Na segunda parte da entrevista a Carlos Alberto, José Mourinho é o alvo de todas as atenções. O primeiro dia com o Special One - antes deste ser Special One -, o momento em que ajudar o irmão levou o treinador ao desespero, o episódio da saída de José para o Chelsea e os motivos que levaram o Feijão, seis meses depois, a também abandonar o FC Porto.

Uma longa entrevista do Maisfutebol com o atual médio do Atlético Paranaense, campeão de Portugal, da Europa e do Mundo em 2004. Ainda a recordação do histórico golo de Costinha em Old Trafford e de um telefonema do agora treinador do Manchester United numa célebre visita ao Brasil.

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José Mourinho e Carlos Alberto: o criador e a criatura

MF – Qual foi a primeira conversa que teve com o José Mourinho no Porto?
CA –Ele perguntou-me com que número eu queria jogar. Mas fez isso para me testar, em jeito de brincadeira. Eu disse muito sério: ‘quero jogar com a camisa 10’. E ele, naquele jeito autoritário, ‘um miúdo chega e quer jogar com a 10’. Mas ele gostou disso, da minha resposta. ‘Esse é o pensamento de um vencedor, mas para já você vai usar a 19, o número da sua idade’. Senti logo que estava a conhecer uma personagem fantástica e que fez grande diferença na minha carreira também.

MF – O Mourinho chegou a referir que o Carlos era «absolutamente espetacular», mas que se tinha «deslumbrado com a Europa». Foi mesmo assim?
CA – Lembro-me bem dessa entrevista dele. O José nem sabia por onde eu andava na altura. Eu entendi o que ele quis dizer e acho que o fez de uma forma carinhosa. Sempre que ele teve de puxar a minha orelha, puxou. Só ele soube como fazer isso. Uma vez eu faltei a um treino para ir ajudar o meu irmão e… foi duro, ele quis afastar-me da equipa. Valeu-me a ajuda do Deco.

MF – Ficou só um ano no Porto, porquê? Ganhou tudo e saiu…
CA – Sei que muita gente acha estranho, mas fiz o que achei melhor na altura. Voltei ao Brasil para um grande projeto no Corinthians, fui campeão brasileiro e um dos melhores jogadores de 2005 do campeonato. Foi uma escolha que eu fiz. A minha família estava a precisar da minha presença no Brasil. É por isso que só posso pensar com a minha cabeça, as consequências são só para mim. Não me arrependo de nada. Eu teria ficado feliz em voltar, podia ter ficado mais tempo, mas as escolhas surgiram naquela altura. Fico contente que o José Mourinho ainda se lembre de mim (risos).

MF – Quando foi a última vez que falaram os dois?
CA – Eu estava no Corinthians e íamos jogar contra o River Plate, da Argentina. Ele veio ver esse jogo [maio de 2006]. Recebi uma chamada no telefone, de um número estranho. Atendo e ouço: ‘Tou sim, menino Carlinhos, sabe quem é?’. Sotaque inconfundível do José. Eu disse logo, ‘pô, chefe, claro que sim’ (risos). Ele começou a rir-se e a chamar-me miúdo. Até hoje eu sou miúdo para ele. Aliás, nessa altura estivemos várias vezes juntos, com o Deco também, aqui no Brasil. Gosto muito da forma como eles me tratavam no Porto, ‘miúdo’ ou ‘Feijão’.

VÍDEO: o golo de Carlos Alberto na final de Gelsenkirchen

MF – O Mourinho não voltou a tentar contratá-lo?
CA – Na verdade, sim. Eu voltei ao Brasil e tive vários convites dele, mas a questão de ser extra-comunitário travou sempre esse desejo. Ele seguiu o seu caminho, eu segui o meu. Teria sido um prazer voltar a trabalhar com ele. Se eu tivesse voltado a ter sucesso na Europa, se calhar isso teria acontecido, mais cedo ou mais tarde. Mas fui ficando ao Brasil e essa possibilidade foi desaparecendo.

MF – Nessa Champions de 2004, o golo do Costinha em Manchester foi momento-chave. Onde estava no momento dos festejos?
CA – Eu tinha sido substituído pouco antes, estava no banco. Durante o jogo tive duas boas possibilidades para fazer golo. Mas foi o Costinha (risos). Ele nem era um jogador de golos, mas foi decisivo. Nesse Porto isso era frequente porque o Mourinho estimulava essa tomada de decisão entre os jogadores. O Costinha sentiu que tinha de subir nesse lance. Nós tínhamos tudo organizado, mas a liberdade surgia naturalmente e o Mourinho impulsionava isso. Dentro de uma lógica, ele permitia tudo. O Mourinho foi das pessoas mais flexíveis com quem trabalhei.

MF – A saída do José Mourinho apanhou o vestiário de surpresa?
CA – Já era esperada por todos. O José tinha vencido muita coisa, estava bastante valorizado e o passo adiante era totalmente natural. Creio que não surpreendeu ninguém. Quando há uma fumaça, há fogo.