Um por todos e todos pelo Benfica. Foi assim que Carlos Vinícius sempre lidou com a passagem pelos encarnados, onde chegou a troco de 17 milhões de euros (na ocasião, a terceira contratação mais cara de sempre do clube) e não ganhou o título nacional. Mas, ao menos, terminou uma Liga como melhor goleador, com 18 golos.

A época de 2019/20 é marcante para o goleador brasileiro, agora emprestado (com obrigação de compra) ao PSV. Do início ao fim. Entre alegrias e frustrações, boas e más recordações, nunca vai esquecer as águias, como revela na entrevista ao Maisfutebol.

Chegou ao Benfica tendo custado 17 milhões de euros. Era, até então, a terceira contratação mais cara de sempre do clube. Isto alguma vez o assombrou? Pesou?

A verdade é a seguinte: podia até pesar, afinal era a terceira maior contratação do Benfica, não é? Não estamos a falar de um clube qualquer. Mas a verdade é que, quando chego, o Benfica já tinha o Seferovic, o melhor marcador da temporada anterior, e também chega o Raúl de Tomás, então a maior contratação da história do clube. Cheguei ali tranquilo, entende? Já havia dois avançados na minha frente. O que tinha de fazer? Coloquei na minha cabeça que era o terceiro, esta é a verdade. Normal. Sou o terceiro. Tenho de conquistar o meu espaço nos cinco minutos que vão me dar e foi o que fiz. Fazia tudo e dava tudo quando tinha cinco minutos em campo. Fui tendo cinco, tendo 20, até ter 90 e continuar em cima. Em nenhum momento pensei: 'Ah, sou a terceira maior contratação, tenho de provar!. Não. A minha parada era ganhar espaço primeiro, numa corrida que era a três. Do ponto de vista individual, correu perfeitamente para mim. Terminei como o melhor marcador da Liga (2019/20). Mas é como costumo dizer sempre: a única pena, a única tristeza – e grande tristeza – é de não ter sido campeão nacional no Benfica.

A pandemia teve influência na queda de rendimento, mas o Benfica, no geral, também teve muitos erros e tropeços dentro de campo.

Muitas coisas aconteceram. Muitos que estavam ali no plantel, naquele ano, não conseguem explicar até hoje. Liderámos o campeonato, se não estiver enganado, até janeiro, com sete pontos de avanço. E depois perdemos com sete ou oito atrás do FC Porto. Estava tudo controlado, com a situação encaminhada e tranquila. Depois, começou aquela... sei lá, começou a gerar-se aquela situação. Nós começámos a empatar e a perder jogos, não tivemos o controlo da situação. Então veio a covid-19, aí apertou de vez. A verdade é que assim, uma explicação clara, não consigo dar-te. Acho que, se calhar, perdemos o campeonato mais ganho da história.

Podemos dizer que houve soberba? Acomodaram-se, tiraram o pé?

Não é tirar o pé. Mas, enfim, sentimos que está controlado, claro que estava controlado. Acho que tínhamos batido o recorde de vitórias e tudo. A equipa estava bem, solta...  e depois, pumba, aquilo começa a apertar. Aí começamos a pensar: 'E agora? E agora? E agora?'. Depois veio a covid-19, sem adeptos no estádio. Os adeptos fazem muita falta dentro da Luz, só quem é cego é que não vê isto. Entende? O futebol é lá dentro das quatro linhas? É! Mas os adeptos ali, ainda mais no nosso caldeirão... sem os adeptos a coisa ficou ainda mais difícil. É triste, é triste. Até hoje, como disse antes, ninguém consegue entender como é que perdemos aquele campeonato.

Como explicar para o adepto do Benfica: o goleador da Liga 2019/20 ser emprestado na temporada seguinte (2020/21)?

Ah, entendo o adepto. Realmente, como é que o melhor marcador é negociado depois por empréstimo? É uma situação estranha. Mas sempre posicionei-me para ajudar o Benfica. É para vender? É para ajudar o clube? Estamos aí. É claro que só podemos ir para onde nos vamos sentir bem. Mas, tudo bem, é para ajudar o Benfica? É para vender? É para emprestar? Estamos aí. Foi o que aconteceu. Chegou a situação do Tottenham, um novo nível na minha carreira, então é difícil de recusar. O Tottenham é um grande clube. Todos estavam de acordo. Não pensei: 'Ah, porquê? Por que não venderam?'. Não, nada disso. Estou aqui para ajudar o Benfica. Meu posicionamento sempre foi este, até mesmo na saída agora para o PSV. A última coisa que quero é zangar-me com um clube, e a minha carreira mostra isto. Se sou o que sou, também foi por causa do Benfica. Tenho um carinho muito grande pelo clube.

Este tipo de posicionamento também o fez rodar muito na carreira, nunca teve uma grande sequência. É um dos problemas. 

Sim, até por isso fizemos aqui no PSV um contrato, em princípio, de dois anos. Posicionar-me um pouco na carreira, criar raízes aqui e ter uma sequência. Não tive muita sequência, foi sempre a pular de clube em clube. Ainda bem que foi sempre a marcar golos também, foi sempre positivo este 'pula-pula'. Mas, como disse, não é muito bom. Quero agora criar raízes.

O antigo presidente encarnado, Luís Filipe Vieira, chegou a dizer que, não fosse o impacto da pandemia da covid-19, você e o Rúben Dias teriam sido vendidos juntos por 200 milhões de euros. Isto mexeu consigo?

Não, em momento nenhum isso mexeu comigo. Isso, quando saiu, foi em janeiro, certo? Tudo isso, se fosse acontecer, se a negociação fosse para finalizar, seria apenas no término da temporada. Então, não houve preocupação. Seria perda de tempo pensar nisso, poderia ter impacto no meu rendimento. Por outro lado, isto era bom, sinal de que as pessoas estavam a reconhecer o nosso trabalho.

Já destacou numa entrevista recente a frontalidade e a humildade do Bruno Lage no Benfica...

Sim, vejo muita humildade no Bruno Lage. Quando chego ao Benfica, a primeira pergunta que ele faz é se estou preparado para ser suplente. Aquilo chamou-me a atenção. Poderia muito bem ter arrumado ali alguma guerra: 'Ah, não. Não. Sou a terceira maior contratação, vim para jogar'. Não fiz isto. Falei o seguinte: 'Certo. É para ser suplente? Então sou suplente'. Entende? Tive que lutar pelo meu espaço. Então, o Bruno Lage foi um sinal de muita humildade para mim.

Sentiu que o Bruno Lage foi injustiçado ao ser demitido no Benfica?

A verdade é uma só: os culpados somos nós, que estamos lá dentro de campo. O Bruno Lage pegou na equipa e foi campeão na temporada anterior. Depois, liderou o campeonato seguinte, mas acabou por perder a liderança. A culpa então é do Bruno Lage? Claro que não! Os maiores culpados somos nós. E digo mais: a qualidade dele ainda está lá no Benfica. Ele tem muita qualidade, já provou isso... e continua a provar.