A dois dias do regresso à competição com o FC Copenhaga, Zeca abre a porta ao Maisfutebol e fala da vida difícil que teve no Bairro do Zambujal, na Amadora, e da sua paixão pelo Sporting. O agora internacional grego ainda foi fazer testes aos leões, mas acabou por ser rejeitado.

Na conversa há tempo para recordar as tardes em que foi apanha-bolas nas finais da taça no Jamor e de uma visita ao balneário do Sporting de mão dada com Pedro Barbosa. 

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O Zeca nasceu na Amadora. O que recorda da sua infância?
Nasci no Bairro do Zambujal, era um bairro onde havia muita droga. Só queria jogar à bola. Havia muitas equipas de fora a jogar lá. Fazíamos equipas de três e jogávamos com balizas pequenas. Toda a família do meu pai vivia nesse bairro. Perdi o meu pai com dez anos e foi nessa altura que comecei a ir para o Casa Pia. Não deixei de ir para o bairro e de estar com os meus amigos. Faltávamos às aulas, apanhávamos o autocarro e íamos quase todos os dias ver os treinos do Sporting. Eles tinham os campos exteriores em Alvalade e lá íamos para pedir equipamentos, botas, bolas, tudo. E voltávamos ao bairro com isso.

Com a morte do seu pai, imagino que o Zeca se tenha ligado ainda mais à sua mãe.
A minha mãe é tudo. Tudo o que tenho é devido a ela, ao que ela fez por mim, ao que ela batalhou para cuidar de mim e do meu irmão. É uma guerreira, merece tudo no mundo. Deu-me educação e amor. Se não fosse ela se calhar nem jogava hoje futebol. Ela nunca me ameaçou tirar do futebol por causa das más notas, sempre me apoiou. A minha mãe sabia que o futebol era uma fuga para o que eu vivia no bairro. ‘Ele ali está no clube e está protegido’. Ficava mais tranquila. Sabendo o que ela passou para me criar, sinto que sou um guerreiro por causa dela.

Como se chama a sua mãe?
Agostinha Gomes. Merece tudo, todas as homenagens são poucas. Ela ainda vive na Amadora, mas longe do Bairro do Zambujal. No bairro já não tenho família, faleceram todos.

O Zeca sempre foi sportinguista.
Sim, e mesmo para ir ver os jogos a Alvalade tínhamos os nossos esquemas. Víamos um senhor sozinho, pediamos para lhe dar a mão e entrávamos de borla. Assim não pagávamos nada. Lembro-me de ver o Sporting campeão com o Jardel e o João Pinto, estava lá no estádio. Fui apanha-bolas em várias edições da final da Taça de Portugal e tenho uma história engraçada.

Vamos a isso. 
Na época 1999/00 o Sporting-FC Porto só foi resolvido no segundo jogo [2-0, golos de Clayton e Deco] e eu fiquei arrasado, era maluco pelo Sporting. Uma loucura. Os meus colegas foram todos atrás dos jogadores no fim e eu fui sentar-me nas escadas de acesso aos balneários, a chorar porque o Sporting tinha perdido. O Pedro Barbosa passou e viu-me a chorar. ’Então, menino, estás a chorar porquê?’. ‘Porra, porque vocês perderam’. ‘Então anda lá comigo’. Fui com ele, entrei no balneário do Sporting e o Pedro sentou-me ao lado do lugar dele. Era o Schmeichel, o Vidigal, o De Franceschi, o Barbosa, tinham uma equipa muito boa. Já estava eu todo contente. Saí de lá como um Pai Natal, com um daqueles sacos pretos do lixo todo cheio. O Barbosa deu-me o equipamento todo, o De Franceschi deu-me as caneleiras e as chuteiras, o Schmeichel deu-me roupa, o Paulinho deu-me fatos-de-treino, o Quim Berto deu-me uns calções, o Vidigal deu-me calções e meias. Cheguei a casa quase à uma da manhã. Eu tinha de apanhar o comboio na Cruz Quebrada, mas como os adeptos iam todos por ali, esperei mais uma ou duas horas para não ficar sem as coisas.

Dizia que foi jogar para o Casa Pia com dez anos.
Nove, quase dez. E fiquei até aos 21. Foi muito importante ter estado lá para o meu crescimento como jogador e pessoa, porque joguei e estudei lá. Os valores casapianos fizeram de mim um homem mais preparado. O Casa Pia foi uma peça enorme na minha vida. Prepararam-me para a vida e encontrei pessoas espetaculares. Sempre ajudaram a minha família e é um clube que trago no coração.

Nunca tentou jogar no Sporting?
Fui chamado pelo Sporting aos 12 anos para fazer testes. É mais uma história bonita. Fui fazer testes ao Sporting e o Pedro Santos, que é hoje o meu melhor amigo e que na altura eu não conhecia, também foi nessa altura. Nós fomos de autocarro para o Campo da Torre, voltámos depois a Alvalade e o Pedro foi para uma sala assinar. A mim ninguém me disse nada, não esperei e fui-me embora. Passados uns anos, estava a contar isso ao Pedro Santos e ele disse-me que se lembrava perfeitamente de mim. Estivemos ali juntos no Sporting, ele ficou e eu não. Anos depois reunimo-nos no Casa Pia e somos os melhores amigos até hoje.

Última questão: quer continuar no futebol depois de deixar de jogar?
Imagino-me como agente de futebolistas, é uma função que me permitirá ajudar jogadores que estiveram na situação em que eu estive. Há muita qualidade nos escalões inferiores e adorava ajudar alguém e a mudar-lhe a vida, criar oportunidades para que sejam bem sucedidos. Não me vejo como treinador. Dirigente num clube? Talvez.