Início de noite em Madrid. Bebé, nome pelo qual ficou conhecido Tiago Correia no mundo da bola, recebe-nos na sua casa em Majadahonda, não muito longe do complexo de treinos do Rayo Vallecano, o histórico espanhol onde o português joga desde 2016.

É na sala que recebe o Maisfutebol, numa altura delicada em que recupera de uma grave lesão  no joelho, sofrida no final de outubro. Bem disposto, Bebé começa a conversa por ténis, sobre a Taça Davis que decorria em Madrid, no dia em que foi gravada esta entrevista.

Tiago conta que é um fã recente da modalidade e que começou a vê-la por ter agora maior disponibilidade. Para já, diz, é Nadal quem mais o impressiona. Bebé deu nas vistas no Estrela da Amadora e, em poucos meses, deixou a Reboleira e aterrou no Manchester de Alex Ferguson.

Bebé, 29 anos, passou por Inglaterra, Turquia e Espanha, país que diz adorar e onde joga atualmente na segunda divisão. O antigo avançado de Benfica, Paços e Rio Ave em entrevista exclusiva ao nosso jornal.  


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MAISFUTEBOL: Continua a acompanhar aquilo que se passa em Portugal?

BEBÉ: Pouco. Acompanho o Benfica porque tenho muitos amigos mas não vejo muito o campeonato português. Vejo as notícias, mas a minha cabeça está no campeonato espanhol.

MF: Do que vê, o que está a achar da liga portuguesa até ao momento?

BEBÉ: O Sporting está a surpreender-me muito pela negativa. Não sei o que se passa ali. Uma equipa como o Sporting, com a história que tem, tinha de ter um plantel muito mais forte. O Sporting não podia estar a fazer o campeonato que está a fazer.

MF: O clube está a viver alguma instabilidade…

BEBÉ: Quando um clube está contra a claque… a claque tem muito poder. No Sporting olhas para os jogadores e pensas só no Bruno Fernandes. Depois há um ou outro e pensas que jogam sozinhos. Não têm equipa. É que não têm equipa. Olhas para o Benfica e tem estrutura, organização. É o que falta no Sporting e nas outras equipas. No Benfica não sai nada cá para fora. Sai apenas o que eles querem para as pessoas. O Benfica não é só equipa. É estrutura e organização.

MF: No ano passado jogou com o Raúl De Tomás. Que relação tinha com ele? Como avalia a sua prestação no Benfica?

BEBÉ: O Raúl é um jogador que é especial. Digo isto a toda a gente. Tenho falado com ele mas não está a fazer golos e já sabem como é o Benfica. O Benfica é grande. No Benfica se não marcas em um, dois ou três jogos… os adeptos caem-te em cima, pedem-te justificações porque gastaram 20 milhões e não marcas. Acho que o Raúl é um jogador que tens de saber levar. É aquele jogador a quem tens de dar uma palmadinha nas costas e dizer que é o melhor. Para mim, é dos melhores avançados com quem já joguei. Ele demonstrou aqui. Marcou mais de 40 golos. Um jogador que faz isso em apenas dois anos não podes dizer que é mau, tens de dizer que é muito bom. Como pessoa é muito reservado. Tem os seus amigos, algumas pessoas pensam que é arrogante, mas é boa pessoa. Penso que este ano é de adaptação ao Benfica porque o Benfica coloca muita pressão e no próximo ano vai chegar onde tem de chegar e que é ao topo.

MF: Disse que o R.D.T é uma pessoa reservada. Isso pode ser prejudicial para ele nesta fase por não se mostrar tanto aos colegas e acabar por se sentir algo perdido?

BEBÉ: Isso pode acontecer. Ele já chegou a uma equipa feita. Ele chegou num momento em que vários jogadores estão bem. O Raúl está habituado a marcar os livres, as grandes penalidades, a assumir o jogo. No Rayo ele fazia tudo isso e marcava. Mas no Benfica o Pizzi, que está numa forma espetacular, tem autoridade para assumir tudo isso. Sendo um médio que faz isso tudo e está a sair bem, penso que ele se sente na obrigação de resolver depressa a situação porque se calhar veio com um grande contrato, o Benfica pagou 20 milhões e ele quer provar. Mas ele tem de estar tranquilo porque as coisas vão aparecer. Se calhar, ele sente-se um pouco sozinho. Pode sentir-se algo afastado.

MF: Acha que se tivesse passado pelo Benfica com o Bruno Lage a treinador as coisas teriam sido diferentes?

BEBÉ: Penso que sim. Eu treinava bem, só que quando um treinador [Jesus] tem uma estrutura em que não quer mexer… com o Lage os miúdos estão todos a jogar. O Rúben Dias, Florentino, David Tavares, Ferro, Jota, Nuno Tavares, Tomás Tavares e Gedson. Às vezes estou em casa a ver a Liga dos Campeões, vejo-os e penso ‘de onde apareceram estes miúdos, que no meu tempo os via lá todos pequeninos?’. Isto acontece porque eles querem isso, dá-se essa oportunidade e os miúdos aproveitam. Acho que com Jesus faltava isso.

MF: Aproveitando a deixa, podemos falar da prestação do Benfica na Liga dos Campeões. O presidente tem falado imenso sobre o projeto encarnado para a Europa, mas os adeptos criticam o facto de jogadores como o Pizzi não serem primeiras opções.

BEBÉ: Não concordo com essas opções. Na Champions é onde tu tens de pôr a jogar os jogadores mais experientes como o André Almeida, o Pizzi e o Samaris. Claro que se vires que um miúdo está bem tens de o colocar a jogar. O Benfica na Liga dos Campeões está a falhar, tem de dar mais cartas nas competições europeias, não pode viver só de conquistas internas. Nos jogos europeus é que deviam jogar os mais velhos, não o contrário. Os adeptos já estão ‘fartos de ganhar’ o campeonato, agora querem é ir longe nas competições europeias.

MF: A nível psicológico, um jogador como o Pizzi que é capitão de equipa, gere o facto de na Champions estar no banco e depois só joga no campeonato?

BEBÉ: Afeta-o. No campeonato joga com adversários inferiores e depois na Liga dos Campeões fica de fora, é uma coisa que não entendo. Claro que treinador é treinador, mas como é que não levas a jogo o teu melhor jogador? Se não o pões a jogar é sinal que não queres passar.

MF: Há uma fase em que chega ao Benfica e que muda o nome da camisola. Isso aconteceu porquê?

BEBÉ: Eu penso que naquela altura tinha Bebé na camisola e passado algum tempo o Jesus chama-me à parte e diz: ‘Esse Bebé que está com a cabeça por aí, emprestado aqui, isso acabou. Eu quero tentar ajudar a seres outro Bebé. Como é que a um miúdo com um metro e noventa como tu podem chamar Bebé?’. Então ele disse: ‘Tu a partir de agora és Tiago’. E eu miúdo, naquela altura, não ia dizer não ao Jesus e mudei o nome na camisola. Foi um pouco estranho ter Bebé na camisola e depois Tiago. Mas mudei porque achei que tinha de mudar. Foi igual a quando cheguei a Inglaterra e cortei o cabelo. As pessoas acham que ele (o Ferguson) me obrigou, não, ele pediu-me. Eu com 20 anos e vou dizer não ao Ferguson? Não! Fui apresentado e quando saí fui cortar o cabelo, mas do cabelo arrependo-me (risos). Agora do nome da camisola… Gosto de Bebé, mas se tivesse que meter Tiago, metia.