O currículo é riquíssimo: Mário Silva foi campeão da Europa de sub18, de seniores e de sub19 - este último já como treinador. A isso somam-se uma Taça UEFA, dois campeonatos nacionais, duas Taças de Portugal, duas Supertaças e um campeonato francês [pelo Nantes]. 

O sucesso que teve como jogador é o sucesso que Mário, 44 anos, ambiciona como treinador. Para isso, em 2019 sentiu necessidade de sair do FC Porto e iniciar um novo trajeto. Ainda se falou da promoção à equipa B, mas os dragões optaram por manter Rui Barros no cargo. 

Em entrevista ao Maisfutebol, a primeira dada após a saída há dez meses do Rio Ave, Mário Silva aceita entrar no túnel do tempo e recordar os episódios mais marcantes da sua brilhante carreira. 

E tudo começou no rinque de pedra do Bom Pastor.

PARTE I: «Custou-me recuperar do despedimento no Rio Ave»

PARTE II: A «serenidade» de Diogo Costa, o «futebol de rua» de Fábio Vieira

Maisfutebol – Poucos saberão que o Mário Silva foi três vezes campeão da Europa.

Mário Silva – É verdade, acho que é desconhecido da maioria das pessoas (risos). Fui campeão da Europa de sub18, fui campeão da Europa pelo FC Porto e depois campeão da Europa como treinador dos sub19 do FC Porto. Só posso estar orgulhoso. Espero chegar ao quarto título europeu, claro. Fui campeão com jogador de formação, como jogador sénior e treinador de formação. Falta-me ser como treinador sénior e acredito que vai acontecer.

MF – Tem 44 anos, mas já é treinador há 11 épocas.

MS – Deixei cedo o futebol, porque as lesões começaram a chatear-me. Quando cheguei ao Rio Ave diziam que eu ainda era verdinho, mas eu já levava uma década de treinador. É diferente na formação? Há algumas diferenças, sim. Comecei no Boavista, como adjunto dos juniores. Depois fui treinador dos juniores, adjunto dos seniores e treinador dos seniores. E depois passei a integrar o futebol de formação do FC Porto.

MF – Entrou para que escalão?

MS – Para os sub17. Fui adjunto do José Guilherme, ao lado do António Folha. Foi fundamental a ajuda deles, a partilha de ideias. Passei depois a treinador dos sub16 durante quatro épocas, no Padroense; treinei os sub17 e fomos vicecampeões nacionais e mais tarde fomos campeões nacionais e europeus nos sub19.

MF – Saiu do FC Porto por vontade sua, logo depois do título europeu?

MS – Sim, senti que o meu trabalho na formação estava concluído. Foi gratificante, gostei muito, mas aquele era o momento certo. Ajudei muitos jogadores a crescer e a evoluir. Comparar o rendimento que eles tinham no início da época com o que tinham no final da mesma. Estava na altura de me tornar um treinador de verdade. Digo isto porque na formação há uma estabilidade muito grande, dificilmente somos despedidos. A não ser que haja algo muito mau. Decidi partir para a instabilidade, de sentir o risco de poder sair. Para evoluir tinha de sair e dar esse passo. Estive sete anos no FC Porto e isso mostra que as pessoas gostavam do meu trabalho.

MF – E apareceu uma possibilidade em Espanha.

Tive o convite para coordenar todo o futebol no Almeria, havia um proprietário árabe e o Pedro Emanuel era o treinador. O projeto era ambicioso e passava por subir à primeira divisão. Na fase final da época assumi o comando técnico da equipa e ajudei a equipa a chegar ao playoff de subida. Depois houve um desentendimento entre mim e a direção. Saí e entrou o mister José Gomes.

MF – Para si tudo começou num rinque de pedra no bairro do Bom Pastor.

MS – Isso mesmo. Eu vivi primeiro numa casa perto da Circunvalação e depois os meus pais mudaram-se para uma casa camarária, que ficava mesmo colada a esse bairro. A minha infância foi feita nesse campo, a esfolar os joelhos e as pernas. O Petit era um dos meus amigos nessa fase. Fomos muito felizes. Os miúdos hoje precisam de muito para se divertirem e nós só precisávamos de uma bola. Mesmo quando estava na formação do Boavista, participava nos torneios da junta ao serviço do Bom Pastor.

MF – O que faziam os seus pais?

MS – O meu pai era mecânico nos STCP (Sociedade de Transportes Coletivos do Porto) e a minha mãe era empregada de escritório. Tenho uma irmã mais nova do que eu seis anos, a Cátia, que é educadora de infância. Nascemos com os genes para ajudar os outros a crescer. Os meus pais nunca foram pessoas abastadas, mas deram-me valores fundamentais. Eles não tinham automóvel e andávamos para todo o lado de autocarro.

MF – Não é difícil escolher o melhor golo da carreira.

MS – Ainda nem sei como o marquei (risos). Boavista-Feyenoord [29 de setembro de 1999] para a Liga dos Campeões. Foi o primeiro ponto, aliás, do Boavista na Liga dos Campeões. Esse golo foi considerado o melhor golo do mês na Champions. Tinha um remate forte, mas esse golo é incrível, muito difícil. No FC Porto marquei um de fora da área também, mas não tão bonito. Ainda hoje procuro ver esse golo de vez em quando. Foi uma marca importante na minha carreira.

VÍDEO: o golo incrível de Mário Silva (aos 2m11s, imagens RTP)

MF – Apesar de grandes anos no Boavista e no FC Porto, só jogou uma vez pela Seleção Nacional.

MS – Consegui cumprir esse sonho. O mister António Oliveira chamou-me para um jogo contra a Finlândia no Bessa, pouco antes do Mundial de 2002. Mais tarde fui convocado pelo senhor Scolari, depois da vitória do FC Porto em casa do Panathinaikos para a Taça UEFA, mas lesionei-me e acabei por ser dispensado. Teria sido a minha segunda chamada. Nas seleções jovens é que fui internacional em todos os escalões [51 internacionalizações].

MF – Menciona aí o Oliveira e o Scolari. Qual foi o treinador que mais o marcou no percurso de futebolista?

MS – Tenho de elencar vários nomes. O Jaime Pacheco foi um homem marcante em vários aspetos. Pela forma como nos unia, como trabalhava, como nos envolvia à volta dos objetivos. Depois, claro, o José Mourinho com quem ganhei a Taça UEFA e a Champions, mais o Octávio Machado, o Mário Reis e o Manuel José.