Um homem de bem com a vida. Gelson Dala, 23 anos, transporta para o relvado a felicidade que lhe é inata. Sorri, fala sem travões calculistas, diz de de forma genuína o que lhe vai na mente. E assim nasce uma entrevista descomplexada ao Maisfutebol, entre o último jogo pela seleção de Angola e a viagem de regresso para Antalya, na Turquia.

Gelson tem contrato com o Sporting até junho de 2022, mas o Antalyaspor contraiu um empréstimo com opção de compra. Por onde passa o seu futuro? Gelson Dala, que é Jacinto no cartão de identificação, fala da falta de oportunidades nos leões e dos dias difíceis em Luanda e no Bairro do Golfe

Nesta parte III, o internacional angolano (27 jogos e 11 golos nos Palancas Negras) recorda as histórias mais curiosas vividas com Jorge Jesus no Sporting e diz qual foi o jogador que mais o impressionou nos treinos e jogos de leão ao peito. 


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Maisfutebol – Chegou ao Sporting em janeiro de 2017, há quase três anos. Mas só fez dois jogos na equipa principal até agora.
Gelson Dala – É verdade. Joguei um minuto para o campeonato e 70 para a taça, sempre com o Jorge Jesus. Aprendi muito com ele e a minha melhor fase na equipa B teve a ver muito com isso. É um grande treinador. Gostava da forma dele trabalhar. Preparava bem a equipa e trabalhava bem a mente dos jogadores.

MF – Em que posição o Jorge Jesus gostava mais de ver o Gelson?
GD – Na altura eu estava com o Bas Dost e o Doumbia no plantel. Quando eu estava com o Bas, o Jesus pedia para eu ser o número dez da equipa. Quando jogava com o Doumbia, era eu o nove e jogava o Doumbia por trás. Para quem veio de Angola, como eu, foi importante apanhar um treinador tão metódico como ele. Faltava-me a aprendizagem tática e o Jesus foi fundamental nisso.

MF – Viveu com o Jorge Jesus alguma história engraçada?
GD – Claro (risos). Ele chateava-me todos os dias por causa dos pitons das chuteiras.

MF – Então e porquê?
GD – Eu escorregava muito nos treinos, é verdade. Ele ficava zangado e dizia ‘amanhã tens de vir com pitons de alumínio’. No dia a seguir a mesma coisa. Eu aparecia sem alumínio e ele ficava doido. ‘O que é que eu te disse ontem?’ E eu lá dizia que não me sentia bem com alumínio, sentia-me pesado e tal.

MF – E o Jesus aceitava?
GD – Ia aceitando. Mas o mais engraçado nem é isso. O mais engraçado é que ele no final dos treinos fazia-me sempre a mesma ameaça: ‘Se amanhã não vieres treinar de alumínio, acredita pá, eu devolvo-te ao ASA’. A malta ria-se toda e eu ainda me ria mais. É que eu nunca joguei no ASA. O Jesus pensava que eu vinha do ASA, mas eu vinha do 1º de Agosto (risos). Claro que nunca tive coragem para corrigi-lo. Qualquer coisa errada que eu fazia, lá vinha o Jesus: ‘Tu vais mas é para o ASA!’

MF – Moral da história: o Gelson alguma vez usou pitons de alumínio?
GD – Nunca (risos).    

MF – Como e quando soube que podia assinar pelo Sporting?
GD – No final de 2016 fui informado disso pelo Kali Alonso, um antigo jogador angolano. Ele fez-me o convite em nome do Sporting e eu não acreditei, claro. Quando me apareceu com os papéis é que vi que era mesmo verdade. Para a minha família… bem, para os meus pais não foi fácil. Eles queriam ter-me perto deles, mas depois tudo se resolveu. Disse-lhes que a liga portuguesa passa num canal angolano e que ia correr tudo bem.

MF – Quando chegou a Portugal foi viver para a Academia de Alcochete?
GD – No início, sim. Vivi duas semanas lá e depois mudei-me para um apartamento. Não foi fácil a adaptação. Tudo era estranho. Um miúdo angolano na cidade de Lisboa… felizmente tive a ajuda de muitas pessoas.

MF – Nessa fase inicial quem foram as pessoas que mais o apoiaram?
GD – Os meus antigos representantes, o Kali e o Valter Araújo. Foram e são grandes amigos.

MF – Em Angola é um ídolo. Em Portugal teve uma vida mais calma?
GD – É verdade, em Angola nem posso andar na rua (risos). Joguei no 1º Agosto, fui o melhor marcador e o pessoal adorava-me. Também jogava na seleção e criei uma legião de fãs. Em Portugal tinha menor pressão, andava mais descansado na rua.

MF – Viveu em Portugal e está agora na Turquia. Quando pensa em Angola, do que sente mais falta?
GD – Da família, claro. E do funge, um prato típico de Angola. Adoro. (risos)

MF – Qual foi o jogador que mais o impressionou no Sporting?
GD – Podence. O futebol dele parecia o futebol angolano. Rápido, inventivo, furão. Adorava vê-lo a jogar ao meu lado no dia a dia.

MF – Chegou a Portugal com um compatriota, o Ary Papel. O que é feito dele?
GD – O Ary, sim. Ele voltou ao 1º de Agosto e tem jogado regularmente. Está feliz e fez-lhe bem voltar a casa.