maturidade já tarde?

Se ele a tivesse com 22 anos agora jogaria no Real Madrid.

O Akós passou também pela Académica, esteve oito épocas no futebol inglês, até terminar no Ferencváros, o clube mais popular da Hungria. Está feliz com a carreira que fez?

Se quando eu tinha oito anos alguém me dissesse que eu iria jogar na Premier League, eu diria «Estás maluco!». Infelizmente, ao longo da minha carreira, tive alguns problemas com o joelho. Jogava um ano, parava seis meses… No entanto, somando tudo, estou muito feliz por ter feito a carreira que fiz. Posso dizer às minhas filhas que em Inglaterra fui um jogador especial em alguns clubes onde passei.