A arbitragem feminina tem ganho destaque no futebol, nacional e internacional. Portugal conta, atualmente, com três árbitras e quatros assistentes com insígnias FIFA. Sandra Bastos, da Associação de Futebol Aveiro, é uma delas e tornou-se, em janeiro, na primeira mulher a arbitrar um jogo no Campeonato Nacional de Seniores.

O encontro, a contar para a ronda 18 (Mirandela-Fafe), terminou empatado a duas bolas. Mas a equipa de arbitragem levou a vitória para casa: «Recebemos aplausos no final do jogo. As duas equipas ajudaram-nos muito. Temos consciência de que houve lances em que podíamos ter estado melhor, mas o aplauso que recebemos demonstra que o nosso trabalho diário vale a pena.»

A juíza acredita que não foi pelo facto de a sua equipa ser constituída por mulheres: «Já fomos elogiadas noutras alturas. Mesmo por equipas que perderam nos jogos que apitámos. Acho que os jogadores, durante o jogo, acabam por se esquecer que somos mulheres. E o resto das pessoas também.»

«Estamos lá para aplicar as leis de jogo. O nosso trabalho é igual, tão sério e com qualidade, como o dos homens», justificou em entrevista ao Maisfutebol.



Mas, sim, há talvez uma diferença no tratamento: «Respeitam-nos muito. Em algumas situações de jogo, os jogadores podem ter atitudes menos boas, mas passados uns segundos pedem desculpa.»

«Os homens que se acautelem, as mulheres portuguesas estão aí para o futebol»

Assim, Sandra Bastos também não tem preferência por jogos masculinos ou femininos: «Gosto de apitar os dois. Ambos têm as suas especificidades com as quais gosto de lidar. O de homens é mais rápido e mais técnico, mas o futebol feminino tem evoluído e tem muita qualidade.»


«Os homens que se acautelem, porque as mulheres portuguesas estão aí para o futebol», avisa a árbitra que soma já quase 250 jogos nesta função.

E muitos mais, noutra: Sandra Bastos também foi jogadora de futebol, e venceu o Nacional em 1995/1996, mas acabou por «arrumar as chuteiras» devido ao facto de o seu clube ter desistido das competições femininas, o ADC Lobão da distrital de Aveiro.

Só que, sempre ligada ao desporto, praticando também taekwondo e kickboxing, aproveitou o regresso à escola, para fazer melhoria de notas, e um colóquio sobre arbitragem para reingressar no mundo da bola. «Vi aí uma forma de voltar ao futebol. Fiz o curso com sucesso, entretanto apitei o primeiro jogo e aí nasceu a paixão pela arbitragem», disse.

«Na altura ainda senti algumas dificuldades, até porque estava habituada a jogar e não a ajuizar lances. Mas se agora me perguntassem se queria voltar a jogar, a resposta era não. Gosto mais de arbitrar», confessou.

E só mesmo com paixão se pode andar nesta profissão e conciliá-la com outra. Sandra Bastos é ainda sócia-gerente numa empresa em Santa Maria da Feira, na qual trabalha de segunda a sexta-feira, mas tem tempo para treinar.

«É preciso gostar muito disto e ter motivação. Nem sempre é fácil conciliar, mas se não consigo treinar antes de ir trabalhar, treino depois do trabalho. O dia torna-se grande e ando sempre numa roda-viva, às vezes é cansativo, mas se o meu dia a dia não for tão preenchido até acho estranho», justificou.

«É um orgulho representar a mulher portuguesa lá fora»

Já lá vão 12 anos assim, até porque Sandra Bastos, natural de Neuss, na Alemanha, começou aos 11 anos a trabalhar com os pais. E agora, não abdica nem da sua empresa, nem da arbitragem.

E é a determinação e o gostar que a têm levado, desde 2004, a receber a insígnia de árbitra FIFA. «Quando nós lutamos, persistimos e nunca desistimos as coisas acontecem», admitiu, para acrescentar: «É um orgulho fazer parte deste lote. E, mais ainda, representar a mulher portuguesa lá fora.»



No fim-de-semana passado, por exemplo, esteve no Frankfurt-Bristol dos quartos de final da Liga dos Campeões feminina, somando o quarto jogo internacional da época.

Em agosto e novembro já tinha marcado presença na Champions, ao apitar os dezasseis e os oitavos de final, respetivamente. E em junho já tinha estado na fase de grupos de apuramento para o Mundial 2015 feminino, que se realiza no Canadá.

Mas há mais, noutras competições: em 2011, apitou a final do Europeu de sub-19, e em 2010 marcou presença como quarta árbitra nos Jogos Olímpicos da Juventude.

Só que ainda não chega: «Queria muito atingir a elite e já consegui, mas quero continuar a trabalhar para chegar a uma final da Liga dos Campeões e a uma final do Campeonato do Mundo.»


«Quando comecei os meus pais pensavam que estava maluca da cabeça»

A família já se habituou a esta vida de Sandra Bastos e, atualmente, sente-se muito orgulhosa: «Sou o ai-jesus dos meus pais.»

Mas quando se iniciou nesta profissão os progenitores não acharam boa ideia: «Pensavam que estava completamente maluca da cabeça e não me apoiaram muito. Agora estão orgulhosos, disse-lhes que ia singrar e estou a fazê-lo.»

Ainda assim, nem o pai, nem a mãe assistem às partidas que a filha arbitra: «Não vão ver os jogos, nem ficam preocupados. Sabem que é a minha profissão. Desejam boa sorte antes e depois perguntam se correu tudo bem. Apenas isso.»

«O árbitro não é o elo mais fraco num jogo de futebol»

Aos 35 anos, ainda não pensa no final da carreira – que, na verdade, ainda está longe – mas já sabe o que quer fazer: «Vou certamente continuar ligada à arbitragem, ou como instrutora ou como observadora.»

É nesta área que se sente bem, até porque, ainda que se critiquem muitos os «homens e as mulheres do apito», «as críticas fazem parte da vida; as boas e as más», e «o árbitro não é definitivamente o elo mais fraco num jogo de futebol».

«Todos erram, os árbitros, os jogadores e os treinadores», acrescentou. E Sandra Bastos quer continuar a receber críticas: «Retiro sempre alguma coisa das positivas e das negativas. Sei lidar com isso. Se fosse tudo perfeito, não valia a pena continuar. As coisas têm de ser difíceis para continuarmos a lutar por elas.»