(artigo originalmente publicado às 23h50 de 07/04/2020)

Aos 26 anos, Tiago Silva fez as malas e rumou a Terras de Sua Majestade para a primeira aventura no estrangeiro.

Depois de um ano difícil no Feirense, o médio ofensivo impôs-se – até para surpresa do próprio – rapidamente como um dos jogadores mais importantes no Nottingham Forest, a equipa mais portuguesa do Championship e um histórico do futebol inglês.

Em conversa por videochamada com o Maisfutebol, recordou a passagem pela formação do Benfica, onde foi treinado por Bruno Lage, a admiração por Pablo Aimar, os anos no Belenenses (com histórias inusitadas de Sá Pinto), no Feirense e os primeiros tempos em Inglaterra, onde se sente acarinhado.

Tiago Silva está agora em Portugal, onde aguarda que a pandemia abrande, para poder voltar a contagiar-se por algo seguro e saudável: o futebol inglês vivido por dentro. Enquanto isso, procura manter-se em forma e faz compras para a família: «Sou uma espécie de uber eats», diz.

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Maisfutebol – Os primeiros registos seus no site da Federação Portuguesa de Futebol dizem que começou no futsal do Olivais. Foi assim?

Tiago Silva – Foi. Eu era miúdo e jogava à bola numa escola. Nós vivíamos num bairro social em Chelas e mudámos de casa. O meu pai sabia que eu gostava de jogar à bola e prometeu-me que se eu tivesse boas notas na escola ele punha-me a jogar. Um dia fomos a um café no bairro, estava lá o presidente do clube e ele perguntou-lhe se dava para ir lá dar uns toques.

MF – E assim foi…

T.S. – Sim. No primeiro treino, eles ficaram um bocado impressionados. Devia ter uns nove ou dez anos e fiquei lá dois anos.

Tiago Silva com a irmã

MF – E como é que aparece o Benfica?

T.S. – Através do Bruno Maruta [n.d.r.: então scout do Benfica]. Lembro-me que fizemos um jogo contra o Benfica e ganhámos 7-0. Eu marquei sete golos [risos]. O Bruno Maruta estava a ver o jogo, veio falar comigo e com o meu pai no fim e disse que gostava que eu fosse lá fazer uns testes. Éramos muitos e no primeiro treino fiquei logo eu e o Bruno Gaspar, que está agora no Olympiakos. Acabámos por ser os únicos a assinar pelo Benfica nesse dia.

MF – Os treinos eram nos Pupilos do Exército?

T.S. – Pupilos do Exército, sim. Ainda pelado, não era fácil: era cair no chão e feridas, mas naquela altura não queríamos saber de nada. Queríamos era dar tudo e chegávamos a casa com algumas mazelas [risos].

MF – Que outros jogadores faziam parte dessa geração?

T.S. – Nos meus primeiros anos, era o Bruno Gaspar, o Daniel Martins, que está agora no Sp. Covilhã, o Ivan Cavaleiro e muitos mais que agora não jogam por várias razões. E depois ainda havia os mais novos. O Bernardo [Silva], o Hélder Costa, o Estrela, que está agora no Aves, e o Cancelo. Mas com estes só estivemos mais quando foi inaugurado o centro de estágio.

MF – Que «inaugurou», certo?

T.S. – Sim. Tinha condições fora de série e o Yuri Ribeiro, com quem jogo no Nottingham Forest, diz-me que está cada vez melhor. Mas eu nunca usufruí muito daquilo, passava ali uma hora ou uma hora e meia por dia. Eu era de Lisboa, tinha escola e saía às 17h30 para treinar às 19h00. Os horários estavam contados: dez minutos a correr até ao metro para apanhar o barco das 18h15. Se perdesse esse barco, só apanhava o das 18h40 e chegava atrasado ao treino.

MF – Chegou a acontecer?

T.S. – Chegou, chegou. Várias vezes! Aliás, os meus professores sabiam que eu até tinha de sair dez ou 15 minutos antes da aula terminar e quase todos os dias era assim. Mas por vezes o metro atrasava-se e isso fazia-me perder o barco. Chegava ao Seixal pouco depois das 19 e ainda tinha de correr mais 15 minutos para cima. Basicamente, treinava duas vezes por dia [risos].

Segundo a contar da direita

MF – Como é que os jovens da formação olhavam naquela altura para a equipa principal? Eram poucos os exemplos de jogadores promovidos, ao contrário do que acontece hoje…

T.S. – Nós tínhamos o privilégio de nos cruzarmos com eles. Estávamos lá a treinar e cruzávamo-nos com o Simão Sabrosa, o Leo, o Miccoli... o Petit. Eram super-craques, que víamos quase como deuses. Sabíamos que ia ser muito complicado. Agora, também pelo aparecimento dos sub-23 e da equipa B, a transição para profissional acaba por ser mais facilitada. Naquela altura não havia nada disso: quando chegávamos ao fim, ou era ou não era.

MF – Olhava de forma especial para algum desses jogadores?

T.S. – O Pablo Aimar foi aquele jogador que sempre admirei. E ainda hoje, mesmo já não estando a jogar, continuo a segui-lo: é um craque dentro e fora do campo. Aliás: tenho amigos que viviam perto dele e que me diziam que tinha de seguir-lhe o exemplo. Viam-no no supermercado de chinelos, calções, humilde, acessível e a falar com toda a gente.

MF – Chegou a pedir-lhe conselhos ou alguma camisola?

T.S. – Nunca. E um dos arrependimentos que tenho é ter jogado contra ele e não lhe ter pedido a camisola. Não tenho por hábito pedir e só troco quando me pedem. Não consigo pedir, não sei porquê: e eu tinha tanta vontade de lhe pedir e nunca consegui…

MF – Voltando à sua geração. Com quem mantém mais contacto hoje?

T.S. – Com o Ivan [Cavaleiro]. Agora até estamos a disputar a mesma Liga e praticamente o mesmo lugar. Somos amigos desde essa altura e falamos muito. Também falo muito com o Daniel Martins: chamávamos-lhe o ‘Chapas’, por causa da profissão do pai dele, que era bate-chapas. Ainda ontem falámos um bocadinho: temos um grupo que por acaso até foi criado pelo mister Bruno Lage, que foi nosso treinador. Estamos lá todos.

MF – Foi treinado por Bruno Lage em mais do que um escalão?

T.S. – Em iniciado de segundo ano e juvenil de segundo ano. Curiosamente, foi o ano em que fui embora do Benfica. Eu na altura não estava a jogar com muita regularidade: era pequenino e havia muito aquele estigma do jogador pequeno. Falei com o mister Bruno Lage e disse-lhe: ‘Não me leve a mal, mas eu preciso de jogar e quero sair.'

MF – E ele?

T.S. – Foi sempre impecável comigo: dez estrelas. Ele chamava-me baixinho e disse-me: ‘Baixinho, gosto muito de ti, não estás a ter o espaço que queres ter e és livre de fazer o que te apetecer. Estás é na idade de jogar e de ser feliz.' Na altura não era fácil tomar uma decisão dessas, mas acabou por correr bem.

MF – Mas sentia que ele tinha boas expetativas em relação a si?

T.S. – Sim, sim! Mesmo quando joguei contra ele, na época passada no Feirense-Benfica, ele até me procurou e disse-me que sabia que eu ia chegar longe. Sempre foi muito boa pessoa e bom treinador.

MF – Que outras recordações guarda dele?

T.S. – Assim de repente… Ele era muito palhaço connosco [risos]. Queria era fazer brincadeiras, mas nós éramos miúdos. Gozava connosco, mas era para que nos sentíssemos bem e mais à vontade. Havia alguns jogadores introvertidos.

MF – Houve outros treinadores que o marcaram na formação do Benfica?

T.S – O Renato Paiva! Foi o melhor que apanhei na formação, sem dúvida alguma.

MF – Porquê?

T.S. – Apesar de jogar no Benfica, eu tinha uma crise de confiança enorme. Quando ele chegou, deu-me o número 10, que sabia que eu gostava, e pôs-me a capitão. Tudo o que se passava naquela equipa tinha de passar por mim. Dava-me essa confiança que me faltava. Acho que me transformei a partir daí.

MF – A nível mental, sobretudo?

T.S. – Também! Eu fora de campo era muito palhaço, brincalhão e gozava muito com os meus amigos. Mas quando chegava ao clube era muito introvertido. Ele e o Bruno Lage mudaram-me um bocadinho nesse aspeto, mas o mister Renato Paiva foi o grande responsável.

MF – Relativamente a Bruno Lage, surpreende-o o que ele alcançou na época passada?

T.S. – Nada. Nada mesmo. Lembro-me de estar no posto médico do Feirense quando saiu a notícia de que o Rui Vitória ia sair e que ele ia substituí-lo. Ficou tudo perplexo. Eu disse: ‘O Benfica vai ser campeão.' Achavam que eu estava a dizê-lo só porque ele tinha sido meu treinador. ‘Escrevam o que eu estou a dizer.’ Foi certinho e direitinho. Tenho curiosidade em saber como é que ele é como treinador de uma equipa profissional, mas na formação era mesmo muito bom.

MF – O que é que o distinguia?

T.S. – Ele fazia coisas que não eram normais com os miúdos. Aspetos táticos, por exemplo. Quando ele assumiu o Benfica, achei que só precisava de trabalhar a vertente mental com os jogadores, porque técnica e taticamente já era soberbo na formação.

Arquivo pessoal de Tiago Silva

MF – Quando disse a Bruno Lage que queria sair do Benfica, já tinha o Belenenses na mira?

T.S. – Já. O Ivan [Cavaleiro] entretanto tinha sido dispensado do Benfica e estava no Belenenses. Ele falava-me muito do treinador. Dizia-me: ‘Oh mano, tu tens de vir para aqui, porque o treinador é muito bom. Eles são rígidos, mas são top.' Era o Romeu, que agora é adjunto do Rui Jorge nos sub-21 da Seleção. Eu dizia que nunca sairia do Benfica para ir para o Belenenses, mas depois deixei de jogar. E as minhas notas – e eu sempre tinha sido muito bom aluno – começaram também a baixar. Não jogava e sentia que estava a fazer aquele esforço para nada e decidi que tinha de sair. Sorte ou não, uma semana antes de eu tomar a decisão, fizemos um amigável contra o Belenenses no centro de estágio. Lembro-me que joguei a defesa-esquerdo.

MF – E já era médio-ofensivo?

T.S. – Já era. Mas para o mister pôr toda a gente, pôs-me a defesa-esquerdo. Eu estava um bocadinho triste por estar a jogar a defesa-esquerdo, mas aquilo até me correu bem [risos]. No final, o Ivan veio falar comigo e chamou o treinador. O mister Romeu disse-me que podia ir lá tentar a sorte, mas sem compromisso, porque não me podia garantir nada. Falei com o Bruno Lage e ele disse que me dava autorização. Lembro-me que era janeiro, estive lá duas semanas a treinar e o mister Romeu nunca mais me dizia nada. O Afonso Figueiredo, que estava lá na altura, disse-me para lhe ir perguntar, porque se não ficasse tinha de voltar para o Benfica. Fui falar com ele: ‘Mister, o período das transferências está quase a acabar e eu preciso de saber se é para ficar convosco ou não.'

MF – E ele?

T.S. – ‘Não, não! Eu não te quero aqui. Vais voltar para o Benfica, porque eu não te prometo que vás jogar. Se quiseres, vais para casa e pensas na tua vida. Porque podes vir para aqui e não jogas.' Eu respondi-lhe que não queria ir para casa pensar em nada: queria ficar, mesmo que não jogasse. Provavelmente, também não seria muito bem recebido de volta no Benfica. E fiquei.

MF – (…)

T.S. – A segunda metade da época correu-me muito bem. Lembro-me que fui logo titular no primeiro jogo, contra o Leiria: ganhámos 2-1 e eu marquei os dois golos. Passámos à fase final, terminámos em terceiro e fomos a única equipa a ganhar ao Sporting em Alcochete, que foi campeão e que tinha uma super-equipa: Bruma, Mané, Betinho, João Mário, William, Esgaio, Tobias. No fim da época, ele teve uma conversa connosco em grupo e foi andando de jogador para jogador. Quando chegou a mim, disse que a minha atitude tinha-o marcado: ‘Vi determinação em ti e foi por isso que quis que tu ficasses. Eu sabia perfeitamente que ias jogar, mas tinha de te dizer que não ias jogar para saber se mesmo assim querias ficar cá.'

MF – Na primeira época de sénior ajudou o Belenenses a subir de divisão, depois de três anos na II Liga.

T.S. – Foi talvez a melhor época da minha vida. Não em termos de números. Foi a minha primeira experiência como profissional e quando estamos na formação criamos sempre aquele bicho papão de como seremos recebidos quando chegarmos à equipa principal e se nos vão fazer isto ou aquilo. Mas fui bem recebido.

MF – Não houve praxes?

T.S. – Houve! O normal: tinha de lavar as botas, servi-los e essas coisas todas. Mas como eu fazia com um sorriso na cara, eles deixaram de achar piada. Começaram a implicar mais com outros que faziam birra. Depois fui ganhando alguma importância na equipa e eles já me viam com outros olhos.

MF – Foi dos jogadores mais utilizados nessa época de subida…

T.S. – Fiz praticamente todos os jogos. Salvo erro, só não fiz dois: um porque estava lesionado e outro porque fui expulso no jogo anterior.

MF – Que papel sente que teve no sucesso do Belenenses nessa época? Foram 96 pontos na II Liga.

T.S. – Batemos o recorde de pontos, fomos campeões a não sei quantas jornadas do fim e subimos de divisão duas ou três jornadas antes de sermos campeões. O papel que tive? Foi o de quase todos: uma equipa construída praticamente do zero, com jogadores que não eram conhecidos. Fomos uma surpresa e eu talvez tenha sido a maior ali no meio, porque vinha dos juniores. E é curioso: porque eu vinha de seis meses sem jogar futebol.

MF – Porquê?

T.S. – Por causa da escola. No meu último ano de juniores, eu estava a acabar de tirar o curso tecnológico de desporto. Para acabar o 12.º ano, tinha de fazer um estágio com crianças no Oriental, só que os horários não eram conciliáveis com os treinos. Falei com o professor Jorge Castelo, que era o coordenador da formação, e ele disse-me para ir terminar o curso e pediu-me só para me manter ativo para não regressar mal fisicamente, porque a ideia era eu ir fazer a pré-época com o plantel profissional. Terminei o estágio com boas notas e apresentei-me para a pré-época, mas sem muitas expetativas.

MF – Sentia-se enferrujado?

T.S. – Um bocadinho. Senti algumas dificuldades nos primeiros treinos. Por tudo: não só porque não estava muito bem fisicamente, mas porque é um futebol diferente, mais físico e em que temos de pensar mais rápido. E eu era franzino: ainda sou, mas era mais. Pensei que não ia conseguir, mas tive também a sorte de o grupo ser porreiro, com muita malta nova, e de ter começado bem: marquei logo um golo contra o Freamunde para a Taça da Liga.

MF – O início da época do regresso do Belenenses à Liga ficou marcado pelo problema cardíaco de Mitchel Van der Gaag durante um jogo e que o obrigou a deixar de trabalhar.

T.S. – Foi marcante e posso falar por todos os jogadores. O Van der Gaag era uma pessoa querida por todos. Lembro-me perfeitamente de tudo: nesse jogo [contra o Marítimo], eu estava no banco e quando vi aquilo foi como se fosse uma pessoa da minha família. Foi um momento marcante para todos. Eu gostava tanto dele que nem estava triste por estar no banco. Ele não fazia as coisas com segundas intenções, para nos espicaçar ou com maldade: havia sempre um motivo e ele justificava sempre.

MF – Van der Gaag, Marco Paulo, Lito, Jorge Simão, Sá Pinto e Julio Velázquez. De todos estes treinadores que teve no Belenenses, qual deles melhor o compreendeu?

T.S. – Sem dúvida o Van der Gaag. É como disse: mais do que bom treinador, era muito boa pessoa. E tinha a capacidade de criar um bom espírito de grupo e manter toda a gente motivada, mesmo quem não jogava. Acho que esse foi o segredo para o que conquistámos no ano da subida. Também adorei trabalhar com o Sá Pinto: tem as coisas dele, como toda a gente sabe [risos], mas é muito boa pessoa. Não é aquele durão que toda a gente acha…

MF – É uma capa?

T.S. – Não é uma capa [risos]. Também tem os momentos dele. Mas é alguém que não esconde o que pensa: quando não gosta, diz. Não é como alguns que pela frente dizem que somos craques e por trás espetam a faca, como se diz. O que ele tem a dizer, diz, goste-se ou não. Alguns jogadores ficavam um bocado sentidos com o que ele dizia, mas depois passava.

MF – Lembra-se de algum episódio mais aceso com ele no balneário?

T.S. – Lembro-me [risos]. Vínhamos de uma derrota pesada e fomos ao Dragão. Chegámos ao intervalo com 0-0 e ele disse que estava muito contente com a nossa prestação. ‘Não vamos sofrer golos e vamos sair daqui com um resultado positivo. Se for um empate, que seja, mas o importante é não sofrer golos.’ Lembro-me que o Brahimi andava endiabrado naquela altura e acabámos por perder 4-0. No final, ele chega ao balneário e diz: ‘Ninguém sai que eu quero falar convosco!’

MF – Ui…

T.S. – Estávamos ali sentados e o Gonçalo Brandão, que era o capitão, levantou-se para ir buscar o telemóvel que estava à carga no balneário do treinador, e pediu a um funcionário para o ir buscar. Ele voltou, meio assustado, e disse ao Brandão: ‘É melhor não.’ Estava furioso, a descarregar aos gritos. Entretanto, saiu lá de dentro, perguntou-nos o que é que se estava a passar connosco e disse que a nossa segunda parte era incompreensível. Chutou qualquer coisa, começou a despir o casaco e disse: ‘Se eu sei que algum de nós me quer fazer a cama, andamos já aqui à porrada. Mano a mano.' Ninguém se mexeu [risos].

MF – Mas alguns exemplos de autoridade também são importantes, certo?

T.S. – Claro [risos]. Já tínhamos respeito por ele e a partir daí ainda ficámos com mais. Uns tempos depois fomos a Portimão e fomos a perder para o intervalo. Eu tinha uma garrafa à minha frente no banco e o Fábio Sturgeon disse-me: ‘Mano, tira daí a garrafa, se não ele ainda pega nela e atira-a a alguém.’ O Sá Pinto tinha razão na maior parte das coisas que dizia.

MF – E no plano oposto? Qual foi o treinador mais ‘zen’ que apanhou?

T.S. – O Marco Paulo, sem dúvida. Apesar de ter estado pouco tempo, era muito calmo. Demasiado, até. Estávamos numa fase difícil e precisávamos de alguém com pulso. O Lito acabou por ser a pessoa ideal para pegar na equipa naquela altura. Era um treinador de pulso, tem os seus defeitos como todos, mas meteu as coisas no lugar certo.

MF – Em 2016 foi emprestado ao Feirense, onde acabou por ficar três épocas. Sentiu que o capítulo no Belenenses tinha chegado ao fim?

T.S. – Sim. Ao longo dos anos fui passando por fases em que jogava e outras em que não jogava. Também bati de frente com alguns treinadores, como aconteceu com o Julio Velázquez na última época: agora estou mais controlado, mas reconheço que tinha um feitio complicado e não conseguia esconder o que sentia. A nossa relação foi um bocado conturbada: eu fazia um bom jogo e na semana a seguir não era convocado. Lembro-me de um jogo com o Sporting em que estávamos a perder 5-0 e em que perdemos 5-2. Eu entrei, fiz um golo e dei o outro a marcar: na semana a seguir não fui convocado. Mesmo os meus colegas achavam estranho, até porque viam que eu treinava bem.

MF – Chegou a pedir-lhe justificações?

T.S. – Nunca. Assim como não pergunto porque é que jogo, também não pergunto porque é que não jogo. Nunca tive esse hábito. Eu sabia que não jogava porque tinha um feitio complicado: nunca fui de puxar o saco. Os treinadores ou gostam de mim pelo que faço em campo, ou então não vale a pena.

MF – (…)

T.S. – Um mês antes de terminar a época disse ao presidente que gostava muito do clube, mas que sentia que precisava de sair. De crescer um bocadinho e de um desafio diferente. Um dia antes de começar a pré-época recebi um email a informar-me de que não precisava de me apresentar e que podia procurar clube. Houve várias propostas, mas o Feirense foi a equipa que mais vontade mostrou. O treinador era o José Mota, com quem já tinha trabalhado no Belenenses, e o diretor desportivo ligava-me todos os dias mais do que uma vez. Entretanto, a pré-época já tinha começado e eu treinava sozinho em casa e a correr na rua. Alguns antigos colegas meus que estavam lá também me ligaram várias vezes. Reuni com a minha família e chegámos à conclusão de que era um bom desafio para recuperar a minha confiança como jogador.

MF – A última época ficou marcada por vários registos negativos do Feirense, que ficou condenado à descida ainda muito cedo. Como é que isso era gerido no plantel?

T.S. – Não foi nada fácil. Ainda por cima, nesse ano eu era capitão de equipa e tinha a missão de manter o balneário unido e de passar sempre uma mensagem de incentivo e de esperança, mesmo para os adeptos que me abordavam na rua. E eu estava farto de saber que estávamos condenados. Querendo ou não, quando estamos lá em baixo é muito difícil sair fundo do poço. Parece cliché, mas é verdade: é muito difícil. E nós até éramos uma equipa que praticava bom futebol. Eu estou agora a ver a série no Sunderland na Netflix e revejo-me naquilo: bons jogadores, bom espírito, mas nem com várias oportunidades marcavam golos. E depois sofríamos à primeira.

MF – Isso foi arrasando a equipa psicologicamente?

T.S. – Sem dúvida. Nós até chegámos a trabalhar isso nessa época com uma mental coach. Ela dizia que tínhamos de manter o comportamento mesmo se sofrêssemos um golo a abrir: era como se estivesse 0-0. Nós sofríamos e eu, como capitão, tinha aquela missão de incentivar. Olhava para a cara deles, via aqueles olhares em baixo e perdia a força. Foi muito difícil.

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