Ainda estava no berço quando o Boavista foi campeão nacional. Quase 18 anos depois, pisa os palcos que outrora foram de glória absoluta da pantera no futebol português. De pai penafidelense e mãe marcoense, teve raízes em Amarante, mas mudou-se em definitivo para Marco de Canaveses, ainda criança. Largou o conforto de casa pelo «sonho que tinha» e que o levou a despontar esta época. Acabou chamado à seleção sub-19 e, esta quinta-feira, foi chamado para o Torneio de Toulon. A integração no Bessa foi facilitada, literalmente, à boleia de colegas de equipa. 

ENTREVISTA A GONÇALO CARDOSO - PARTE I

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MF – Irmão basquetebolista, pai ex-futebolista. O percurso familiar influenciou?

GC – O meu pai influenciou bastante. Mas sempre gostei de futebol. Claro que foi importante ele ter jogado. Ajudou no meu crescimento.

MF – E se não fosse futebolista?

GC – Nunca tive segundo sonho, mas teria continuado a estudar. Era bom aluno. Optaria por uma profissão ligada ao desporto.

MF – Tem consciência de que depois do futebol terá de optar por algo.

GC - Estava a terminar o 12.º ano, mas com a vinda para a equipa principal, tive de interromper. Estou a acabar este ano, vou tentar em exame nacional. Já fiz dois no ano passado, Português e Aplicações Informáticas. Este ano, irei fazer Biologia e tentarei Matemática. Com essas duas, termino o 12.º. Sei que a carreira de futebol é curta, é importante pensar a longo prazo.

MF – Férias a estudar?

GC – Não vai ser fácil só estudar (risos), mas terei de aplicar-me. Se não estudar, não vou conseguir.

MF – Era um bebé quando o Boavista foi campeão…

GC – Como é óbvio, não me lembro. Mas, desde a infância, sempre vi o Boavista como um clube histórico, campeão nacional.

MF - Como foi a mudança para o Porto aos 16 anos?

GC – Tive de mudar de casa. Inicialmente, estranhei não ter os meus pais diariamente, mas eram precisos sacrifícios para poder concretizar o sonho que tinha. As primeiras semanas foram complicadas, mas, a partir daí, os meus pais, sempre que podiam, vinham cá, uma duas vezes por semana.

MF – Depois vai morar com o irmão para Leça.

GC – Sim, este ano. Ele está a estudar desporto na faculdade e a jogar.

MF – Nos primeiros treinos ia de metro. Depois, à boleia do David Simão e do Rafael Costa…

GC – Sim. E do Rafael Lopes. No início, vinha de autocarro e metro. Acordava às seis da manhã para vir para o treino. Um dia, a vir de um jogo amigável, estava a ir a pé para o metro. O David passou por mim e perguntou onde eu vivia e levou-me a casa. A partir daí, disse-me: “Não custa nada, eu vou para a Póvoa, faço o desvio”. Foi porreiro. Depois, o Rafael Lopes e o Rafael Costa foram viver para a Póvoa. Vinham os três de lá. E passam em Leça. Foi importante para a adaptação, deu para conhecê-los melhor. Facilitou-me a vida, podia descansar melhor, agradeço-lhes muito.

MF – Viagens com brincadeiras?

GC – O Rafael Lopes gosta de brincar. Por ser o mais novo, sou a vítima. É divertido, são viagens engraçadas. Mais para lá. Para cá vem tudo com sono (risos). Passa-se bem.

MF – Esta época também foi à seleção sub-19. A aparição no Boavista foi importante?

GC – É objetivo de qualquer jogador jogar pela seleção. A ascensão à equipa principal foi importante. A minha primeira chamada foi na semana da estreia. Ainda não tinha jogado. Não estando a jogar, conseguiram acompanhar. A partir do momento em que comecei a jogar, facilitou.

MF –Acredita num percurso até à seleção principal?

GC – É exigente. A seleção é um local onde há constante mudança. Claro que é meu objetivo seguir pelos sub-19, sub-20, sub-21 até à A. Não será fácil, mas é um sonho. Está a haver renovação na seleção A e é uma oportunidade para os jovens mostrarem que tem capacidade.

MF - O futebol e o desporto mostram que a progressão madrugadora pode desvirtuar caminhos. O seu pai já contou ao Maisfutebol que não foi preciso chamá-lo à atenção. Sempre teve noção de não pisar o risco para ser profissional?

GC – O meu pai sempre me explicou que havia muito por trás do sonho. Sacrifícios. E nem vejo isso como sacrifícios. É a vida que escolhi.

Cardoso na formação da AD Marco 09, que representou de 2009 a 2012

MF – Mas ao ver amigos a sair à noite, a fazer uma vida talvez mais livre que a de uma atleta de alta competição, sente que passa ao lado da juventude?

GC – Perde-se bastante da adolescência. Mas quando é isto que queremos, que é o meu caso, não sinto sacrifício. Nunca foi um sacrifício não sair à noite por ter jogo no dia a seguir. Apenas responsabilidade.

MF – Como é a empatia com os adeptos? Em Fátima até cantaram os parabéns pelos 18 anos.

GC – Nestes últimos jogos, um ambiente incrível. Com o Braga, quase 20 mil pessoas, foi uma festa. Senti que fui acarinhado. Tenho esse episódio a seguir à estreia, em Fátima, em que me cantaram os parabéns. Foi especial. 

MF - Há qualidade na formação do Boavista para mais casos como o Gonçalo?

GC – Nos últimos jogos, tivemos o Ackah, jogava comigo nos juniores. A probabilidade de começar a ver mais jogadores da formação é grande. Bom para o Boavista, para o futebol português, para os jovens.

MF – E se era bebé quando o Boavista foi campeão, gostava agora de ajudar a um título?

GC – Claro. Os adeptos lembram-se do Boavista a ganhar títulos e seria um sonho ganhar novamente.

(artigo originalmente criado às 23h57 de 23/05/2019)