É abril e chove a mil à hora em Paços de Ferreira. Há vento, há frio, mas nenhum elemento da natureza é capaz de varrer os despojos tomados pelo emblema da Mata Real no passado fim-de-semana. 

O Futebol Clube de Paços de Ferreira já garantiu o regresso à Liga, um espaço que tem sido naturalmente seu desde o início da década de 90. 

Nada melhor, por isso, do que rumar à Capital do Móvel e falar com um homem que conhece como ninguém esse balneário. André Leão, 33 anos, médio com seis temporadas e meia de casa, executante de grande qualidade. 

Reservado mas, ao mesmo tempo, bom conversador, André Leão aproveita a entrevista ao Maisfutebol para fazer um balanço a uma carreira longa e bonita. Nesta parte da conversa olhamos para o interior do Paços, um clube que está a voltar a ser familiar e a corrigir o erro da época de descida. 

Vítor Oliveira, o homem do leme, merece também uma análise completa. 

90 minutos de perguntas e respostas, um jogo completo e cheio de ritmo na nova bancada do Paços de Ferreira, uma infraestrutura de I Liga. Cinco estrelas.


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Maisfutebol – O Paços vai voltar a jogar na I Liga. O André esteve na descida e agora na subida. Estavam a dever isto aos adeptos?
André Leão –
Sem dúvida. Estamos com um sentimento de dever cumprido, de recolocar o Paços no sítio onde tem de estar, a primeira divisão. Agora queremos ser campeões. Fizemos o nosso trabalho e corrigimos a asneira que fizemos o ano passado.

MF – O que falhou a época passada? O Paços já não descia há 14 anos.
AL –
Regressei ao clube em janeiro e o Paços não estava igual. Tinha perdido aquele aspeto familiar tão típico do Paços. E isso notava-se mesmo na formação do plantel. Em janeiro os reajustes não foram bem feitos, havia posições a precisar de reforços e eles não chegaram. Os próprios treinadores assumiram isso. Esse clube familiar, quando eu cheguei, não existia. O Paços cresceu muito em infraestruturas, mas faltou-lhe esse lado emocional na época passada.

MF – O espírito familiar, tão característico do Paços, foi resgatado na II Liga?
AL –
Completamente. Almoçamos e jantamos muitas vezes com as nossas famílias. Conhecemo-nos muito bem fora do campo, ficámos amigos e isso tem um efeito prático excelente. Mesmo que haja uma chatice dentro do relvado, eu sei que aquele jogador é meu amigo e vou ter de dar tudo por ele. Sei que ele fará o mesmo por mim. Criámos um grupo muito, muito bom.

MF – O André já foi com o Paços à Liga dos Campeões, já desceu e já subiu.
AL –
Já passei de tudo neste clube (risos). Fui campeão na Roménia pelo Cluj, mas ir à Liga dos Campeões com o Paços… nem se compara, foi muito mais forte. Esse terceiro lugar é histórico, muito difícil de conquistar em Portugal. Tínhamos um grande treinador, uma equipa a jogar grande futebol. A época passada foi o oposto, nunca tinha vivido nada igual no Paços.

MF – Faltava identidade à equipa? Tiveram três treinadores com ideias muito diferentes.
AL –
Totalmente diferentes. Não está em causa o valor de cada um deles, mas o Vasco [Seabra] nada tem a ver com o Petit e o Petit nada tem a ver com o João [Henriques]. O plantel sentiu muito isso e deixou-se ir abaixo. Infelizmente também parti um dedo do pé a época passada na Vila das Aves. Ainda fiz mais dois jogos, mas deixei de conseguir suportar a dor. Ver de fora…custou-me muito ver a incapacidade da equipa. Depois ainda vencemos o FC Porto e pensei que íamos melhorar e conseguir a manutenção sem problemas. Mas voltámos a cair e foi muito difícil sentir no balneário a impotência de todos. Faltava confiança, faltava tudo.

MF – O que faz um futebolista profissional quando as derrotas se acumulam?
AL –
Somos todos diferentes. No meu caso, bem, procurava refúgio na minha casa e nos meus filhos. Tentava abstrair-me, mas eu sou muito reservado e começo a remoer nas coisas. Mesmo quando não jogo gosto de rever as partidas ao pormenor, ao detalhe. Gosto de analisar tudo. Um médio tem de fazer visão de 360 graus (risos). Gosto de orientar os colegas e de ajudar quando não jogo. Gosto de chegar a casa e perceber o que falhou.

MF – O André já tem seis anos e meio de Paços. Os jogadores novos procuram a sua ajuda quando chegam?
AL –
Sim, dão-me essa responsabilidade. O Elves Baldé chegou agora em janeiro, emprestado pelo Sporting, e diz que é meu filho. Eu acho que ele é muito escurinho para ser meu filho (risos). Gosto muito dele. Sinto um bocado esse sentimento de pai no balneário, tento ajudar todos.

MF – Com esse perfil é provável que o André Leão seja um futuro treinador.
AL –
Sou um bocado reservado, demasiado se calhar. Não me imagino muito como treinador, vejo-me mais como observador, analista ou adjunto. Os meus colegas dizem que poderei ser um bom treinador, mas eu imagino-me mais como um apoio. Detesto falar em público. Nem dou muitas entrevistas (risos). Não gosto de aparecer, gosto de estar no meu canto. Numa festa eu sou aquele que nunca vai estar na primeira fila.

MF – Já teve duas lesões complicadas esta época. Ainda voltará a jogar?
AL –
Sim, já estou disponível. Fui titular contra o FC Porto B, mas no jogo passado o mister Vítor Oliveira optou por outro colega.

MF – Falemos então do Vítor Oliveira. O que nos pode revelar sobre ele, para que as pessoas percebam o que tem de especial? Já são 11 subidas no currículo.
AL –
Ele próprio diz que em termos de treino não tem nada de outro mundo. É o simples, o básico. Mas criou uma imagem muito forte, não precisa de fazer muita coisa. O que ele diz é a lei e ninguém o contraria. O jogador segue-o porque o Vítor tem provas dadas. Quando ele assinou pelo Paços várias pessoas ligaram-me a dizer que o Paços ia subir. E os jogadores sentem isso, sentem que estão com um treinador que vale a pena seguir. Aceitam tudo o que o Vítor diz. Ninguém abusa, não há egos, o Vítor Oliveira está acima de todos os jogadores.

MF – É o chefe incontestável do balneário.
AL –
Sim, soube liderar desde o início, manteve sempre os nossos pés no chão. É uma liderança simples e eficaz. Os treinos são bons, mas simples.

MF – Gostava que o Vítor Oliveira acompanhasse o Paços para a I Liga?
AL –
Claro que sim. Esse é o sentimento de todos. Depois de um ano tão bonito, queremos continuar esta história. O Vítor até diz que só se quer reformar na I Liga (risos). O Paços tem uma boa estrutura e pode permitir ao Vítor Oliveira construir uma bela equipa.

MF – O que mais o impressionou no Vítor Oliveira?
AL –
Ele dá muita confiança ao grupo. Toda a gente se sente útil. No balneário não há duas equipas. É muito difícil encontrar um plantel unânime em relação ao treinador. Aqui no Paços de Ferreira isso acontece e isso é a prova de que o futebol é muito mais do que a tática. Numa época acontece tanta coisa, há tantos problemas… Veja-se o caso do Nathan Júnior. Já sofreu várias lesões e ainda não fez um único minuto. Não é fácil gerir isso e o Vítor sempre integrou o Nathan, ele é assim. Não descarta nem exclui ninguém.

MF – O André Leão continuará no Paços de Ferreira?
AL –
Sim, estou com 33 anos e tenho mais uma época de contrato. Todos querem jogar na I Liga, jogar contra os melhores clubes e esse é o meu objetivo.

MF – O André, de resto, estreou-se na II Liga com 32 anos. Não é vulgar.
AL –
É verdade, só tinha jogado na antiga II Divisão B (risos), pelo FC Porto B. Foi o Paços que me fez ficar. Adoro o clube, diz-me muito, apesar de eu ser de Freamunde. Sempre me senti bem aqui, o clube também não tem nada a apontar-me. Sou acarinhado, sou feliz e só por isso aceitei jogar na II Liga.