Uma casa de família. Maxi Pereira abre a porta ao Maisfutebol e mostra-nos o seu mundo. A simpatia da esposa, as gargalhadas dos filhos, a companhia do cão Fofo. O que se segue é uma conversa que se prolonga duas horas e atravessa os 12 anos - «quase 13», corrige Maxi - dos Pereira em Portugal.  

Os últimos seis meses sem futebol, os planos para a carreira aos 35 anos, as memórias da troca da Luz para o Dragão em 2015, a opinião sobre Sérgio Conceição e Jorge Jesus, o adeus ao universo azul e branco no final da época passada e as reflexões sobre o futebol moderno. Treinador profissional? Não contem com ele.  

Simpatia desarmante, abertura total, todas as explicações sobre as opções tomadas e por tomar. Com um café bem português à mesa e uma paixão confessa pela Cidade Invicta. «Nunca tive esta qualidade de vida noutro sítio e já viajei por todo o mundo.»

Esta é a primeira entrevista dada por Maxi Pereira após a saída do FC Porto. No Maisfutebol.
 

PARTE II: «Com o Jesus a minha cabeça parecia explodir»

PARTE III: «Vejo o FC Porto jogar e sinto que ainda teria lugar»

PARTE IV: «Não traí o Benfica, o FC Porto fez-me sentir importante»

PARTE V: «Não sabia o que era tirar uma senha e ficar na fila de espera»

Maisfutebol – Como tem sido a vida do Maxi desde a saída do FC Porto?
Maxi Pereira – Bem, depois de acabar o contrato com o Porto, em junho, fui quase três meses para o Uruguai. Os meus filhos gémeos fizeram anos em julho e a menina em agosto. Estive no meu país a aproveitar a família, mas também a treinar e a decidir onde iria jogar a seguir. No fim de agosto voltei ao Porto, até porque a escola dos meus filhos estava a começar. Desde esse momento passei a trabalhar com dois preparadores-físicos, para estar preparado logo que surgisse um convite. Tive a possibilidade de assinar pelo Peñarol e essa era a oferta mais forte. Houve alguns desencontros e acabei por não ir.

MF – Nunca pensou chegar a janeiro e estar sem clube.
MP – Não, nunca. Esse não era o meu plano. Treino todos os dias, mas ainda não tenho um convite concreto, oficial. Preferia ficar cá em Portugal, porque a minha vida está toda cá, no Porto. A escola dos meus filhos, os amigos deles, a minha esposa e as amigas, estamos muito bem. Quando vamos ao Uruguai, estamos lá duas semanas e os meus filhos começam a dizer que querem regressar a Portugal. Estamos cá há mais de 12 anos, a ligação é muito forte.

MF – Escreveu-se que o Boavista e o Rio Ave tentaram contratá-lo. É verdade?
MP – Sim, é verdade. Falaram com o meu empresário e o Carlos Carvalhal, treinador do Rio Ave, até falou comigo diretamente.

MF – O que falhou para não assinar por um desses clubes?
MP – Com o Rio Ave, assumo, o responsável fui eu. Não me decidia. Estava um bocadinho à espera do que dava com o Peñarol e fui adiando a resposta. Também me chegaram possibilidades da Arábia e do Qatar, mas coisas pouco concretas. Quando o Rio Ave contratou um lateral, creio que o Diogo Figueiras [a 30 de agosto], percebi que não ia para lá.

MF – E o Boavista?
MP – Com o Boavista pensei que as coisas estavam todas acertadas no fim-de-semana [17/18 de agosto], mas na segunda-feira li que o clube tinha contratado um lateral direito, o Fabiano, ao Palmeiras. Até falei com o meu empresário e perguntei-lhe o que se tinha passado. Ele disse-me que não sabia, que tinha tudo apalavrado com o Boavista. Pronto, o clube optou por outro, tudo bem. De Portugal foram essas as propostas reais que tive. O Boavista era bom por ser um clube histórico, com garra, agradava-me. O Sp. Braga e o Vitória de Guimarães também. Se o telefone tocar na próxima semana, estou preparado.  

MF – Pelo Maxi e pela sua família, a carreira no futebol continuará aqui em Portugal?
MP – Sim, sim, apesar do Peñarol. E, claro, tenho ainda a minha mãe no Uruguai, além dos meus seis irmãos. O meu pai faleceu quando eu tinha 12 anos e a família uniu-se ainda mais. Tenho saudades deles, obviamente, mas em Portugal tenho tudo o resto. Fiz grandes amigos, estou integrado e adoro viver no Porto. A minha carreira não acabou, estou louco para jogar.  

MF – Esteve oito anos em Lisboa e está há pouco mais de quatro no Porto.
MP – Sim, mas nunca ponderei ficar a viver em Lisboa, nunca nos passou isso pela cabeça. Era um local de passagem. Depois viemos para o Porto e durante a minha segunda época no FC Porto decidimos comprar casa porque estávamos a adorar a cidade e as pessoas.  

MF – Qual foi a grande diferença que sentiu entre Lisboa e Porto?
MP – Não sei se tem a ver com a minha própria evolução como homem, marido e pai. Cá no Porto sinto que posso andar nas ruas à vontade, há sempre um sorriso de toda a gente e temos tudo muito mais perto de casa. É mais organizado e acolhedor. Lisboa é a capital, mais confusa. Para levar os miúdos à escola era mais complicado, tínhamos de andar muito de carro. Aqui no Porto é só atravessar a rua (risos). É uma cidade cheia de qualidade de vida, muito cómoda. Nunca tive esta qualidade de vida noutro sítio e já viajei por todo o mundo. Mesmo no Uruguai não era assim. A nossa casa lá fica a 40 minutos de Montevideu, como se fosse Vila do Conde em relação ao Porto.

MF – O objetivo é voltar a jogar já em janeiro?
MP – Essa é a minha ideia, sim. Claro que com o passar do tempo fiquei um pouco desmotivado… treinar sozinho não é o mesmo. Pensei que ia estar pouco tempo sem jogar, mas os meses passaram e agora está a custar-me cada vez mais acordar e ir treinar só com o meu preparador físico. Tento motivar-me, mas é difícil. Quero que apareça alguma coisa em janeiro. Se não aparecer… a vida segue e tenho de começar a ver outra opção ligada ao futebol.

MF – Treinador?
MP – Não, treinador de uma equipa profissional não. Não me atrai nada. Sabe que quando comecei a jogar, os colegas mais velhos e os treinadores eram figuras respeitadas no balneário. Habituei-me a isso. Agora não é assim, os futebolistas mais novos começam a ganhar dinheiro demasiado cedo e a distraírem-se com outras coisas. Para mim, como treinador, teria dificuldade em perceber essa mentalidade dos dias de hoje no futebol. Digo isto porque sei o que vi no Benfica e no FC Porto com os atletas mais novos. Chegam ao plantel sénior e têm logo carros de luxo, tudo me parece facilitado. Não seria fácil transmitir-lhes os valores que defendo.

MF – Que valores são esses?
MP – Saber ouvir os mais experientes, comunicar com os colegas, pousar o telemóvel e olhar à volta. Lembro-me de ser júnior e de ser chamado aos treinos do plantel sénior do Defensor. Bem, aqueles futebolistas para mim eram deuses. Até me custava olhar para eles. Agora não é assim. Até aos 12/13 anos, os miúdos ainda respeitam muito, e por isso imagino-me mais a trabalhar com eles e para eles. Gostava de ensinar-lhes o meu futebol, como se remata, como se mete o pé para um cruzamento. Quer dizer, eu nunca cruzei bem (risos). Sei que lhes posso transmitir muitas coisas, tenho a sorte de ter uma carreira muito boa.